Por Carlos A. Klomfahs*
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Políticas de Estado adequadas, se adotadas desde o início da indústria automobilística, garantiriam hoje a soberania nacional e a base industrial de defesa brasileiras, gerando empregos e alinhadas às tecnologias empregadas nas Guerras de 5ª Geração.
Sun Tzu dizia: “É a regra da guerra, se dez vezes mais forte do que o inimigo, cerque-o; se cinco vezes mais forte, ataque-o; se duas vezes, enfrente-o; se as forças forem equivalentes, ocupe-o; se menor em quantidade, escape; se mais fraco, evite-o.” (SUN TZU, 2015)
A priori, cita-se o livro fundamental para se entender a singularidade, cultura e pensamento chinês do autor Henry Kissinger, falecido em 29 de novembro de 2023 aos 100 anos, intitulado: Sobre a China, de 2012. Com papel proeminente na política externa americana inclusive a última de sua vida em julho de 2023, Kissinger foi secretário de Estado e conselheiro de Segurança Nacional dos EUA nos governos de Richard Nixon e Gerald Ford. Kissinger afirma logo no prefácio que o livro é um esforço baseado parcialmente nas conversas com líderes chineses, sobre a forma como os chineses pensam sobre os problemas de paz e guerra.
Desnecessário dizer também, baseado na fundamental obra para entender a relação Ocidente-Oriente de Niall Ferguson: Civilização: Ocidente x Oriente, sobre o fato de que a China era, até o ano de 1500, a principal potência mundial militar e econômica, sendo Pequim a maior cidade do mundo com 700 mil habitantes, e com a tecnologia chinesa havia a matemática indiana e a astronomia árabe.
O livro revela a inquietação sobre a resposta sobre o porquê o Ocidente se sobrepôs ao Oriente no domínio político, militar e econômico. Para Fergunson, a supremacia Ocidental sobre o Oriente se assentou em seis pontos:
1. A competição (surgimento do Estado-Nação e o Capitalismo);
2. A ciência (a transformação do mundo natural conferiu ao Ocidente vantagem militar);
3. Os direitos de propriedade (leis que protegiam proprietários privados e conferiam estabilidade ao governo representativo);
4. A medicina (melhoria na saúde e expectativa de vida);
5. A sociedade de consumo (forma de alavancar e retroalimentar o sistema capitalista);
6. A ética do trabalho (onde o protestantismo cristão confere coesão à sociedade por meio de um sistema moral).
Enquanto na Europa buscava-se, com as grandes navegações, uma rota alternativa e sem intermediários para as Índias Orientais por Portugal e Espanha, a Rota da Seda abrangia Índia, Pérsia, Oriente Médio e Europa.
Relevante destacar, outrossim, para uma correta compreensão do caráter do povo oriental, seu foco no coletivo: pensamento, planejamento e ações voltadas ao bem estar geral (harmonia espiritual) em longo prazo, considerando e lidando bem com instabilidades e um desenvolvimento gradativo e em espiral.
Uma obra que busca debater o tema é a de Michael Schuman em: Confúcio e o mundo que ele criou: a história do legado do filósofo que mais influenciou a china e o leste asiático, que além de nos ensinar a enxergar a vida sob a perspectiva oriental, leva-nos para além de Aristóteles, Platão, Sócrates, a Bíblia e outras obras judaico-cristãs, bem como os clássicos Locke, Hobbes e Smith.
Explica o autor de que forma a filosofia confucionista foi abandonada e ressurgiu após 1949, na evolução econômica do Leste Asiático, influenciando o corpo político, familiar e empresarial da China, lançando ensinamentos na gestão de empresas, como pré-requisito para ascensão social e profissional e na organização familiar da nação, ensinando as pessoas a serem virtuosas e a empregar essa virtude construindo uma sociedade melhor, explicando que os ensinamento de Confúcio eram que a prosperidade econômica era pré-requisito essencial para o desenvolvimento moral da sociedade. Assegurando que o povo tivesse moradia adequada e oportunidade ,econômica o soberano proporcionava as condições para o desenvolvimento dos cidadãos.
Para isso vamos abordar sucintamente o papel da indústria automotiva no desenvolvimento econômico e social de um país, o planejamento e os planos de longo prazo do governo chinês conhecidos como Quinquênios ao longo dos últimos 45 anos.
Como também, en passant, o papel da indústria automobilística na 2ª Guerra Mundial e seu papel de destaque em eventual esforço de guerra nacional/hipótese de emprego, e por fim abordaremos a guerra econômica propriamente dita, notadamente depois da posse do novo presidente americano, e a Guerra 5.0 com a preponderância nos teatros de operações de armamentos e sistemas de armas cada vez mais tecnológicas como elementos vitais para a vitória nos conflitos contemporâneos.
A propósito, o professor Reis Friede inclusive escreveu um artigo em 7 de junho de 2023, sobre o tema no Blog Velho General intitulado O Futuro do poder naval chinês, em que trata da construção do porta-aviões Type 003 com catapulta magnética e propulsão nuclear.
Como também o professor Edilson Pinto no Blog Plano Brazil aborda a questão da expansão militar da China, notadamente a modernização da Marinha de superfície e submarina, integração da tecnologia de IA, missilística e drones e os caças multifunções J-36 e suas implicações geoestratégicas representando um salto tecnológico para a China, seja como plataforma de comando aéreo, seja na cooperação com plataforma não-tripulada e engajamento fora do alcance visual.
Sobre o tema ainda, a equipe do blog História Militar em Debate (HMB) integrada pelo professor Ricardo Cabral no artigo de agosto de 2023, intitulado: A crescente rivalidade entre EUA, China e a ascensão multipolar: Reflexões sobre uma possível Guerra Fria 2.0, destaca alguns fatores de tensões como:
a) Disputas comerciais;
b) Competição tecnológica;
c) Rivalidade geopolítica;
d) Direitos humanos e diferenças ideológicas;
e) Modernização militar.
Por fim, o presente artigo se utiliza da obra A Guerra dos Chips, de Chris Miller, para destacar o papel da microeletrônica avançada e dos semicondutores, bem como das empresas de chips na fabricação de automóveis elétricos, artilharia (mísseis, drones, foguetes, bombas e seus respectivos sistemas de navegação, orientação e guiagem de precisão), sistema satelital e de vigilância e monitoramento, aviação militar, carros de combate e força naval, ou seja, a natureza dual civil-militar, com o “triunfo do silício sobre o aço”.
A indústria automotiva como pilar do desenvolvimento econômico e social
O setor automotivo como motor do desenvolvimento econômico se iniciou na década de 1950, com o setor se constituindo em um dos que mais exigia desenvolvimento tecnológico e pelos efeitos de encadeamento que a produção de automóveis gerava sobre os demais setores. Vejamos sucintamente suas fases de desenvolvimento com os modelos japonês e americano:
• Taylorismo: reinvenção organizacional do processo produtivo em chefia e execução, trabalho especializado, comando e planejamento;
• Fordismo: produção em massa, redução do custo final e aumento qualidade do produto;
• Toyotismo: produção enxuta, variedade, equipes pequenas e multiqualificadas, foco na responsabilidade em equipe pela produção e qualidade, produção em alta escala e grande qualidade com estoque reduzido, banco de dados de clientes e relação duradoura com distribuidores, fornecedores e o comprador incluído no processo de desenvolvimento do produto;
• Just in Time: mínimo estoque, menor prazo, gestão desperdício, integração;
• Kanban: gestão visual projeto, tarefas, fluxo de trabalho, produção de lotes em partes.
Como se vislumbra, o setor automobilístico traz a reboque milhares de empregos intermediários de produtos e serviços como de peças de reposição, manutenção, concessionárias, revendas, novos e usados, indústria química, metalúrgica, de borracha, petróleo, etc., trazendo como consequência grande geração de emprego, inclusive de mão de obra qualificada. Pode-se ver assim que o sucesso japonês na indústria automotiva, emulada posteriormente pelas indústrias americanas, se basearam na gestão do estoque, desperdício e integração cliente, fornecedores e distribuidores.
Por isso a indústria automobilística como pilar do desenvolvimento econômico social teve na China um caminho diferente do Brasil, que não optou por uma política de Estado no desenvolvimento autóctone, cedendo aos interesses de multinacionais, às facilidades de importação e no recebimento de montadoras, ao invés de implementar o alto custo de negociações comerciais visando o interesse e desenvolvimento nacional.
Participação estatal na indústria automobilística
Sobre a derrocada da indústria automobilística brasileira, a falta de capital e tecnologias nacionais foi respondida pela permissão da entrada das multinacionais, que instalaram subsidiárias e investiram na produção local. Delgado (2001) destacou que este processo demonstrou-se limitado em termos de criação de um sistema nacional de inovação, pois as empresas brasileiras optaram pela aquisição de bens de capital estrangeiros e pelas alternativas de licenciamento, enquanto as multinacionais não trouxeram suas operações de pesquisa e desenvolvimento para o país, resultando no fim de uma indústria automotiva local independente.
Com efeito, o conceito de multinacional foi incorporado de forma precoce na malha industrial brasileira e sem exigências de transferência tecnológica. A existência de uma estratégia de industrialização via substituição de importações, aliada ao controle das multinacionais sobre as atividades de fronteira tecnológica e à facilidade na aquisição de licenciamento para a produção local e bens de capital, enfraqueceu as disposições inovativas das empresas nacionais.
Já no Leste Asiático, emergiram os Developmental States, países em que a política pública foi voltada para a construção de novas estruturas produtivas e capacidades tecnológicas, similares em diversos pontos com os estados desenvolvimentistas latino-americanos.
Destarte, as políticas daqueles países pouco tinham de experimento original, se baseando em reflexões prévias sobre o desenvolvimento e sobre a possibilidade de países retardatários criarem condições de superar seu atraso, corrigindo as falhas de mercado por meio de políticas ativas de industrialização.
Apesar de suas diferenças internas, os Developmental States possuíam em comum a orientação exportadora, os investimentos em capital humano e a intervenção estatal, diferenciando-se nos instrumentos utilizados, nos objetivos industriais e no contexto industrial dos países da América Latina, além de terem sido mais avessos ao capital externo (CUNHA, 2015).
A China, por seu turno, experienciou um tipo distinto de transformação.
Isso porque, desde a Revolução de 1949 e a conquista do poder político pelo Partido Comunista Chinês (PCC), o país se voltou para um modelo socialista com desenvolvimento marcado pelo planejamento central, que impunha metas de produção e de investimento às unidades industriais e um sistema de requerimento de gêneros alimentícios do setor rural (SAICH, 2001, NAUGHTON, 2006).
Já a partir de 1953, a atuação do governo era realizada por meio de Planos Quinquenais adaptados do modelo soviético. Os Planos foram os mecanismos básicos de planejamento do governo central, se encontrando em estágios mais atrasados de desenvolvimento, e definiram o funcionamento das fábricas, da agricultura e do comércio, desde o que produzir e quanto produzir, aos preços.
Eles dirigiram as relações entre Estado e empresas, em que o Estado controlava o mercado e a alocação de recursos, cabendo aos setores produtivos atingirem as metas estabelecidas (MIDDLESWORTH, 2013). Em suma, os Planos Quinquenais são ainda os guias da ação dos governos central e locais e do projeto nacional de sociedade (DELGADO, 2015a).
Recorde-se que na década de 1950, a China procurou o auxílio da URSS para a implantação de sua indústria automotiva, que passou a produzir modelos de origem soviética ou do leste europeu a partir de 1956. Posteriormente, Mao Tsé-Tung procurou industrializar o país através da criação de novas montadoras em cidades estratégicas como Xangai, Pequim e Nanquim, proibindo a importação de veículos (KABUTH, 2003, TANG, 2012).
Ora, a falta de capital era um dilema em todos os países em desenvolvimento. Para a China se apresentaram dois modelos:
Primeiro, a permissão da entrada das multinacionais, que instalaram subsidiárias e investiram na produção local, como no Brasil.
Segundo, a limitação da entrada das multinacionais, ao mesmo tempo em que o país comprava tecnologia externa e fomentava o desenvolvimento de campeões nacionais, como no Japão e na Coréia do Sul.
Com isso em perspectiva, a China utilizou uma clivagem. Por um vértice, o governo permitiu a entrada das multinacionais em joint ventures, pois o país necessitava de capital, tecnologia e experiência. Por outro, o governo se comprometeu com o desenvolvimento da indústria nacional (HEILMANN; SHIH, 2013). Concomitantemente, foi lançado o Quarto Plano Quinquenal (1971-1975), com foco na produção industrial e agrária (CHINA, 2015d).
Como aspectos negativos do período de Mao, foram apontados os que se seguem:
1. Negligência sobre o consumo e sobre o setor de serviços;
2. A baixa capacidade de geração de empregos, pois a grande maioria das indústrias era de capital intensivo;
3. O posicionamento do setor de serviços em um patamar inferior; e, por fim,
4. O tamanho e a complexidade das plantas industriais, que levavam anos, até mesmo décadas, para iniciar a produção, retendo o investimento.
Como pontos positivos, o governo investiu seriamente na saúde e educação básicas, de forma que o povo chinês estava muito mais educado e saudável em 1978 que em 1952 (NAUGHTON, 2006).
Cabe sublinhar que o setor automotivo chinês no catching up em seu período inicial, foi profundamente marcado pela aliança entre a China e a URSS. Em 1950, antes mesmo do lançamento do Primeiro Plano Quinquenal (1953-1957), representantes dos dois países se reuniram e assinaram o Tratado de Amizade, Aliança e Assistência Mútua Sino-Soviética.
Posteriormente, o tratado se traduziu no auxílio soviético em uma série de projetos conjuntos de engenharia – 649 projetos industriais, citados anteriormente – para a reconstrução da infraestrutura chinesa e que incluíam a instalação de uma fábrica de caminhões (FAW, 2016).
Com isso os dirigentes chineses confiaram que a instalação de um setor automotivo ajudaria, em primeiro lugar, na reativação da economia, através da geração de empregos e dos efeitos de encadeamento sobre outros setores.
Em segundo lugar, levaria à mecanização da agricultura, ampliando a sua produtividade para que o país fosse capaz de sustentar sua crescente população.
Por fim, o contexto o contexto internacional enfrentado pelo Japão, Coreia e Taiwan em seu desenvolvimento econômico diferiu, em muito, do chinês. Aqueles se beneficiaram do contexto da Guerra Fria, no sentido em que receberam auxílio extensivo e mercado aberto unilateralmente por parte dos EUA.
A China, por outro lado, se desenvolveu no contexto da Organização Mundial do Comércio (OMC), que garantiu certas concessões aos países em desenvolvimento, mas com presença de certos limites. Neste período já não mais interessava aos EUA o tipo de concessões dadas aos países do Leste Asiático no período anterior (THUN, 2006).
Planos quinquenais
O Plano Quinquenal para Desenvolvimento Econômico e Social Nacional, também conhecido como apenas Plano Quinquenal, visou e ainda visa organizar projetos estratégicos de infraestrutura, gerenciar a distribuição de força produtiva e contribuições de cada setor para a economia nacional, mapeando a direção para desenvolvimento futuro e estabelecendo metas (PUTHENKALAM, 2012).
Ele não é exatamente um plano único e coerente, nem contém exatamente as ações do período de cinco anos. Ao invés de uma planta estática de políticas, o Plano Quinquenal é na verdade um processo evolutivo de planejamento e elaboração de políticas. É uma instituição dinâmica para sistematicamente centralizar as informações, processá-las e analisá-las para suportar decisões políticas (MELTON, 2015), um primor de organização, coletividade e planejamento em ações de Estado.
Ressalte-se que China começou a implementar o modelo soviético de Planos Quinquenais em 1953 para alinhar os objetivos políticos e comunicar o direcionamento estratégico em toda a estrutura governamental. Os primeiros planos determinavam os comportamentos econômicos e sociais, mas a partir dos anos 1990 o plano foi estruturado como direcionamento geral para orientar os vários ministérios e governos locais a respeito das prioridades do governo central, mas ainda mantendo certa flexibilidade e autonomia local (KOLESKI, 2017).
O Plano visa organizar projetos estratégicos de infraestrutura, gerenciar a distribuição de força produtiva e contribuições de cada setor para a economia nacional, mapeando a direção para desenvolvimento futuro e estabelecendo metas.
Vejamos um resumo de cada Plano:
• 1º Plano (1953-1957): definiu os fundamentos da industrialização e agricultura socialista, inspirado na URSS; elaborou 156 projetos de construção industrial, ampliação da concorrência e foco construções industriais;
• 2º Plano (1958-1962): lucratividade e melhoria padrão de governança;
• 3º Plano (1966-1970): alimentos, qualidade, variedade e volume da produção, preparação para guerra;
• 4º Plano (1971-1975): aumento da taxa PIB e aumento da participação da indústria e agricultura; política do filho único para controle populacional;
• 5º Plano (1976-1980): foco em infraestrutura e commodities, aço, carvão, óleo, gás;
• 6º Plano (1981-1985): reforma, retificação e melhorias para o crescimento econômico;
• 7º Plano (1986-1990): melhoria da condição de vida da população e novo sistema econômico, sistema econômico socialista com características chinesas, crescimento econômico contínuo e estável;
• 8º Plano (1991-1995): aumento da produção de alimentos;
• 9º Plano (1996-2000): desenvolvimento tecnológico e cientifico;
• 10º Plano (2001-2005): aumento da urbanização, estrutura e meta de PIB de 7% a.a., novos empregos urbanos, controle da inflação, manutenção da balança de pagamentos, controle do nível de desenvolvimento regional;
• 11º Plano (2006-2010): aumento da produção rural, otimização da estrutura industrial, e foco ciência e educação;
• 12º Plano (2011-2015): inovação, educação C&T, educação de proteção ambiental, priorização do consumo interno e distribuição de riqueza entre as regiões;
• 13º Plano (2016-2020): estabelecimento de temas-chaves: crescimento equilibrado, inclusivo, sustentado e coordenado, com foco na inovação, investimento internacional, expansão industrial e comercial, Cinturão Econômico do Rio Yangtzé e crescimento verde;
• 14º Plano (2021-2025): Estabelece orientações estratégicas para o ciclo 2021 a 2025. O documento, estabelece foco em desenvolvimento econômico sustentável e de alta qualidade, inovação tecnológica e autossuficiência, transição verde e sustentabilidade ambiental, desenvolvimento regional equilibrado, melhoria do bem-estar social e qualidade de vida, reforma e abertura econômica, segurança nacional e resiliência e modernização do sistema de governança.
Há neste último, incentivo de inovações pioneiras, fortalecimento da pesquisa básica, P&D e meio ambiente, alocação racional de recursos científicos e tecnológicos, criação de grupo de laboratórios nacionais e centros científicos nacionais como Pequim, Zhanjiang em Xangai, área da Grande Baía e Hefei em Anhui, e apoiar a construção de centros regionais de inovação científica e tecnológica em locais onde as condições permitirem, mecanismos de monitoramento, avaliação e inspeção dos Planos Quinquenais.
Na perspectiva de inovação, a China almeja se tornar uma nação inovadora até 2020, líder internacional de inovação até 2030 e uma potência mundial de inovação científica e tecnológica até 2050.
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Reforçando os objetivos específicos de inovação, existem três principais: primeiro, aumentar investimento e participação na economia de P&D; segundo, aumentar a qualidade e volume das patentes chinesas e terceiro, aumentar a quantidade de profissionais com formação científica e trabalhando em P&D.
Em suma, uma liderança forte e visionária é um aspecto essencial da cultura chinesa para levar adiante o cumprimento dos objetivos e metas traçadas nos Planos Quinquenais, para isso, somado ao espírito confucionista de filosofia moral e organização, os líderes precisam ter uma visão holística da organização e agir estrategicamente conforme o contexto em que estão inseridos (VAN SOMEREN & VAN SOMEREN-WANG, 2013).
A China pelas dimensões culturais de Hofstede
Na perspectiva das dimensões culturais de Geert Hofstede, pesquisador holandês de estudos organizacionais e gestão, em seus estudos concluiu que a sociedade chinesa aceita as desigualdades (distância do poder), mantendo uma relação consideravelmente antagônica entre superior e subordinado. A liderança formal possui um papel de peso no estabelecimento de relações e influência.
Seguindo os pensamentos de Confúcio, a China possui uma visão de longo prazo, focada em trabalhar e sacrificar o presente para construir um futuro melhor. Alguns dos valores mais importantes para os chineses são a perseverança e a adaptação (PIRES, 2020).
Em relação a evitar a incerteza, a sociedade chinesa tem uma perspectiva mais pragmática, apresentando baixos níveis de aversão à incerteza e lidando bem com situações inexatas. Como esperado pelo contexto histórico-político, a cultura chinesa é amplamente coletivista, colocando o grupo acima do indivíduo. Nessa perspectiva, o chinês costuma se agrupar em pequenas sociedades que dependem do nível social e contexto de educação e trabalho, de modo que direciona frieza aos grupos externos ao seu próprio (PIRES, 2020).
Logo, a sociedade chinesa possui características mais masculinas, ou seja, são orientados a objetivos, persistentes e diretos. Os chineses são altamente adaptáveis e valorizam muito o trabalho e estudo como forma de obter sucesso. Por fim, a China possui uma cultura de restrição. Sendo assim, a sociedade valoriza a discrição, comedimento de desejos e emoções e não enfatiza a importância do lazer (PIRES, 2020).
Vale dizer que, na perspectiva chinesa, nem toda guerra vale a pena ser vencida, seguindo os ensinamentos de Confúcio, a prosperidade e a harmonia a longo prazo são fatores essenciais para uma organização. Por conseguinte, ações que prejudiquem o desenvolvimento sustentável apenas para ganhos no curto prazo são prejudiciais, daí nossa opinião de que os chineses jogam Go nas relações internacionais, promovendo presença em vácuos deixados pelos americanos, seja pela resistência ao imperialismo/capitalismo, seja pela estafa dos países ao jogo do duplo padrão e/ou da “agenda x narrativa”, com a rotina diplomática de descumprir acordos internacionais, às vezes recém assinados, enquanto os americanos jogam xadrez, com as velhas estratégias de cerco e xeque-mate.
Nessa ordem de ideias, os negócios chineses preferem focar na construção de valor e em relações duráveis a longo prazo, o que afeta a interpretação e a dinâmica do timing e da coerência dos ganhos financeiros das empresas (VAN SOMEREN & VAN SOMEREN-WANG, 2013).
Portanto, a China começou a implementar o modelo soviético de Planos Quinquenais em 1953 para alinhar os objetivos políticos e comunicar o direcionamento estratégico em toda a estrutura governamental. Os primeiros planos determinavam os comportamentos econômicos e sociais, mas a partir dos 90 o plano foi estruturado como um direcionamento geral para orientar os vários Ministérios e governos locais a respeito das prioridades do governo central, mas ainda mantendo certa flexibilidade e autonomia local (KOLESKI, 2017).
A rigor, vale ressaltar que, tanto a Volkswagen quanto a Ford e a General Motors foram aproveitadas nos esforços de guerra da Segunda Guerra Mundial na produção de equipamentos militares como jipes, bombardeiros B-24, etc., adaptando linhas de produção para construir aeronaves, motores, munições e material para a indústria aeronáutica.
Portanto, o setor automotivo revolucionou as formas de organização da produção industrial capitalista no século XX, sendo o automóvel um produto cuja fabricação não se limita ao total de seus componentes. Há toda uma cadeia de produção que parte da extração das matérias primas, como o ferro, o cobre e a borracha, necessários para a fabricação do automóvel, passando pela indústria siderúrgica, de pneus e autopeças, pela montagem dos componentes, até a montagem final. Por outro lado, há também toda uma cadeia de marketing, vendas, concessionárias, lojas, fabricantes de peças de reposição, P&D em componentes, peças, design, combustíveis e novas tecnologias, financiamento público e privado, além de políticas industriais e comerciais que afetam o setor, ou seja, é um setor com peso considerável na economia, que ainda incide sobre a geração de empregos, o PIB e o comércio doméstico e internacional.
Cadeia de suprimentos dos carros elétricos
Menor complexidade: a nova cadeia produtiva eletrificada apresenta componentes na montagem do veículo que antes não se faziam presentes, como o propulsor elétrico, o sistema de baterias e componentes, o sistema elétrico de potência e o sistema elétrico de carregamento.
Além disso, um carro elétrico apresenta uma complexidade menor de construção. Não requer sistemas de transmissão, frenagem e refrigeração sofisticados e dispendiosos. Também não tem sistema de injeção de combustível, de lubrificação do motor, de escapamento, motor de arranque, catalisador, etc. A cadeia de suprimentos vêm, portanto, sofrendo alterações representativas.
Sistema de bateria: representa 40% do valor do carro. Semicondutores, chips, lítio e íons de sódio são essenciais para a produção das baterias para veículos elétricos e os sistemas de comunicação e computador de bordo, bem como sensores.
Em arremate, esta nova cadeia de suprimentos depende tanto da Nova Rota da Seda, como de meios navais e aeroespaciais para defesa das Linhas de Comunicação Marítimas, seja no Mar do Sul da China, no Ártico ou no corredor Bangladesh, Paquistão e Indochina, como depende do domínio dos minérios e terras raras e energia para a indústria.
Guerra Econômica e Guerra de 5ª Geração
Como podemos observar dos conflitos atuais, o papel da tecnologia de ponta surge inevitavelmente da capacidade industrial de um país. Essa capacidade por sua vez advém de uma capacidade nacional instalada de indústria automobilística, que fornece mão de obra e maquinário como grandes prensas que podem ser direcionadas para produção de equipamentos militares; não mais da antiga indústria baseada em muitas peças de reposição, extensa cadeia de fornecedores mas da indústria automobilística elétrica, geradora de tecnologia microeletrônica, do domínio da produção e desenvolvimento dos materiais e minérios essenciais, como terra raras, para a área.
Em síntese, a Guerra de 5ª Geração é baseada, sobretudo, na arma de artilharia, que aumenta cada vez mais a distância, seja na estratégia A2/AD (anti-acesso e negação de área) seja para atingir o oponente em seu território, locais estratégicos, portos, aeródromos e navio-aeródromo, e isso para as três forças, inclusive com a criação de forças de mísseis pelos EUA, China e Rússia, para evitar perdas humanas e materiais em conflitos de alta intensidade, destacando-se os mísseis (hipersônicos, balístico e de cruzeiro) e sistemas espaciais (condução de operações espaciais, integração C4ISR, satélites e sistemas de vigilância e alerta antecipado, comunicação, navegação, orientação e guiagem), promovendo segurança espacial e projeção de poder de combate.
Todavia, para esse mister, há a necessidade de fluxo de materiais para a cadeia de suprimentos que são exatamente ligados à Nova Rota da Seda (Belt and Road Project) e ao domínio de minerais estratégicos e terras raras como lítio, sódio, silício para produção de baterias, sensores, microchips etc., essenciais tanto para veículos elétricos civis, em tempos de paz, quanto para a indústria militar, notadamente em casos de guerra.
Este parece ser realmente o ponto de contato da guerra econômica China-EUA: controle das Rotas Marítimas, da influência geopolítica e da dependência dos veículos elétricos, especialmente diante dos novos desafios no campo das energias alternativas, seja em nível mundial, seja nas necessidades prementes de controle ambiental e saúde coletiva da China.
Note-se que no discurso de posse do novo presidente americano, em 20 de janeiro de 2025, e mesmo durantes os dias que se seguiram, houve uma forte crítica e ameaça ao Canal do Panamá e à Groelândia, exatamente dois pontos de fluxo comercial chinês, país que hoje sem dúvida lidera a quantidade de frota naval e marítima do mundo e detém o maior comércio mundial de todos os tempos.
Perspectivas geopolíticas, lições para o Brasil e considerações finais
Com base no exposto até aqui, podemos concluir nossa reflexão em face da análise dos fatos atuais do discurso de posse do novo presidente americano e ao longo do grande ciclo de Planos Quinquenais e afirmar que os chineses parecem jogar Go (Geopolítica de Smart Power, jogo tático de cerco, ações simultâneas e capturas de áreas vazias e das bordas), enquanto os americanos parecem jogam xadrez (Política do porrete Big Stick, jogo estratégico da busca por xeque-mates), na medida em que os Chineses se aproveitaram tanto do vácuo de poder americano, quanto de suas contradições políticas (duplos padrões) e suas aventuras militares da busca por desestabilização, controle político, econômico e financeiro e do longo processo de descolonização e resistência ao imperialismo que teve início na África, Ásia, Oriente Médio e América Latina.
O professor Lejeune Mirhan, em seu livro Lênin para principiantes, no capítulo sobre o imperialismo como etapa superior do capitalismo (pág. 116) nos ajuda a compreender que a evolução da análise do capitalismo de Marx passou pelas fases concorrencial e monopolista para um capitalismo financeiro (burguesia financeira), com a busca do monopólio e internacionalização das relações econômicas, ou seja, nos anos 1960 os cartéis eram do petróleo, hoje são das Big Techs e o capital financeiro, hoje ameaçados pelo fim das transações em dólar dos BRICS e baseado nas falas do novo presidente americano, o desespero por petróleo e o reconhecimento do desprestígio com o lema Make American Great Again, escancarando todas as vulnerabilidades em seu discurso.
Como se diz na Arte da Guerra: “se seu inimigo comete erros, não o atrapalhe” e o lema central: “vença o oponente usando a estratégia dele contra ele.”
De mais a mais, a perspectiva geopolítica se circunscreve à cadeia de abastecimento da indústria automobilística chinesa baseada no silício, lítio e sódio, fundamental para o escoamento da exportação e importação e sua necessária priorização de meios militares (navais e aeroespaciais) para proteção das Linhas de Comunicação Marítimas da Nova Rota da Seda, que tem uso dual.
Face a um eventual conflito militar, a China mantém preparadas e em prontidão operacional suas bases para um eventual esforço de guerra/hipótese de emprego, já que além das consequências econômicas e sociais da indústria automobilística, podem ser redirecionadas para a descentralização da produção de armamentos e sistemas de armas de uso militar, notadamente com seu elevado teor tecnológico.
Em arremate: a reflexão inicial sobre as lições para nossa soberania industrial, tecnológica e militar são óbvias e devem ser direcionadas pela sociedade e sua elite intelectual nacionalista às autoridade políticas e militares: tais políticas de Estado, se adotadas desde os primórdios da indústria automobilística, garantiriam hoje a soberania nacional e a base industrial de defesa, gerariam continuamente várias gerações emprego e renda e se alinhariam às novas tecnologias empregadas nas Guerras de 5ª Geração, possuindo uso dual em tempos de paz.
*Carlos A. Klomfahs é advogado, especialista em Direito Internacional dos Conflitos Armados, egresso curso de geopolítica da ECEME e estratégia marítima da Escola de Guerra Naval. É mestrando na Escola Superior de Guerra.
Referências bibliográficas
As obras citadas foram diretamente consultadas.
VASCONCELLOS, Luis Henrique Rigato. Carros elétricos e a nova cadeia de suprimentos. Blog/Impacto, FGV EAESP. Disponível em: https://www.impacto.blog.br/colunas/carros-eletricos-e-a-nova-cadeia-de-suprimentos/.
China pede às montadoras que utilizem até 25% de chips locais até 2025. O Cafezinho. Disponível em: https://www.ocafezinho.com/2024/05/27/china-pede-as-montadoras-que-utilizem-ate-25-de-chips-locais-ate-2025/.
VIANINI, Fernando Marcus Nascimento. Planejando a ultrapassagem: políticas industriais e setor automotivo no Brasil e na China. Tese de pós graduação em História, Instituto de Ciências Humanas da Universidade Federal de Juiz de Fora. Disponível em: https://www2.ufjf.br/ppghistoria//files/2019/12/Fernando-Vianini-Planejando-a-Ultrapassagem-Tese-1.pdf.
BUENO, Liz Carestiato. Planejamento Quinquenal Chinês e sua efetividade: uma análise sob a perspectiva do modelo da escola do design. Trabalho de Conclusão de Curso de graduação em Administração. Departamento de Administração da Faculdade de Administração e Ciências Contábeis da Universidade Federal Fluminense. Disponível em: https://app.uff.br/riuff/bitstream/handle/1/32688/TCC_Liz_Bueno%20%281%29.pdf?sequence=1&isAllowed=y.