Publicado no Al-Monitor. Traduzido e adaptado para português por Albert Caballé Marimón* |
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Todas as atenções estão voltadas para Ancara e Moscou, após o severo ataque a um comboio militar turco em Idlib, que ameaça desencadear desenvolvimentos que podem causar ainda mais desequilíbrios na Síria.
A Turquia acordou em 28 de fevereiro no dia mais sombrio do conflito na Síria, lamentando a morte de pelo menos 33 soldados em um ataque no dia anterior que elevou a tensão com Moscou e Damasco a um nível sem precedentes.
O que exatamente aconteceu em 27 de fevereiro? Por volta das 17h00, um batalhão de infantaria mecanizado turco, composto por cerca de quatrocentos soldados, foi alvo de um ataque aéreo em uma estrada entre al-Bara e Balyun, a cerca de cinco quilômetros ao norte de Kafr Nabl, no sul de Idlib. Segundo fontes locais contatadas pela Al-Monitor, dois jatos russos Sukhoi Su-34 e dois sírios Su-22 lançaram bombardeios intensivos a alvos do Exército Nacional da Síria (SNA, Syrian National Army) apoiados pela Turquia, no sul de Idlib, por volta das 11h00. Os mesmos jatos atingiram o comboio turco em uma ação coordenada, disseram as fontes.
Num primeiro momento, um ataque relativamente mais leve dos Su-22 forçou o comboio a parar, após o que foi intensificado, forçando os soldados a se abrigar em edifícios à beira da estrada. O que se seguiu foi possivelmente o lançamento de bombas KAB-1500L (uma variação de bombas bunker buster avançadas guiadas a laser capazes de penetrar em profundidades de até vinte metros) pelos jatos russos. Dois dos edifícios desabaram no ataque, deixando os soldados turcos sob os escombros.
Moscou disse em 28 de fevereiro que os aviões russos não haviam realizado ataques na área e que fez o possível para garantir um cessar fogo pelo exército sírio para permitir a evacuação das tropas. Disse, no entanto, que os soldados turcos não deveriam estar na área, onde operações de contraterrorismo estavam em andamento, e Ancara falhou em transmitir informações sobre sua presença com antecedência.
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Apesar da negativa do envolvimento russo e um subsequente telefonema entre os presidentes turco e russo, esse parece ser um movimento deliberado e bem calculado da Rússia, e a atitude de Moscou dificilmente pode ser tomada como sinal de que está disposta a dar um passo atrás para diminuir a escalada da crise.
O número oficial de mortos em Ancara é de 33 na manhã de 28 de fevereiro, com sessenta feridos, entre eles dezesseis com ferimentos graves. Ainda não está claro se ainda poderia haver algum soldado sob os escombros. De acordo com informações não confirmadas obtidas pela Al-Monitor, o número real de mortes seria algo entre 50 e 55.
O que fez com que a Rússia reagisse com tanta violência e provocação enquanto uma delegação sua mantinha conversas em Ancara na tentativa de aliviar as tensões em Idlib?
O campo de batalha se tornou altamente explosivo desde 20 de fevereiro, quando dois turcos foram mortos em um ataque aéreo a tanques turcos M60 Sabre no sul de Idlib. A situação aumentou ainda mais nos dias 25 e 26 de fevereiro, quando – em meio a operações contínuas das forças do governo sírio, apoiadas pelo poder aéreo russo – as forças do SNA, apoiadas pelas forças armadas turcas, lançaram um contra-ataque na área de Nayrab-Saraqeb, tomando o controle de Nayrab e marchando para Saraqeb, no cruzamento das rodovias estratégicas M4 e M5, ao mesmo tempo em que conseguiu bloquear a M5 em vários pontos apenas alguns dias após a reabertura da estrada.
As coisas vieram à tona na manhã de 27 de fevereiro, quando, de acordo com a mídia russa, aeronaves russas sobrevoando Idlib se tornaram alvo de intenso fogo de sistemas portáteis de defesa aérea, conhecidos como MANPADS (Man-portable air-defense systems, sistemas de defesa aérea portáteis), de postos militares turcos na área. Simultaneamente, ataques de MANPADS e drones ameaçavam a base Khmeimim, a principal instalação militar da Rússia na Síria. Fontes russas, contatadas pela Al-Monitor, afirmam que mais de quinze ataques com MANPADS, realizados diretamente por tropas turcas, atingiram jatos russos e sírios que realizavam ataques aéreos no sul de Idlib após às 13h00 daquele dia. Aeronaves russas supostamente sofreram danos ao manobrar para escapar do fogo. Como os ataques às aeronaves e à base de Khmeimim atingiram uma intensidade considerada intolerável, o comboio turco foi atacado às 17h00.
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Após o ataque, Moscou rejeitou o pedido de Ancara de abrir o espaço aéreo de Idlib a helicópteros turcos para transportar as vítimas. Como resultado, os mortos e feridos foram levados por via terrestre para um hospital em Reyhanli, uma cidade fronteiriça turca a cerca de setenta quilômetros da área.
Às 21h30 a população turca começou a saber sobre o caos nas mídias sociais. Às 23h00, o presidente Recep Tayyip Erdogan convocou uma reunião de segurança nacional de emergência em Ancara. Chama a atenção que Ancara destacou o regime [sírio] como o culpado, sem referência à Rússia, em suas reações iniciais, prometendo uma poderosa retaliação. Este é um sinal importante de que Ancara não está disposta a romper vínculos com Moscou imediatamente, o que sugere que manterá uma retórica culpando o regime pelo ataque ao comboio.
Logo depois que o público turco soube do derramamento de sangue, a internet sofreu lentidão em todo o país e meios de comunicação amplamente utilizados, como o Twitter e o WhatsApp, ficaram congestionados. Em outras palavras, as autoridades pareciam dificultar fontes alternativas de informação, enquanto a mídia convencional começou a divulgar relatórios e filmagens de tropas turcas atacando forças do regime sírio em uma tentativa de reforçar a percepção de que os mártires turcos estavam sendo vingados. Fahrettin Altun, o chefe de comunicações de Erdogan, twittou uma série de mensagens prometendo uma poderosa resposta ao “regime assassino” e enfatizando a decisão de Ancara de não retirar suas forças de Idlib.
O que poderia acontecer a seguir em Idlib? A imagem no terreno é clara: Ancara está agora em uma guerra convencional com Damasco, embora não declarada, e chegou à beira de um confronto convencional com Moscou. O fato de Ancara atribuir a culpa ao regime pode ser vista como um esforço para manter abertos os canais de diálogo com Moscou. No entanto, os sinais vindos de Moscou não são muito animadores. Um encontro pessoal entre Erdogan e o presidente russo Vladimir Putin parece ser agora o único meio de reduzir a crise Turquia-Rússia. Segundo Fahrettin Altun, os dois líderes “concordaram em se encontrar o mais rápido possível” durante a ligação, mas a declaração do Kremlin foi mais ambígua, dizendo que concordaram em “examinar a possibilidade” de tal reunião.
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A gravidade do número de mortos é, sem dúvida, um grande golpe para Ancara, mas Moscou pode ter falhado ao não prever um resultado tão sangrento. O ataque pode levar as tensões a um transbordamento além de Idlib. É possível que a Turquia esteja sob pressão para retirar sua presença militar no bolsão do Escudo do Eufrates e na área de Afrin, a oeste do Eufrates, e mesmo de áreas ao leste do rio, das quais tomou posse em outubro.
A questão mais crítica agora é se Ancara estará preparada para encerrar sua presença militar na Síria. Isso não parece provável num futuro próximo. Ancara procurará pelo menos negociar e extrair certas concessões de Moscou para uma retirada gradual de suas tropas.
Uma escalada dramática nos confrontos nos próximos dias deve ter poucas chances de acontecer, já que os atores em campo – Ancara, Damasco, Moscou e Teerã – provavelmente tentarão decidir suas posições de acordo com seus respectivos interesses e tendências.
Apesar das esperanças de Ancara em obter apoio ocidental, são baixas as possibilidades da OTAN ou dos Estados Unidos se envolverem militarmente de imediato na crise. Possivelmente adotarão uma abordagem de esperar-para-ver durante algum tempo para obter uma melhor imagem de como a crise Ancara-Moscou vai evoluir.
*Albert Caballé Marimón possui formação superior em marketing, é fotógrafo profissional e editor do blog Velho General. Já atuou na cobertura de eventos como a Feira LAAD, o Exercício CRUZEX e a Operação Acolhida. É colaborador da revista Tecnologia & Defesa e do Canal Arte da Guerra, onde, entre outras atividades, mantém uma resenha semanal de filmes e documentários militares. Entre suas atividades, já proferiu palestras para os cadetes da Academia da Força Aérea. Pode ser contatado através do e-mail caballe@gmail.com.
Excelente artigo,
Total confiança no conteúdo.
Muito obrigado Luso! Um abraço!
Me pergunto o que a Turquia esperava atacando forças russas? Uma tolerancia?
É complicado, temos de um lado o exército sírio apoiado pela Rússia, e de outro rebeldes sírios apoiados pela Turquia. É um caldeirão, sempre no limite. Vamos acompanhar como a coisa se desenrola. Grato por comentar, forte abraço!
Meu caro Velho , ouvi dizer por uns amigos Libaneses , que o Exercito Sirio é muito bem preparado , só lhe faltando armas mais sofisticadas , o senhor acredita que Ancara espera um pretexto da Siria para invadir todo o territorio , ou tem esperança que a Otan ao qual ela faz parte lhe de uma autorização informal para invadir a Siria .
Pois todos sabemos , que falar que o real motivo da invasão é para neutralizar os terroristas separatistas é balela , uma vez que eles apoiam e dão armar ao movimento para derrubar Assad .
Kleber, o exército sírio evoluiu muito e é apoiado pela Rússia; assim, não é o passeio da Turquia como alguns pensaram no início. Eu não creio que a OTAN apoie qualquer iniciativa turca no sentido de invadir a Síria; a atuação deles hoje já não é apoiada pela OTAN. Grato por comentar, forte abraço!