Um perfil de Qassem Suleimani, a “Eminência Parda” do Irã

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Por Albert Caballé Marimón*

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O major-general Qassem Suleimani participa de numa cerimônia religiosa em Teerã em março de 2015 (Foto: Persian Letters/Radio Free Europe).

“A Nação Iraniana passou por muitos eventos difíceis. Você pode começar uma guerra, mas somos nós que acabaremos com ela. Então pare de nos ameaçar. Estamos prontos para enfrentar você.”


Esta declaração de Qassem Suleimani, de julho de 2018, foi dada em resposta a um tweet do presidente dos EUA, Donald Trump, em que alertou o Irã para “consequências que poucos ao longo da história já sofreram antes”.

Suleimani não era dado a bravatas. Na verdade, era um homem bastante discreto. Nascido na pobreza da aldeia de Qanat-e Malek, no condado de Rabor, na província de Kerman, nas montanhas do leste do Irã, em 11 de março de 1957, desde muito jovem mostrou tenacidade. Aos treze anos de idade, quando seu pai não conseguiu pagar uma dívida com o governo, Suleimani trabalhou na construção civil para paga-la.

Em 1975, ele começou a trabalhar para a companhia de água de Kerman. Quando não estava no trabalho, matava seu tempo se exercitando numa academia e assistindo aos sermões de Hojjat Kamyab, um pregador protegido do atual líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei.

Após a Revolução Iraniana que derrubou o Xá Reza Pahlevi e levou o Aiatolá Khomeini ao poder em 1979, Suleimani entrou para o Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica (IRGC, Islamic Revolution Guard Corps). Supostamente seu treinamento militar teria sido mínimo, mas rapidamente ele progrediu.

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Em 1980, quando Saddam Hussein invadiu o Irã, iniciando a Guerra Irã-Iraque, Suleimani serviu como líder de uma companhia composta por homens de Kerman, que ele mesmo formou e treinou. Começou a ganhar reputação por bravura e a galgar posições devido a seu papel nas bem sucedidas operações de retomada dos territórios ocupados pelo Iraque, tornando-se comandante da 41ª Divisão Sarallah muito jovem, ainda na casa dos vinte anos.

Depois da guerra, na década de 1990, ele comandou o IRGC em Kerman, sua província natal. A região, próxima ao Afeganistão, é suscetível a corrupção por estar na rota do tráfico de ópio para a Turquia e Europa, e Suleimani fez fama combatendo traficantes ao longo da fronteira.

Em 1998 ele foi nomeado chefe da Força Quds, unidade do IRGC responsável por atividades de guerra e inteligência não convencionais e operações extraterritoriais; a Quds já foi definida por alguns como um misto de CIA e forças especiais. Suleimani a transformou em uma organização de grande alcance, com ramificações nas áreas de inteligência, finanças, política, sabotagem e operações especiais. Estima-se tenha entre dez e vinte mil membros, escolhidos por sua habilidade e lealdade à Revolução Islâmica. De acordo com o jornal israelense Israel Hayom, após um período de treinamento em Shiraz, Teerã e Qom, seus membros são enviados ao Afeganistão e ao Iraque por alguns meses para ganhar experiência em operações de campo.


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Qassem Suleimani, no centro, participa de uma reunião com o líder supremo Ali Khamenei e comandantes da Guarda Revolucionária em Teerã, Irã, em 2017 (Foto: Associated Press).

Suleimani comandava a Quds até hoje, e era visto no Irã como um herói de guerra. No entanto, em público ele era extremamente modesto. Seu poder vinha, em grande parte, de uma relação muito próxima com Ali Khamenei, o Líder Supremo, que já se referiu a Suleimani como “um mártir vivo da revolução”.

Defensor do sistema autoritário iraniano, durante protestos estudantis em Teerã, em 1999, Suleimani foi um dos oficiais do IRGC que assinou uma carta endereçada ao presidente Mohammad Khatami, advertindo-o que, se ele não reprimisse a revolta, os militares o fariam, e ele provavelmente seria deposto no processo. A revolta foi reprimida.

À frente da Quds, cuja missão primária é organizar, treinar, equipar e financiar movimentos revolucionários islâmicos no exterior, Suleimani consolidou-se como uma espécie de “eminência parda” do regime iraniano. Com uma profunda compreensão e fidelidade aos interesses iranianos ele era, acima de tudo, um nacionalista. Estrategista prático e calculista, desenvolveu relacionamentos com o objetivo de reforçar a posição do Irã na região.

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Suleimani proporcionou assistência militar a grupos xiitas e curdos anti-Saddam no Iraque, mais tarde ao Hezbollah no Líbano e ao Hamas nos territórios palestinos. Acredita-se que Suleimani era o principal líder e arquiteto da ala militar do Hezbollah desde sua chegada ao comando da Quds em 1998. Suleimani também atuou no comando do governo iraquiano combinado e nas forças da milícia xiita que lutaram contra o Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIL, Islamic State of Iraq and the Levant) em 2014-2015.

Em 2013, quando Bashar Al-Assad perdia terreno na Síria para os rebeldes, dominados por sunitas rivais do Irã, Suleimani assumiu pessoalmente o controle da intervenção iraniana. Montou um posto de comando fortificado em Damasco, onde instalou um eclético grupo de oficiais: chefes militares sírios, um comandante do Hezbollah e um líder das milícias iraquianas xiitas; contou também com Hossein Hamedani, antigo companheiro dos tempos da Guerra Irã-Iraque com experiência em comandar o tipo de milícias irregulares que Suleimani estava criando para continuar a luta caso Assad caísse.

Havia milhares de homens da Quds e milicianos xiitas iraquianos espalhados pela Síria, e sob o comando de Suleimani, coordenaram ataques, treinaram milícias e monitoraram as comunicações rebeldes. Essa firme defesa de Assad garantiu que ele permanecesse no poder e como aliado do Irã.


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Qassem Suleimani usa um walkie-talkie na linha de frente durante as operações ofensivas contra os militantes do Estado Islâmico na província de Salahuddin, Iraque, em 2015 (Foto: Reuters).

Discreto, Suleimani trabalhava longe dos holofotes. Atuava nos bastidores, orquestrando e manipulando personagens com inteligência, sempre visando reforçar as posições e a influência do Irã no cenário internacional. Tanto seus aliados como seus adversários concordam que sua mão firme ajudou a guiar a política externa iraniana por décadas.

Segundo o General Stanley A. McChrystal, que liderou o Comando Conjunto de Operações Especiais de 2003 a 2008 e comandou as forças dos EUA e da OTAN no Afeganistão em 2009 e 2010, autoridades de defesa dos EUA informam que, através de representantes locais, Suleimani comandava a guerra civil na Síria por conta própria.

Diversos países e organizações internacionais, como os EUA, a Suíça, a União Europeia e o Conselho de Segurança da ONU, aplicaram sanções a Suleimani, que também era listado como terrorista pelos EUA.

O General McChrystal afirma que o desempenho bem sucedido de Suleimani pode ser atribuído, em grande medida, à sua longevidade no comando da Força Quds, o que lhe permitia agir com maior credibilidade do que se fosse visto como um líder temporário. Nesse sentido, seu sucesso era propelido tanto pelo seu talento como pela sua continuidade numa posição de poder.

Seu fervor patriótico, aliado a outras características pessoais como experiência, inteligência e capacidade de criar relacionamentos, fizeram de Qassem Suleimani um líder temido e em posição de influir decisivamente no futuro do Oriente Médio. Como, aliás, fez durante anos.

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A morte de Suleimani

Com a saída dos EUA do acordo nuclear de 2015, a Força Quds passou a ser um dos principais focos das tensões com os Estados Unidos. No final de dezembro, no Iraque, milícias xiitas dispararam foguetes contra bases usadas pelos EUA, matando um funcionário americano; em retaliação, foram lançados ataques aéreos contra bases usadas pelo Hezbollah ao longo da fronteira com a Síria, matando e ferindo dezenas de milicianos.

Na véspera de Ano Novo, milícias xiitas invadiram o complexo da embaixada dos EUA em Bagdá; ainda na semana passada, os EUA enviaram 750 tropas de um batalhão especial de ação rápida da 82ª Divisão Aerotransportada para o Kuwait e cerca de cem fuzileiros foram enviados a Bagdá para proteger a embaixada.

O general Mark A. Milley, presidente do Estado-Maior Conjunto, disse que o complexo da embaixada permanece seguro; segundo ele, “existe poder de combate lá, no ar e no solo, suficiente para que qualquer um que tente ultrapassá-lo tropece em uma serra circular”.

Não houve nenhuma vítima no cerco à embaixada, mas o presidente Donald Trump responsabilizou o Irã e, na sexta-feira, autorizou um ataque aéreo que matou não apenas Suleimani, aos 62 anos, mas também Abu Mahdi al-Muhandis, um dos comandantes da milícia iraquiana. Segundo o Washington Post, autoridades dos EUA falando sob a condição de anonimato disseram que o ataque foi conduzido por um drone e atingiu um comboio de carros com Suleimani e outros numa estrada de acesso perto do Aeroporto Internacional de Bagdá. Acredita-se que várias pessoas tenham sido mortas.

Segundo o Secretário de Defesa americano Mark T. Esper, o Pentágono tomou uma ação defensiva decisiva: “o general Suleimani estava desenvolvendo ativamente planos para atacar diplomatas e militares americanos no Iraque e em toda a região. Este ataque teve como objetivo impedir futuros planos de ataque iranianos”.


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O major-general Qassem Suleimani, à direita, comandante da Força Quds, cumprimenta o aiatolá Ali Khamenei, numa mesquita em Teerã (Foto: Gabinete do líder supremo do Irã).

Reações iranianas

O Irã confirmou a morte e prometeu vingança. O aiatolá Ali Khamenei, líder supremo iraniano, afirmou em comunicado que a morte de Suleimani foi “amarga”, mas que “a vitória final tornará a vida para os assassinos e criminosos ainda mais amarga”.

O Ministro da Defesa iraniano, brigadeiro-general Amir Hatami, disse que o ataque terá uma resposta “esmagadora”. O Ministro das Relações Exteriores Javad Zarif classificou o ataque de “ato de terrorismo internacional” e, no Twitter, disse que os EUA “são responsáveis ​​por todas as consequências de suas aventuras desonestas”.

Reações nos EUA

Segundo Ilan Goldenberg, especialista em Oriente Médio do Center for a New American Security, “o Irã buscará vingança. Pode haver escalada no Iraque, no Líbano, no Golfo ou em outro lugar. Podem tentar atingir autoridades dos EUA”.


Assista ao Vídeo 901 do CANAL ARTE DA GUERRA: A MORTE DO GENERAL QASSEM SULEIMANI


Para Marc Polymeropoulos, ex-funcionário aposentado da CIA com experiência em contraterrorismo, “Suleimani era uma figura popular no Irã e, mais importante, era o principal instrumento usado para projetar energia na região. Para a legitimidade do regime iraniano, uma resposta vigorosa contra os EUA deve ser esperada. O público americano precisa entender que podemos perder vidas americanas após esse ato”.

Falando aos repórteres no início do dia, Mark T. Esper disse que o Pentágono estava pronto para tomar ações militares para impedir ataques das milícias: “o jogo mudou, e estamos preparados para fazer o que for necessário para defender nosso pessoal, nossos interesses e nossos parceiros na região”.

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O Futuro?

É possível que o ataque aéreo prejudique as relações dos EUA com o governo iraquiano, que inclui autoridades com fortes alianças com Teerã. Há consenso entre diversos analistas que Suleimani era uma figura única; após o choque inicial da notícia de sua morte, muitos se perguntam quais serão os efeitos da morte de um elemento tão importante para o regime iraniano.

Para Vali Nasr, especialista em Oriente Médio e professor da Universidade Johns Hopkins, “a pressão para retaliar será imensa”.

A morte de Suleimani, herói da guerra Irã-Iraque nos anos 1980, não deixará de ter algum impacto no regime iraniano. O tom das discussões deve aumentar e as tensões devem escalar, mas é incerto afirmar que impacto será esse. Em se tratando de Oriente Médio, como sempre, tudo pode acontecer – inclusive nada.

Em sua resposta a uma afirmação Trump em 2018, ele havia dito que “você pode começar uma guerra, mas somos nós que acabaremos com ela”. O certo é que, para Suleimani, a guerra já terminou.


*Albert Caballé Marimón possui formação superior em marketing, é fotógrafo profissional e editor do blog Velho General. Já atuou na cobertura de eventos como a Feira LAAD, o Exercício CRUZEX e a Operação Acolhida. É colaborador da revista Tecnologia & Defesa e do Canal Arte da Guerra, onde, entre outras atividades, mantém uma resenha semanal de filmes e documentários militares. Pode ser contatado através do e-mail caballe@gmail.com.


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27 comentários

  1. Excelente artigo. Apenas acrescento uma coisa no final. Podemos notar que ele também elevado conhecimento militar. Com a experiência que acumulou na guerra Iraque irã e agora recentemente a guerra civil da síria.
    De resto excelente artigo, uma análise simplificada, com informação revelante.

  2. Uma cadeia de comando articulada e de composta de pessoas com capacidade comprovada produz qualidade no staff, muito bom a matéria, como sempre conteúdo despido de torcida.

  3. Excelente artigo, vim ler o perfil no dia de sua morte, por recomendação do comandante Farinazzo, porém, já achei aqui inúmeros outros artigos de igual qualidade, a madrugada será longa.

  4. Um general perspicaz que tombou ontem à noite 02/01/2020, é unanime que ele tenha sido um dos maiores militares do Irã ou o maior nos tempos de hoje; orquestrou diversos ataques contra o Estado Islâmico, ainda muito jovem se destacou na guerra contra o infame Saddam, contudo, os yankees acabou com a farra dele.

  5. Todo professor tem muitos alunos. Todo mestre tem muitos discípulos. Agora é aguardar a retaliação. Mas confesso que esse oficial já estava passando da hora.

  6. Pelo conteúdo percebe-se que este Major General era um membro estratégico na coordenação das operações de campo e de inteligência iranianas. Um homem discreto e com grande poder junto ao lider supremo do Iran. Ótimo artigo!

  7. Falamos de uma teocracia de fanáticos, onde a maior autoridade do país e todo seu staff de governo, são autodidatas no posto, promovidos mais pelo grau de proximidade que aptidão. O chefe militar teve formação rudimentar, mas, adquiriu experiências práticas e como autodidata e fiel a causa e foi gradativamente promovido até alcançar o posto de major-general, possivelmente, pondero & reitero, menos pelo preparo que pela fidelidade (habilidade de se relacionar e sobreviver politicamente entre os aiatolás) e ou fanatismo à causa demonstrado. Cumpriu seu ciclo como terrorista, mas, como se sabe, abyssus abyssum invocat, e os “russos não iam só ficar parados prá sempre só olhando” e “ao fim e ao cabo” foi alcançado por ação antiterrorista, que foi uma espécie de “amostra grátis” da tecnologia e capacidade de retaliação – o arsenal “não nuclear” dos EUA é suficiente para reduzir Teerã e vizinhança a pó !
    De fanático se espera tudo…ou nada !!!! Mas, se os aiatolás não quiseram incendiar a casa com eles próprios dentro, deveriam “quietar o facho” e buscar negociar com seriedade

    1. Todos poe \Suleimani como terrorista , o que a CIA fazia e faz ate hj , nao é a mesma coisa ou pior , promoveu varios assassinatos . Vcs falam que Iran é terrorista pq vai contra as ordens supremas americanas , ate onde sei quem jogou 02 bombas atomicas e usou agentes quimicos no Vietna foram os americanos .

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