O emprego pela Rússia de veículos terrestres remotamente pilotados na Guerra na Ucrânia

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Imagem gerada por inteligência artificial.

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A Guerra Russo-Ucraniana tem mostrado a intensificação do uso de Veículos Terrestres Remotamente Tripulados (VTRT) pelas forças russas, sinalizando uma evolução tecnológica e tática significativa.


Introdução

Os sistemas mecatrônicos militares (SMM) estão no cerne da atual revolução tecnológica militar. Temos acompanhado sua rápida evolução e amplo emprego no decorrer destes três anos da Guerra Russo-Ucraniana.

O cada vez mais intensivo aumento do emprego pelos Exércitos russo e ucraniano de sistemas de armas como mísseis (Iskander, Oreshnik, ATACMS, HIMARS), munições inteligentes (Lancet) e, principalmente, os veículos autônomos, semiautônomos e remotamente pilotados, têm transformado rapidamente a Doutrina Militar Terrestre em diversas dimensões.

Em uma mudança notável nas táticas do campo de batalha, as forças russas estão intensificando o uso de SMM terrestres na Guerra Russo-Ucraniana, sinalizando uma evolução tecnológica e tática significativa.

O presente artigo tem por objetivo analisar o desenvolvimento e emprego pelo Exército russo de SMM terrestres, de forma a buscar eventuais ensinamentos para o planejamento do Exército do Futuro, cuja implantação se mostra cada vez mais próxima.

Generalidades

O grau de autonomia de um SMM está associado diretamente ao papel do ser humano na operação do sistema. Neste sentido, um SMM completamente autônomo é capaz de escolher rotas, selecionar alvos e atacar sem qualquer necessidade de intervenção humana. Já um semiautônomo se caracteriza pela capacidade de realizar parte de suas funções autonomamente, mas depende do ser humano para algumas funções críticas e de tomada de decisão, como por exemplo, engajar alvos. Finalmente, os sistemas remotamente pilotados necessitam de supervisão e controle humano para sua operação.

Nem todos os SMM são concebidos para ações cinéticas ou letais. Diversas missões importantes podem ser desempenhadas por SMM, como vigilância, inteligência, guerra eletrônica, minagem e desminagem, logística e resgate de feridos, dentre outras. As tecnologias de Inteligência Artificial estão se disseminando rapidamente, assim como seu emprego militar, o que fará em breve com que os sistemas autônomos ganhem mais disseminação, em que pese os dilemas éticos decorrentes do emprego que máquinas que decidem autonomamente quem, quando e como matar.


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Na fase atual da Guerra Russo-Ucraniana, os SMM terrestres semiautônomos e remotamente pilotados são os que já debutaram no campo de batalha, e é a eles que dedicaremos maior atenção neste artigo.

No Exército russo, os SMM terrestres recebem a designação de Беспилотное Наземное Транспортное Средство (Bespilotnoye Nazemnoye Transportnoe Sredstvo), correspondendo à sigla BNTS. Traduzindo para o português seria exatamente Veículo Terrestre Não Tripulado (VTNT).

No Exército Brasileiro, a designação adotada deste tipo de equipamento é a de Sistema de Veículos Terrestres Remotamente Pilotados (SVTRP), ou simplesmente Veículos Terrestres Remotamente Pilotados (VTRP), conforme as Condicionantes Doutrinárias e Operacionais (CONDOP) 001-2015. Para fins de fixação do conceito doutrinário nacional, adotaremos a sigla VTRP.

Os VTRP em uso no Exército russo

A Força Terrestre da Rússia já emprega VTRP de vários tipos, projetados para resolver uma variedade de tarefas de combate e tarefas auxiliares. O desenvolvimento de novos equipamentos desta classe também está em curso, e vários modelos ainda estariam em fase de testes.

Como um exemplo de meio já em uso, fontes russas e ucranianas divulgaram imagens de 29 e 30 de março de 2024, mostrando o engajamento de VTRP russos com tropas ucranianas (Figura 1).


FIGURA 1: VTRP dotado de lança granadas AGS-17 em ação real de combate (ARMY RECOGNITION, 2024).

Esses veículos remotamente pilotados, quando equipados com os sistemas de lançadores de granadas AGS-17, são capazes de desencadear uma barragem devastadora de 50 a 400 granadas por minuto. Tais capacidades oferecem um vislumbre do futuro das operações de combate, onde os sistemas terrestres remotamente pilotados podem desempenhar papéis cada vez mais centrais.

Outro desenvolvimento significativo são os VTRP de reconhecimento e apoio de fogo. Um deles é o Uran-9, equipado com uma variedade de sensores e armas, o Uran-9 visa aumentar a eficácia de um pelotão de fuzileiros (pelotão de infantaria), oferecendo a possibilidade de constituir uma base de fogos para diversos armamentos, tais como metralhadoras, lança granadas, mísseis anticarro 9M120 ATAKA, mísseis antiaéreos IGLA e até um canhão automático de 30mm ABM M30-M3 (Figura 2).


FIGURA 2: VTNT Uran-9 com canhão de 30mm e mísseis anticarro ATAKA (Wikipedia/mil.ru/CC BY40).

As versões “kamikaze” dos VTRP também tem sido cada vez mais empregadas. Uma delas é o pequeno modelo KROT (Figura 3), que pode adentrar em posições fortificadas, trincheiras e postos de comando, e lá acionar sua carga explosiva de até 100kg de TNT.


FIGURA 3: Sequência de fotos do ataque de um VTRP Kamikaze KROT.

Mas os VTRP são multifuncionais, e além desse tipo de ação de combate, podem ser empregados em operações de inteligência, vigilância e reconhecimento (ISR, Intelligence, Surveillance and Reconnaissance), lançamento de campos de minas, desminagem, apoio logístico e evacuação de feridos.

Esse uso diversificado dos SMM terrestres destaca suas capacidades para aumento da flexibilidade operacional e na redução do risco à vida humana no campo de batalha. No cenário dinâmico da tecnologia militar, os avanços da Rússia em VTRP ressaltam um pivô estratégico para a integração de tecnologias de ponta em seus mecanismos de defesa. O desenvolvimento e a implantação desses SMM demandam um esforço conjunto para aumentar a eficácia operacional e proteger o pessoal.

Além das funções de combate, a Rússia também se concentrou em desenvolver VTRP para operações de apoio de engenharia, como o Uran-6 e o Uran-14. O Uran-6 é especializado em abertura de brechas e desminagem, fornecendo uma alternativa mais segura aos métodos de desminagem manual e ressaltando o uso da robótica para tarefas perigosas (Figura 4).


FIGURA 4: VTRP Engenharia – Abertura de brechas (Rosoboronexport).

Enquanto isso, um modelo modificado, o Uran-14, é dedicado ao combate a incêndios em zonas de combate, capaz de operar em ambientes de alto risco para gerenciar incêndios resultantes de ações militares ou acidentes. Esses veículos ilustram a abordagem multifacetada das capacidades dos sistemas não tripulados para funções críticas de apoio que contribuem não apenas para a manobra, mas como para a mobilidade e a proteção.

Para o apoio logístico, um dos equipamentos empregados é o VTRP Tosha TX 45SM, de tração 6×6 (Figura 5), ou seja, cada roda é equipada com um acionamento elétrico independente.


FIGURA 5: VTRP – Apoio Logístico – Tosha TX 45SM (https://rg.ru/2023/12/18/rossijskie-inzhenery-predstavili-novyj-bespilotnik-dlia-evakuacii-ranenyh.html).

Isso torna a viatura extremamente manobrável, e permite que continue se deslocando mesmo que várias rodas tenham falhado ou sofrido danos. Os VTNT elétricos geram pouco ruído e são quase invisíveis aos termovisores inimigos, pois não possuem motor de combustão interna. Este VTRP pode transportar até 1.000 kg, e seu alcance é de até 180 km, o que lhe permite transportar itens críticos, como munição de artilharia e morteiros. Esta VTRP também pode ser utilizado com um sistema de lançamento de fumígenos, para proteção contra vigilância de drones.

A evacuação dos feridos do campo de batalha é outra atividade e grande relevância e elevado risco nos tempos de vigilância ativa de drones e ação constante de drones kamikazes. Em muitos casos a ameaça constante de drones obriga que a evacuação de feridos seja realizada apenas em período noturno, para evitar a exposição dos socorristas e do ferido às ameaças. Isso contraria o princípio da “golden hour”, ou seja, do atendimento ao ferido na primeira hora. Neste sentido, os VTRP constituem uma solução que permite ao menos proteger os socorristas, evitando novos feridos.

Um dos equipamentos para essa finalidade é o PSh-56 (Figura 6), equipado com um sistema de controle remoto por meio de um canal de rádio fechado, mas se necessário, caso o inimigo estiver usando ativamente a guerra eletrônica, pode-se alternar para o controle por cabo de fibra ótica.


FIGURA 6: PSh-56 – Evacuação de Feridos (https://rg.ru/2024/02/01/novyj-bespilotnyj-transporter-dlia-evakuacii-ranenyh-prohodit-ispytaniia.html).

Para aumentar a capacidade de cross-country, o PSh-56 é dotado de tração por esteiras de borracha, que são acionadas por dois motores elétricos independentes. As baterias podem durar até oito horas com uma única carga.

Conclusão

Compreender a importância e a eficácia de tais tecnologias nos conflitos atuais é imperativo para o desenvolvimento de estratégias e capacidades que definirão o futuro dos combates militares. O campo de batalha na Ucrânia está rapidamente se tornando um campo de testes para tecnologias de guerra de próxima geração, oferecendo insights críticos sobre as capacidades necessárias para o Exército do Futuro.

Referências

ARMY RECOGNITION. Russia’s Increasing Use of Unmanned Ground Vehicles in Ukraine Conflict. Army Recognition, 31 de março de 2024. Disponível em: www.armyrecognition.com/focus-analysis-conflicts/army/conflicts-in-the-world/russia-ukraine-war-2022/russia-s-increasing-use-of-unmanned-ground-vehicles-in-ukraine-conflict.

_______. Russian Soldiers Deploy Homemade UGV for Medical Evacuation in Ukraine. Army Recognition, 11 de dezembro de 2023. Disponível em: https://www.armyrecognition.com/focus-analysis-conflicts/army/conflicts-in-the-world/russia-ukraine-war-2022/russian-soldiers-deploy-homemade-ugv-for-medical-evacuation-in-ukraine.

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