A paz na Palestina só será alcançada por meio da racionalidade e da renúncia ao extremismo por ambas as partes.
Em um sábado, dia 7 de outubro, Israel sofreu um violento ataque do grupo terrorista Hamas. O ataque se insere em um conflito relativo à formação do Estado de Israel e dos territórios destinados ao povo palestino para assentamento de sua nação, o qual remonta aos templos bíblicos e persiste até os dias atuais.
Retomando a história da região em mais de 3.000 anos, vamos encontrar a ocupação de parte do território, onde hoje fica a faixa de Gaza, pelos egípcios, babilônicos, persas, filisteus e muçulmanos, além é claro da porção ocupada por Israel, desde o ajuntamento das 12 tribos para a formação do denominado Reino Unido de Israel, onde reinaram Saul, Davi e Salomão. Nos séculos seguintes, dividiram-se os reinos de Israel e Judá interrompidos por diferentes períodos de invasões estrangeiras, como a dos babilônicos, persas e gregos.
A história do povo de Israel começa a mudar com a conquista de Jerusalém pelos romanos no ano de 63 a.C e a destruição do templo de Herodes no ano 70 d.C, com o domínio de toda a região. No ano 135 d.C, o imperador Adriano rebatizou Jerusalém com o nome de Élia Capitolina e a Judeia, de Filistina, uma homenagem ao extinto povo filisteu como forma de humilhar o povo judeu. Também proibiu diversas práticas da religião judaica e, por fim, expulsou a maior parte do povo judeu, dando início à Diáspora. Houve também a rebelião de Bar Kochba (132 a 136 d.C), que terminou, mais uma vez, com vitória romana. Centenas de milhares de judeus foram mortos e outros tantos foram expulsos e exilados, passando, assim, a ser minoria étnica em Israel.
Em 638 d.C, o Império Árabe-Muçulmano, originário da península arábica, conquistou toda a região, ali formando um grande califado. Com isso, a imigração árabe para a região dominada pelo império muçulmano se intensificou, perdurando por séculos. Os árabes que viviam naquela porção de terra passaram a adotar o nome da região, ou seja, os árabes que viviam na palestina, os árabes-palestinos, hoje são conhecidos como palestinos.
Nos séculos seguintes, o poder foi passando de mão em mão: cruzados e otomanos – todos proibindo o retorno dos judeus. Diante disso, o povo judeu se espalhou por várias nações do mundo. Em 1917, com a queda do Império Turco-Otomano, a Inglaterra passou a controlar a região, sendo que em 1921 a dividiu em duas partes.
No contexto da Primeira Guerra Mundial, o governo da Inglaterra, liderado pelo primeiro-ministro Lloyd George, divulgou uma declaração endereçada a Lord Rothschild, líder do movimento sionista inglês, com o nome de Balfour, em referência a Arthur James Balfour, secretário de Relações Exteriores, comprometendo-se a apoiar o estabelecimento na Palestina de um lar nacional para o povo judeu, desde que ficassem resguardados os direitos civis e religiosos das comunidades locais não judaicas. Tal declaração ganhou ainda mais relevância, deixando de ser uma mera promessa para ganhar força legal, quando seu texto foi incorporado no Sistema de Mandados sancionado pela Liga das Nações, em 1919. Ocorre que, a mesma promessa foi feita aos árabes, pois França e Inglaterra faziam jogo duplo. Negociavam com os árabes o domínio sobre o território, em troca de os mesmos se rebelarem e enfrentarem os turco-otomanos, que dominavam toda a vasta extensão da chamada Palestina. Ao mesmo tempo, prometiam a tão sonhada terra prometida para os judeus. A Turquia era aliada da Alemanha e do Império Austro-Húngaro contra a Tríplice Entente, formada por Inglaterra, França e Rússia (e depois Estados Unidos em seu lugar). Dos árabes que estavam sob domínio turco, queriam estimular rebeliões e guerrilhas para enfraquecer o inimigo. Dos judeus, que a comunidade judaica norte-americana pressionasse Woodrow Wilson a entrar na guerra. Típico jogo duplo de manipulação das velhas potências europeias colonialistas. Na verdade, ingleses e franceses não queriam verdadeiramente ceder nada, conforme revelou mais tarde o acordo Sykes-Picot.
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Em 1946, depois da independência, se transformou no que hoje em dia é chamado de Jordânia. Em 1947, depois da retirada residual das tropas inglesas, o resto da região foi para o controle da ONU. Observadores da ONU criam o chamado plano de partilha de 1947 (UN Partition Plan), onde seria criado um estado árabe e um judaico, sendo que Jerusalém e os arredores ficariam sob controle da própria ONU. O plano foi levado à votação na Assembleia-Geral em 29 de novembro de 1947, e com a ajuda do brasileiro Oswaldo Aranha, foi aprovado por 33 votos (13 votos contrários à partilha, dez abstenções e uma ausência).
É de fundamental importância salientarmos que até uma semana antes da Assembleia-Geral, a comunidade internacional estava dividida e não havia indícios de uma fácil tomada de decisão. O grupo contrário á partilha, liderado por delegados da Arábia Saudita, Síria, Iraque, Líbano e Egito parecia ser majoritário. Do outro lado, contudo, figuras emblemáticas como as de Nahum Goldmann (destacado líder do movimento sionista), Abba Eban (oficial de ligação com o Comitê Especial das Nações Unidas para a Palestina) e David Ben-Gurion (futuro primeiro chefe de governo do Estado de Israel) arregimentavam apoios para a causa judaica. Primeiramente marcado para o dia 26 de novembro de 1947, o pleito foi reagendado para o dia 29 por receio de uma votação apertada e de aumento da divisão interna entre os delegados. Nesses dias de adiamento, Oswaldo Aranha se tornou personagem decisivo. Sendo presidente da Assembleia, com os dias extras conquistados, trabalhou fortemente para reverter alguns votos até então contrários à partilha, tais como o da França, Libéria, Haiti e Filipinas, trazendo maior tranquilidade para a votação com maiores chances de criação a um Estado soberano para Israel.
Diante do resultado final, a liderança judaica aceitou a Resolução 181 da ONU, responsável por dar 55% do território aos judeus e 45% aos árabes, e declarou a independência do Estado de Israel. Contudo, a liderança árabe-palestina e todos os países árabes vizinhos não aceitaram e declararam guerra contra o recém-criado Estado, gerando a guerra de independência.
Com a guerra de independência, iniciada em 1948, um dia após a criação de Israel e encerrada em 1949, este acrescentou territórios, como Jerusalém ocidental, e grande parte do território dos árabes palestinos foram conquistados pela Jordânia e Egito. Em 1967, na Guerra dos Seis Dias, Israel triplicou seu território, conquistando as Colinas do Golã, Jerusalém Oriental, Cisjordânia, a Faixa de Gaza e toda a península do Sinai. Os conflitos continuaram em 1973, com a Guerra do Yom Kippur, saindo Israel novamente vitorioso.
Diante dos conflitos intermináveis, Israel desenvolveu o programa Terra por Paz, por meio do qual seriam entregues aos árabes porções de terra em troca de paz. Em 1979, o primeiro país a aceitar o acordo foi o Egito, recebendo de volta toda a península do Sinai, rejeitando, porém, receber a Faixa de Gaza. O acordo subsequente se deu em 1993 (Acordo de Oslo) com a Autoridade Nacional Palestina (ANP), pelo qual Israel entregou parte da Cisjordânia e a maior parte da Faixa de Gaza, criando-se a Autoridade Palestina, que é o grupo de poder que deveria governar essas regiões. Trata-se de uma região autoadministrada, com seus próprios impostos, polícia, sistema de saúde, dentre outros. Desse modo, o objetivo do Acordo de Oslo era legitimar uma autoridade constituída que continuasse as tratativas de paz até que um Estado palestino soberano fosse criado.
Visando a avançar nos acordos de paz, em 2005, Israel decidiu retirar-se unilateralmente de Gaza, entregando todo o território para a Autoridade Palestina. Todavia, o plano teve efeito contrário, visto que o Hamas, em 2007, assumiu o poder da ANP. Assim, atualmente existem duas Palestinas, uma na Faixa de Gaza controlada pelo Hamas e outra dentro da Cisjordânia controlada pela ANP e pelo partido Fatah.
Israel e a ANP tem acordos diplomáticos de cooperação econômica, civil e militar, ressaltando-se que a ANP não tem envolvimento na atual guerra entre o Hamas e Israel. Recentemente, Mahmoud Abbas (também conhecido como Abu Maza), declarou que os atos terroristas do Hamas não representam o povo palestino. Diante dessa situação, devemos ter em mente que a guerra ocorre somente em uma das regiões palestinas (Faixa de Gaza) contra o grupo terrorista Hamas, e não contra a maioria do povo palestino e sua autoridade nacional constituída.
Como dito anteriormente, no último dia 7 foi perpetrado um dos maiores atentados terroristas da história, o maior desde 11 de setembro de 2001 (EUA), no qual cerca de 1.400 pessoas foram mortas e outras 230 sequestradas pelo Hamas. O ato está sendo considerado o maior massacre de judeus desde o Holocausto. A guerra declarada não é contra a Palestina, os árabes, contra a Faixa de Gaza ou contra a ANP. O confronto é contra o grupo terrorista Hamas, que usa os palestinos como escudos humanos.
Evidentemente que o Hamas não luta pelo bem do povo palestino. Pelo contrário, eles são os maiores causadores do sofrimento na Faixa de Gaza e um grande empecilho no desenvolvimento de acordos de paz. O Hamas não luta pela criação de um estado soberano palestino, mas pela destruição do estado de Israel, o que é inadmissível.
Israel, por outro lado, deve fixar como objetivos operacionais não apenas a eliminação do Hamas, tarefa quase impossível por se tratar de uma ideia, não de um grupo, construída a partir quase um século de ódio e ressentimentos. Neutralizar os terroristas não basta, pois se Israel não estabelecer um governo moderado, renunciando aos planos expansionistas da sua ultradireita conservadora para celebrar uma paz calcada na racionalidade e na retirada da Cisjordânia, a região continuará sendo eternamente palco desse círculo vicioso, no qual as populações pacíficas de Israel e da Palestina continuarão sendo as maiores vítimas. Mesmo em proporções bem distintas, as mortes de crianças e mulheres palestinas e israelenses e todas as vítimas inocentes continuarão a sofrer pela criminosa omissão das potências e de todos aqueles que podem agir para resolver o conflito que parece insolúvel.
Publicado no Consultor Jurídico.