Por Andrew Cockburn*
A glamorosa apresentação do novo bombardeiro de última geração da Northrop Grumman esconde uma esteira de decepções industriais militares.
Consistente com a tendência atual de apresentar a defesa como arte performática, a revelação do novo bombardeiro Northrop Grumman B-21 “Raider” na fábrica da Northrop em Palmdale, em 2 de dezembro, foi projetada com o cuidado e os valores de produção de um comercial do Superbowl. A luz de fundo azul, a música grandiloquente (One Day, de Caleb Etheridge), a brilhante capa tirada da aeronave parcialmente escondida por figuras sombrias, o sobrevoo dos bombardeiros que o B-21 supostamente substituirá, foram o espetáculo militar-industrial em seu melhor, embora não dando sequer uma centelha de informação valiosa sobre o avião.
Apropriadamente, seu principal argumento de venda, de acordo com seus promotores, é a “furtividade” –a suposta capacidade de permanecer invisível ao radar e outros sensores. Dado que os sistemas anteriores anunciados como sendo camuflados do escrutínio do radar, como os caças F-22 e F-35, acabaram sendo visíveis, especialmente para sistemas de radar de baixa frequência com décadas de idade, as perspectivas não são esperançosas. Sabemos, no entanto, que ele possui a característica stealth mais importante de todas: a invisibilidade para os pagadores de imposto americanos.
Engenharia política nunca foi um segredo
Por muitos anos, a Força Aérea dos EUA se recusou a divulgar o custo do B-21, alegando que o valor era classificado com base no fato de que os inimigos descobririam segredos valiosos se soubessem o quanto isso seria um golpe no bolso dos contribuintes.
Agora, graças a Tony Capaccio, da Bloomberg, sabemos que a estimativa oficial do custo projetado para desenvolver, produzir e operar 100 unidades do B-21 por trinta anos é de US$ 203 bilhões. No entanto, quando a USAF dizia que os pagadores de impostos não tinham o direito de saber exatamente o que estavam pagando, ela divulgou o fato mais importante de todos: as grandes corporações – Pratt & Whitney, BAE Systems, Orbital ATK e outras – que seriam as principais subcontratadas no programa liderado pela Northrop. Por absolutamente nenhuma coincidência, estas acabaram por ser localizadas em distritos e estados congressionais representados por importantes figuras em importantes comitês de defesa no congresso dos EUA.
Isso é conhecido como “engenharia política”, na qual os programas de defesa se tornam politicamente invulneráveis ao cancelamento ou aos déficits de financiamento, graças ao tempero de importantes constituintes com ricos contratos. Descaradamente, a Força Aérea americana anunciou na época que estava revelando os principais contratados do bombardeiro “em um sinal de transparência para ganhar a confiança do público”.
Os mais novos bombardeiros nucleares já foram aplaudidos
Dado o fiasco do F-35 (vários anos de atraso, acima do orçamento, atormentado por falhas e etc.), a Força Aérea americana possivelmente conta com pouca confiança do público no momento, e provavelmente por isso permitiu a extravagância digna de um comercial de TV de Palmdale, incluindo aparições dos bombardeiros atualmente em serviço, o B-52, o B-1 e o B-2. Apesar da idade avançada, o B-52 sobreviverá ao B-1 e ao B-2, permanecendo em serviço até 2060. Os dois últimos talvez cheguem à aposentadoria, prevista para 2030, enquanto alguns ainda estarão aptos a voar.
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Mas as perspectivas disso não são esperançosas. Mesmo em 2019, dos 104 B-1 construídos na década de 1980, apenas sete permaneciam totalmente aptos para realizar missões. O B-2, como o B-21, foi projetado para ser uma força de 100 aeronaves. À medida que os custos aumentavam, esse número diminuía (uma característica inevitável de todos esses ambiciosos programas de alta tecnologia) e, no final, apenas vinte e um foram construídos. Dois caíram. Não está claro quantos ainda são capazes de voar, mas um recente “elephant walk” na base de Whiteman, no Missouri (base dos B-2), apresentava apenas oito aviões.
Está tudo nos dados (desatualizados)
Alguns indelicados comentaristas especializados sugeriram que o B-21 poderia ser mais apropriadamente apelidado de “B-2.1” ou “B-2B”, dada a sua semelhança essencial com seu (supostamente) irmão furtivo. A forma não indica nenhuma mudança radical no design furtivo. Seu revestimento absorvente de radar pode incorporar algum avanço tecnológico, embora, se assim fosse, isso certamente também teria sido aplicado ao F-35, coisa de que não há sinal.
“A maneira como ele opera internamente é extremamente avançada em comparação com o B-2”, afirmou Kathy Warden, CEO da Northrop, na cerimônia, “porque a tecnologia evoluiu tanto em termos de capacidade de computação que agora podemos incorporar no software do B-21.” O software é hoje a principal novidade dos novos sistemas de defesa, pelo menos no alarde dos seus promotores. Warden provavelmente se referiu à propriedades de computação que fundem dados de uma ampla gama de fontes, que permitirão ao bombardeiro se desviar das defesas aéreas inimigas de maneira furtiva.
Essa abordagem depende totalmente de as entradas de dados estarem atualizadas a cada hora, se não a cada minuto. Mas tais “carregamentos de dados de missão”, que abrangem vastos arquivos de mapas, sinais eletrônicos, informações sobre ameaças de mísseis, juntamente com dados sobre sistemas amigos na área relevante de operações, são atualmente produzidos em apenas um único lugar: o Laboratório de Reprogramação dos Estados Unidos, uma pequena instalação na Base Aérea de Eglin, na Flórida. Surpreendentemente, leva até seis meses para atualizar a carga de dados para apenas uma região do mundo, quando quase certamente já estará desatualizada.
Qual é a utilidade disso?
Mesmo supondo que o B-21 fosse produzido na quantidade, com o custo e com as capacidades anunciadas – tudo extremamente improvável – ainda seria um empreendimento totalmente inútil. A palavra “dissuasão” foi muito comentada na cerimônia, essencialmente a mesma desgastada desculpa usada para manter uma força de bombardeiros nucleares de longo alcance lançada pela Força Aérea desde que o primeiro míssil nuclear entrou em serviço.
O B-2 foi enviado para bombardear a Líbia, a Sérvia (onde atingiu a embaixada chinesa), o Afeganistão e um acampamento do ISIS na Síria, alvos fáceis que dificilmente justificavam o preço de US$ 929 milhões por avião. O B-21 certamente também não terá função útil, a menos que contemos o desaparecimento furtivo de US$ 203 bilhões (no mínimo) do dinheiro dos pagadores de impostos americanos. Esse manto permanecerá a menos e até que os contribuintes se revoltem e desvendem o que realmente está acontecendo.
Publicado no Spoils of War.
*Andrew Cockburn, jornalista britânico, vive em Washington, capital dos EUA. Depois de iniciar sua carreira escrevendo sobre o poder militar dos EUA e da URSS, após o colapso da União Soviética ele passou a cobrir o Oriente Médio. Autor de diversos livros, filmes e documentários sobre defesa e segurança, ele já escreveu para a National Geographic, para o Los Angeles Times e para o The New York Times, entre outros veículos. Atualmente é editor da Harper’s Magazine em Washington.