Guerra na Ucrânia: quem quer substituir Zelensky? Ou já é tarde?

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Volodymyr Zelensky (Diplomacia Business/Wikimedia Commons).

Volodymyr Zelensky (Diplomacia Business/Wikimedia Commons).

Moscou e Kiev avaliaram mal o envolvimento da OTAN no conflito, enquanto a Aliança superestimou seu apoio à Ucrânia; tudo isso contribuiu para prolongar a guerra.


Após a viagem do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, aos Estados Unidos, vários analistas (e nós) vemos sinais crescentes de que o Ocidente está pressionando Kiev para fazer maiores concessões à Rússia. Quanto à situação em Donbass: Uma brigada ucraniana poderia ser cercada em Vuhledar. Pokrovsk está ameaçada de destruição. A ofensiva de verão russa atingiu seu clímax.

Desde o início desta coluna, em fevereiro de 2022, sempre recorremos ao filósofo da guerra, Clausewitz, como “referencial teórico”: “A maravilhosa trindade é a imagem da dimensão interna das comunidades que fazem guerras. É uma imagem que representa as tensões e relações em uma visão pluralista do Estado. É percebido na realidade, é imaginado e a partir daí é elevado a conceito. Distingue os personagens de cada uma das partes: povo, líder militar e líder político.

A confluência de ódio, paixão, inimizade e violência primitiva de sua essência como impulso natural cego corresponde ao povo. O jogo de azar e probabilidades pertence ao líder militar, que remete ao talento e ao valor da atividade livre da alma. O entendimento que determina a guerra como instrumento político subordinado pertence ao líder político.

As sociedades atravessadas por tantas guerras, como a ucraniana e a russa, exigem diálogo, encontro e reconciliação. Exigem líderes sábios e prudentes. Não há dúvida de que com a guerra na Ucrânia, do ponto de vista estratégico, estamos perante um fato histórico.

Algo está mudando atualmente?

Desde a contínua escalada verbal, com ameaças e insultos, até a tentativa de baixar o tom, hoje, Joe Biden dá a impressão de querer recalibrar a estratégia dos EUA em relação à Rússia. Se, até há poucos meses, o presidente americano lançou diatribes contra seu homólogo russo, Vladimir Putin, chamando-o de “açougueiro” ou ditador com dias contados, agora a Casa Branca provavelmente percebeu que continuar nesse caminho poderia ser contraproducente. “Ao líder político pertence a compreensão”, voltando a Clausewitz.

Os líderes políticos de ambos os lados estarão certamente expostos a futuros constrangimentos que surgirão nas negociações, quando a OTAN se encontrar e precisar acabar com a guerra na Ucrânia, enfrentando um líder que foi denegrido e insultado em diversas ocasiões.

Há uma possibilidade muito visível de que, depois das eleições nos Estados Unidos, se chegue a algum tipo de negociação.

Os tons triunfalistas anunciados nos últimos meses já não correspondem à realidade e, por isso, Biden começa a perder a paciência com seus colaboradores mais próximos. Que, como se nada tivesse acontecido, continuam falando de vitórias, se não improváveis, então muito difíceis de obter no campo de batalha (ao menos nas condições atuais). A inteligência russa diz que os Estados Unidos querem substituir o presidente ucraniano Zelensky por uma figura mais controlável.

De fato, há poucos dias no The Economist (o semanário globalista que transmite as diretivas do estado profundo aos europeus), apareceu um artigo que poderia ter sido escrito por um analista que poderia ser chamado de pró-Rússia.

Com o título: “A guerra vai mal. A Ucrânia e os seus aliados devem mudar de rumo, é hora de ter objetivos de guerra críveis e aderir à OTAN”, diz o periódico americano em 26 de setembro de 2024: “Se a Ucrânia e seus aliados ocidentais querem vencer, devem primeiro ter a coragem de admitir que estão perdendo. Nos últimos dois anos, a Rússia e a Ucrânia travaram uma guerra de desgaste dispendiosa, que é insustentável. Quando Volodymyr Zelensky viajou aos Estados Unidos para se encontrar com o presidente Joe Biden esta semana, trouxe consigo um ‘plano para a vitória’, que se esperava conter um novo apelo por armas e dinheiro. Na verdade, a Ucrânia precisa de algo muito mais ambicioso: uma mudança urgente de rumo. Um indicador do declínio da Ucrânia é o avanço da Rússia no leste, especialmente em torno da cidade de Pokrovsk. Até agora, é lento e caro. Segundo estimativas recentes, as perdas russas ascendem a cerca de 1.200 mortos e feridos por dia, além do total de 500.000. Mas a Ucrânia, com um quinto da população da Rússia, também está sofrendo. Suas linhas poderão ruir antes que o esforço de guerra da Rússia se esgote.


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Além da imagem muito sugestiva que acompanha o artigo (anexo no The Economist), mostra um Zelensky de saída.

Se Volodymyr Zelensky continuar a desafiar a realidade, alegando que os militares ucranianos podem recuperar todo o território roubado pela Rússia desde 2014, ele alienará seus apoiadores e dividirá ainda mais a sociedade ucraniana. É hora de uma nova abordagem honesta.

Negociação

No campo diplomático, as conversas, ou negociações, são travadas voluntária ou involuntariamente pelas partes. Estamos diante de duas formas diametralmente opostas de conceber a negociação. Do ponto de vista americano, na prática o mesmo adotado por Zelensky, a guerra e a paz constituem duas fases distintas da guerra: quando as negociações começam, a aplicação da força deve deixar de dar lugar à diplomacia.

De acordo com esta visão, bem resumida por Henry Kissinger em seu fundamental livro Ordem Mundial, a força é necessária para produzir negociações, portanto deve permanecer à margem. E, mais ainda, reafirmou-o em sua última aparição em Davos, e ousou dizer o que era “politicamente incorreto”, o ex-secretário de Estado sustentou que a Ucrânia vai ter que fazer concessões territoriais para alcançar a paz.

Dura realidade

Evidentemente, alguns círculos americanos começam a temer que seu instrumento em Kiev os arraste diretamente para uma terceira guerra mundial, mas desta vez atômica. Mas talvez seja tarde demais: Zelensky é como Biden e pode contar com o conhecido lobby das armas.

Ambos os participantes diretos se subestimaram em graus variados. Moscou não esperava que Kiev militarizasse as áreas residenciais, muito menos na escala em que o fez, forçando o presidente Putin (que escreveu extensivamente sobre seus sentimentos semelhantes em relação aos ucranianos no seu artigo de julho de 2021 intitulado Sobre a unidade histórica de Russos e Ucranianos) para priorizar o combate rua por rua para remover as forças ucranianas dessas áreas, em vez de simplesmente bombardeá-las sem se preocupar com baixas.

Da perspectiva de Kiev e seus parceiros da OTAN, não esperavam que a economia russa – tanto a atual como a militar – tivesse a resiliência que demonstrou frente às sanções ocidentais sem precedentes lideradas pelos Estados Unidos. Todos os relatórios anteriores de que a Rússia estava “ficando sem munições e mão-de-obra” foram desmentidos pelo seu progresso contínuo, lento mas constante ao longo dos últimos cinco meses. Também não levaram suficientemente a sério o casus belli da segurança nacional da Rússia, razão pela qual está tão empenhada no conflito.

Ambos os participantes diretos também subestimaram o envolvimento da OTAN no conflito, embora de formas opostas. A Rússia não parece ter esperado que aumentassem seus envios de armas a ponto de criar uma guerra indireta literal e duradoura (guerra por procuração), enquanto Kiev não previu quanto tempo levaria para obter as armas pesadas que tem solicitado por meses. Quanto à OTAN, parece ter superestimado a unanimidade do seu apoio à Ucrânia, uma vez que estão surgindo divisões graves dentro do bloco. Estas três subestimações contribuíram para prolongar o conflito.

Em conclusão, a recente visita de Zelensky aos Estados Unidos e seu encontro com Trump destacam a incerteza política que caracteriza o futuro das relações entre a Ucrânia e os Estados Unidos. Embora, por um lado, Biden continue a apoiar Kiev, a figura de Trump representa uma alternativa ambígua, que poderá mudar radicalmente a abordagem americana à guerra na Ucrânia. Este cenário abre caminho para uma série de possíveis acontecimentos diplomáticos e militares, que poderão redefinir não só o futuro do conflito, mas também o equilíbrio geopolítico global.

No final deste artigo, o mundo sabe da escalada do conflito no Oriente Médio. Como escreveu o cientista político Ian Bremmer no X, “Com o desejo de restabelecer uma dissuasão mínima, atacando Tel Aviv, o Irã lembrou-nos que a paciência estratégica se esgotou. E os destino futuro do Oriente Médio é cada vez mais incerto na guerra aparentemente interminável que o consome.

Estamos no meio de uma guerra mundial em partes, sem restrições e com riscos de escalada.


Publicado no La Prensa.

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