Origens militares da indústria nacional de informática

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Imagem: Charles Deluvio/Unsplash.

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Depois de 1964, uma corrente militar pós-Segunda Guerra, mais voltada para a modernização industrial do Brasil, formulou e implantou a Política Nacional de Informática, que legitimou a Indústria Nacional de Informática.


Antecedentes: o mundo na década de 1960

A década de 1960 começou com a “Guerra Fria” mais “quente” do que nunca. A vitória da revolução Castrista em Cuba foi rapidamente seguida pela presença militar da URSS na ilha. A crise dos mísseis com ogivas nucleares apontados para o território dos Estados Unidos quase levou o mundo a uma confrontação devastadora. A política norte-americana que se seguiu ao evento jamais permitiria a instalação de uma nova Cuba no continente americano. Nossa história começa a tomar forma a partir desse ponto.

As tentativas de implantação de governos de orientação comunista passaram a ser combatidas com tenacidade no Brasil e no mundo. Em muitos casos, os militares locais foram estimulados a tomar o poder e implantar ditaduras anticomunistas onde havia risco do surgimento de governos de esquerda favoráveis à URSS. Um efeito colateral talvez não previsto foi o fato de muitos desses governos militares serem fortemente nacionalistas.

No caso brasileiro, a ascensão dos militares via a “Revolução” de 31 de março trouxe ao poder dois grupos militares diferentes: um, aquele da alta hierarquia, de origem tenentista, era favorável a intervenções políticas em acordo com a sociedade civil; outro, formado pela oficialidade mais jovem, pós-Segunda Guerra, era mais voltado para a “purificação política” e a modernização industrial do Brasil. A esses coube a formulação e implantação da Política Nacional de Informática (PNI), legitimadora da Indústria Nacional de Informática.

Brasil “Grande Potência”

Estamos agora na época do “Milagre Brasileiro”. O Brasil crescia como a China viria a crescer dez anos depois, na era pós-Mao (Deng Xiaoping). O país colhia os frutos da racionalidade econômica e de uma gestão correta da coisa pública. São os tempos de Itaipu, da ponte Rio-Niterói, do Metrô, da Embratel, Telebrás, Eletrobrás, Embrapa, Embraer e da promissora Indústria Nacional de Defesa. Uma característica diferencial com a Indústria Nacional de Informática, totalmente voltada para fornecer ao já razoável mercado interno brasileiro, a Indústria Nacional de Defesa nasceu orientada para exportações, devido ao reduzido poder de compra das Forças Armadas Brasileiras. Durante o conflito Irã-Iraque, o Brasil exportou mais de US$ 1 bilhão! Obviamente, começamos a incomodar os interesses do Primeiro Mundo, em particular dos Estados Unidos. Tal situação agravou-se ainda mais a partir de 1977, quando o então presidente americano Jimmy Carter impôs severas restrições às transferências de material bélico norte-americano para o Brasil, o que levou o Governo Geisel a denunciar o Acordo Militar Brasil-EUA.

É interessante compreender a coexistência dentro do Governo Brasileiro de diferentes abordagens para o desenvolvimento da indústria de base tecnológica. No setor aeronáutico, houve um modelo misto com orientação para exportação (como o modelo econômico sul-coreano), mas com fortes compras governamentais durante os primeiros anos de implantação da EMBRAER. Buscava-se uma excelência de produto para exportação, baseada no modelo de montagem a partir de fornecedores externos – os melhores de cada classe – (para turbinas, aviônica, trens de pouso, hidráulica, etc.) Contudo, o projeto tecnológico era 100% de domínio nacional. Já na área de telecomunicações, foi adotado o modelo de substituição de importações com exigência de fabricação local, mantendo-se, todavia, sua fabricação por parte das empresas transnacionais originais. Havia, contudo, forte interferência estatal na operação do setor de telecomunicações, cujo principal cliente era o Governo Federal, com regionalização geográfica do mercado por fornecedores. A fabricação era 100% nacional, sem preocupações com o domínio tecnológico.

Já com o setor de informática, foi adotada uma política dupla: no segmento dos grandes computadores (mainframes), havia a compreensão da impossibilidade de domínio tecnológico a curto e médio prazo, inclusive pela tecnologia eletrônica de componentes utilizados nas CPUs, Computer Processing Units, componentes ECL de fabricação própria exclusiva dos grandes fabricantes); no segmento dos minicomputadores não existia a mesma limitação de fornecimento de componentes para as CPUs. Essa classe de produto tinha grande aplicação militar, especialmente na Marinha do Brasil, com emprego na automação de controle de tiro das fragatas inglesas recém adquiridas (classe Niterói). O problema é que os minicomputadores tinham seu software fonte como uma “caixa preta”, fora dos contratos de fornecimento. Ou seja, era necessário um domínio tecnológico completo da Informática para evitar eventuais futuros conflitos de interesse e boicotes.

No quadriênio 1975-1978, a Marinha passou então a envidar esforços para a criação da Indústria Nacional de Informática, baseada numa política que mantinha a livre importação dos mainframes para atender o setor público (as grandes estatais eram seu principal cliente) e o setor privado, especialmente bancos e grandes corporações internacionais aqui baseadas. Todavia, reservava o mercado doméstico dos minicomputadores para a Indústria Nacional. Era uma cópia imperfeita do modelo japonês de “Reserva de Mercado”, popular na época, mas bem diferente do original, na medida que no Japão a reserva estava acompanhada de forte subsídio governamental às indústrias japonesas.

É importante ressaltar que, protegendo o segmento de minicomputadores, também se estava protegendo o mercado de automação e controle de processos – atendendo, portanto, ao pleito da Marinha –, caso concreto das fragatas classe Niterói, cujo sistema CAAIS (Computer-Assisted Action Information System) empregava minicomputadores ingleses FM-1600B da Ferranti International – UK. Essa demanda da Marinha deu origem ao computador COBRA 700, baseado na tecnologia do Ferranti Argus 700 de 16 bits.

Implantação da indústria nacional de informática

Em 2 de outubro de 1979, é criada, como órgão complementar do Conselho de Segurança Nacional, a Secretaria Especial de Informática (SEI), com a finalidade de assessorar na formulação da Política Nacional de Informática (PNI) e coordenar sua execução, como órgão superior de orientação, planejamento, supervisão e fiscalização, tendo em vista, especialmente, o desenvolvimento científico e tecnológico no setor. O comando da SEI foi entregue a um grupo de coronéis do Exército, vinculados ao SNI, e assim permaneceu, na prática, até o final do Governo Sarney.


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Em 1979 quatro grupos empresariais privados e um estatal foram encarregados da missão de realizar acordos de transferência plena de tecnologia para a fabricação de minicomputadores no Brasil por meio de subsidiárias de controle 100% nacional. As cinco empresas eleitas foram: EDISA (do Rio Grande do Sul, ligada ao Grupo Iochpe), SID (do Paraná, ligada ao Grupo Sharp), SISCO (São Paulo, Grupo Maksoud), LABO (São Paulo, Grupo Brasilpar) e COBRA (Rio de Janeiro, estatal fruto da união da Marinha do Brasil, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES e da fábrica inglesa Ferranti, posteriormente a empresa que se tornaria subsidiária do Banco do Brasil). As seguintes associações internacionais foram celebradas: EDISA-Fujitsu japonesa, SID-Logabax francesa, SISCO – DG? (não houve um contrato formal de transferência de tecnologia aprovado pela SEI) uma relação nunca bem explicitada, embora o minicomputador produzido fosse um clone do NOVA3 da Data General norte-americana, COBRA-Sycor norte-americana e LABO-Nixdorf alemã.

Esse arranjo inicial da Indústria Nacional de Informática revelou-se um desastre. Apenas a associação LABO-Nixdorf foi bem-sucedida, seja pela qualidade da tecnologia alemã, líder desse segmento no mercado europeu, seja pelo fiel cumprimento dos termos de transferência irrestrita de tecnologia. A EDISA, com tecnologia Fujitsu, bem como a SID/Logabax nunca tiveram produtos competitivos. A EDISA acabou por se aproximar da empresa Hewlett Packard, com quem se fundiu anos depois. A SID tornou-se um braço do BRADESCO para o fornecimento de automação bancária, em contraposição com a criação da ITAUTEC, braço de automação bancária do Banco Itaú. A COBRA buscava o desenvolvimento de uma linha própria de produtos, alcançada em 1980 com o Cobra 530, um minicomputador bit slice de 16 bits clássico. O modelo adotado pelos militares brasileiros para o desenvolvimento local da capacidade tecnológica e industrial em informática estava começando a apresentar resultados!

No início dos anos 1980 surge a tecnologia de componentes VLSI (Very Large Scale Integration). É um processo de combinar milhões de transistores MOS num único circuito integrado, permitindo o surgimento dos supermicrocomputadores e dos supercomputadores. Na esteira dessa tecnologia, a PETROBRÁS encomenda, em 1985, para as empresas nacionais interessadas, a criação de um sistema compacto, apto a ser transportado por helicópteros, para processamento local dos resultados dos testes de sísmica diretamente no campo de prospecção. Essa tarefa era feita na sede da empresa utilizando os mainframes IBM equipados com hardware de “vector facilities” para processamento paralelo de vetores numéricos. Cabe ressaltar que a venda dessa capacidade adicional para a PETROBRÁS exigiu autorização do Departamento de Estado dos Estados Unidos e aceitação de salvaguardas, pois havia o receio dos norte-americanos que o Brasil se utilizasse dessa capacidade para rodar simulações de artefatos nucleares.

Fragilidade política do modelo de desenvolvimento

Em 1985, a SEI abre nova temporada de transferência de tecnologia do exterior para empresas brasileiras, cedendo a pressões dos grupos empresariais nacionais não participantes (BRADESCO, ITAUTEC) e pelos fabricantes não bem-sucedidos da primeira rodada de aquisição de tecnologia no final dos anos 1970. Além dessas empresas nacionais, os seus potenciais fornecedores norte-americanos HP (com a EDISA), Digital (com a ELEBRA) e DataGeneral (com a COBRA) também queriam pragmaticamente participar do segmento de mercado reservado, mesmo que a custa de terem temporariamente um parceiro nacional. A parceria alemã Nixdorf (com a LABO) foi mantida na segunda rodada. Essa medida foi uma fratura profunda no modelo de desenvolvimento autônomo, já que se esperava que a segunda geração de produtos fosse 100% nacional. Há que ressaltar que o período de governo militar já chegava ao seu final.

Essa nova rodada de transferência de tecnologia foi caracterizada pela SEI como da classe denominada SuperMiniComputadores, já que a primeira foi a dos MiniComputadores. As empresas nacionais à essa altura já estavam desenvolvendo SuperMicroComputadores autonomamente e tinham, no máximo, um ano de defasagem tecnológica em relação às suas congêneres norte-americanas. Em analogia ao que ocorria no setor automobilístico, havia sido criado um razoável parque de fornecedores locais de periféricos sofisticados (equivalentes às autopeças) para suprir os sistemas dos fabricantes nacionais (como nas montadoras de veículos).

Na parte inferior do espectro, os VLSIs viabilizaram os microcomputadores poderosos de enorme sucesso e penetração no mercado mundial. Em 1985, o Brasil já dispunha de vinte fabricantes de clones do IBM PC. Os fabricantes-montadores nacionais de informática, de todos os portes, geravam demanda de CRTs (tubos de raios catódicos), teclados, discos flexíveis e discos rígidos (HDs), fitas digitais, etc. Além de toda gama de impressoras, componentes e suprimentos diversos, viabilizando o parque de fornecedores 100% nacional.

A entrada no mercado nacional de sistemas clássicos (com custos de desenvolvimento já amortizados) – os superminis – ainda que pelas mãos indiretas de empresas nacionais – representava um desafio adicional aos fabricantes que estavam investindo pesadamente nos supermicros próprios e agora, também na nacionalização dos superminis, sob pena de sucumbirem a essa concorrência predatória.

Maturidade tecnológica da indústria nacional de informática

Decorridos seis anos após o contrato inicial dos minicomputadores, para atender à demanda governamental de ofertar imediatamente um supermini, a LABO licenciou, através da sua parceira Nixdorf alemã, a tecnologia militar desenvolvida para as IDF (Israel Defense Forces, Forças de Defesa de Israel) pela ELBIT de Israel para equipar sua plataforma AWAC (sigla para a expressão Airborne Warning and Control System) um sistema de vigilância aérea eletrônica por radares instalados em aeronaves. É interessante conhecer o caso, pois ilustra a íntima relação entre a informática e as aplicações militares. Israel desejava comprar uma aeronave AWAC norte-americana baseada na versão militar do Boeing 707, equipada internamente com uma versão militar do mainframe IBM 370, onde rodava o software de vigilância, comando e controle. A compra foi negada. O governo israelense, então, encarregou a ELBIT de desenvolver um clone militarizado (construído com componentes norma MIL) do mainframe IBM apto a rodar o software original que havia sido igualmente clonado. Esse projeto foi a seguir vendido para a Nixdorf alemã que o reimplementou com componente civis e, posteriormente, foi revendido para a LABO, que o nacionalizou e fabricou mais de 100 unidades na sua fábrica no bairro de Jurubatuba, na capital paulista.


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Nessa ocasião, a Indústria Nacional de Informática já havia capacitado cinco mil engenheiros eletrônicos digitais na área de desenvolvimento. Empregava diretamente 80 mil pessoas, 34% com nível superior – os tais bons empregos que o país tanto precisa gerar para reter seus talentos aqui no Brasil. As empresas genuinamente nacionais de informática respondiam, ao final da década de 1980, por 94% das despesas totais de P&D no país, embora controlassem apenas 60% do mercado local. As empresas multinacionais de informática importaram, no período 1985 a 1990, 1,7 bilhões de dólares contra apenas 1,3 bilhões das empresas nacionais apesar de apresentarem faturamento menor. As atividades de desenvolvimento de produto (P&D), obrigatórias segundo a Política Nacional de Informática, representavam, no mínimo, 5% do faturamento do setor, embora sem nenhum tipo de benefício ou renúncia fiscal.

Apesar da falta de aporte de recursos governamentais e da falta de pragmatismo da SEI, que exigia que o Brasil fabricasse localmente itens que não tinham a escala mínima para viabilizar uma operação industrial – havia uma gestão muito marcada por uma ideologia de autossuficiência que nunca existiu no setor aeronáutico, e que não impediu o retumbante sucesso da EMBRAER –, a indústria nacional avançava, mas financiada exclusivamente pelo comprador doméstico.

Software, o “Calcanhar de Aquiles” da PNI dos anos 1980

Os técnicos da SEI nos anos 1980 operavam num ambiente ideologicamente contaminado pela desconfiança do “dragão” capitalista norte-americano. O Japão, que fez uma reserva de mercado muito exitosa, teve a percepção pragmática de respeitar os desejos do mercado. Os fabricantes japoneses desde os anos 1970 foram orientados a produzir clones (PCM – Plug-Compatible Machine) dos mainframes IBM porque essas máquinas permitiam aos usuários usar os sistemas operacionais e software aplicativos de prateleira da IBM, desde então a principal força no mercado de mainframes. Estratégia semelhante foi adotada na Alemanha com a Siemens e a Nixdorf vendendo PCMs IBM. Na URSS também foram desenvolvidos computadores PCM IBM, porque isso permitia rodar os softwares norte-americanos copiados ilegalmente. Na verdade, os japoneses desenvolveram inicialmente periféricos (principalmente discos magnéticos fabricados pela Fujitsu e Hitachi) PCM para o mundo IBM e, posteriormente as CPUs PCM IBM.

A LABO comercializava no Brasil seu PCM IBM com discos japoneses. A opção PCM obrigava ao pagamento de royalties (nada expressivos) e a alguma limitação de soberania nos casos de exportação para regiões sensíveis, mas isso também existe na indústria aeronáutica brasileira, e nunca foi motivo de preocupação.

Em meados dos anos 1980 a indústria nacional de informática produzia centenas de milhares de clones do IBM PC e do microcomputador Apple, porém o Governo Brasileiro não reconhecia os softwares originais desses produtos. Obviamente, os compradores descartavam o software “clone local” fornecido e instalavam cópias “piratas” dos sistemas operacionais norte-americanos. O dogmatismo dos militares que controlavam a SEI não admitia reconhecer que os usuários não queriam essas soluções de clones nacionais do software.

No mercado de informática não é possível, nem a governos, nem a fabricantes, impor peças de software não desejadas pelo usuário final. Quando a IBM desenvolveu seu equivalente do Microsoft Windows NT, o IBM OS/2, teoricamente um produto melhor e mais confiável que o rival, não teve sucesso em difundi-lo na sua enorme base mundial de clientes corporativos. Ao cabo de algum tempo ela ofereceria o OS/2 gratuitamente a quem desejasse, mas isso não teve efeito, mesmo com o Windows NT custando centenas de dólares por cópia.

A situação ficou pior com o advento dos superminicomputadores no mercado nacional. Vários deles utilizavam sistemas operacionais derivados do UNIX AT&T e eram vendidos legalmente em conjunto (“bundled software”) com o hardware. Os supermicrocomputadores mundo afora também utilizavam sistemas operacionais UNIX “look alike” (variantes do original UNIX AT&T) e pagavam um royalty nada expressivo, porém aqui no Brasil isso foi vetado pela SEI. Os supermicros desenvolvidos localmente deveriam usar um UNIX “work alike” (desenvolvimentos alternativos, mas funcionalmente equivalentes) nacional. É claro que isso não tinha o menor apelo mercadológico junto à base nacional de usuários, além de representar uma competição injusta entre as empresas.

É interessante notar que as forças de mercado, anos depois, acabariam se rebelando contra as situações de monopólio no mundo do software. A comunidade acadêmica internacional, apoiada por gigantes como a IBM e a Oracle, viria a criar o LINUX – um UNIX “work alike” de classe mundial que dominou o mercado de servidores internet. Já existiam sinais nesse sentido, mas faltou paciência e visão estratégica aos policy makers militares. Concomitantemente, surgia a classe dos “Open Software” – softwares “abertos” no sentido de não-proprietários, distribuídos com código fonte e de desenvolvimento cooperado, hoje existentes em praticamente todos os campos de aplicação. Inclusive no segmento dos gerenciadores de bancos de dados, onde competem com a gigante Oracle.

Dessa forma, o Brasil acabou “comprando uma briga” desnecessária com os Estados Unidos para evitar o pagamento de licenças de software dos microcomputadores e supermicrocomputadores, de valores pouco expressivos, ao custo de tumultuar o natural desenvolvimento dos produtos pela indústria nacional e desagradar os usuários que já arcavam com preços mais altos. Um erro estratégico fatal. Nos tornamos “piratas”!


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“Morrendo na praia”

Após o fim do ciclo de governos militares, com a ascensão de um presidente civil, os membros do Conselho de Administração da LABO Computadores, representantes do acionista financeiro, foram aos Estados Unidos “tomar o pulso” em relação as mudanças políticas do Brasil. Trouxeram a informação do entusiasmo dos norte-americanos com as mudanças ocorridas, já que eles consideravam os militares brasileiros “muito nacionalistas”, o que prejudicava os negócios! Isso numa época em que a esquerda acusava os militares de serem “entreguistas” e lesa-pátria.

Em 13 de novembro de 1987, o então presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, decretou uma série de sanções comerciais contra o Brasil, como resposta à prática protecionista da Política Nacional de Informática. Na ocasião, Reagan anunciou o aumento das taxas de importação de produtos vindos do Brasil, bem como a total proibição da importação de determinados produtos do setor de informática. O objetivo com a medida, segundo o presidente norte-americano, seria obter uma compensação pelo prejuízo causado às empresas americanas em decorrência da política brasileira.

Os acionistas das empresas nacionais são convocados à Brasília e ouvem do Sr. Luciano Coutinho – secretário-geral do Ministério da Ciência e Tecnologia – o recado do Presidente Sarney: “Vendam suas empresas para o capital estrangeiro, pois o Governo Brasileiro não irá mais apoiar a Política Nacional de Informática e a reserva de mercado associada”. A Lei de informática ainda permaneceria em vigor pelos próximos anos, mas a “toalha já havia sido jogada” – exatamente quando seus resultados estavam se tornando realidade. Na prática, os empresários, em sua maioria, não recuperaram seus investimentos; apenas as empresas do nicho de automação bancária, de propriedade dos bancos, sobreviveriam. Os engenheiros de desenvolvimento se tornaram vendedores e, lentamente, a indústria foi sendo absorvida nas filiais das multinacionais. A janela de oportunidade tecnológica aberta pelos VLSIs se fechou.

Lições para o futuro

Na época do estabelecimento da Indústria Nacional de Informática, nos anos 1970, o Brasil estava muito mais bem posicionado do que a China! A iniciativa da Indústria Nacional de Informática dos anos 1970/1980 foi muito bem-sucedida do ponto de vista de capacitação de pessoal nas áreas de engenharia e ciência da computação. O resultado está aí visível. Toda a automação bancária foi desenvolvida no Brasil, sendo, nos anos 1980, a mais desenvolvida do mundo. As ultra-centrífugas da Marinha foram calculadas usando software de elementos finitos desenvolvido no Brasil; o submarino nuclear tem seu reator nacional controlado por software de controle de processo também produzido no País; a EMBRAER desenvolveu aviônica e simuladores também nacionais. O Brasil tem software de modelagem espacial e geoprocessamento 100% nacional. O país utiliza centrais digitais de telefonia (CPAs) desenvolvidas e fabricadas com tecnologia local desde os anos 1980. Poucos países têm essa versatilidade tecnológica.

Na área de software de negócios (aplicações) o Brasil está bem-posicionado com o ERP (Enterprise Resource Planning) nacional dividindo o mercado brasileiro com a empresa líder mundial. Apenas essa empresa nacional tem mais de 20 mil colaboradores. Isso mostra como colocamos tudo a perder por um dogmatismo do “100% feito em casa”, numa área como a dos Sistemas Operacionais de impossível competição – impossível porque o usuário não demanda mais opções de produtos – existem smartphones Android (90% do mercado) e Apple iOS (10%). Os demais são insignificantes. Hoje as empresas brasileiras de computação são empresas de nicho, pequenas e de baixa penetração no mercado mundial, embora ao final dos anos 1980 estivéssemos muito bem-posicionados, certamente melhores do que China e Coreia. O Governo não fez sua parte!

Existem novas janelas de oportunidades abertas. Para algumas, os brasileiros ainda não estão preparados, como Computação Quântica, Veículos de Direção Autônoma, etc. Em outras como Inteligência Artificial (AI, Artificial Intelligence), Internet das Coisas (IoT, Internet of Things), Veículos remotamente tripulados (aéreos, terrestres e navais), etc., mas, com a adoção de políticas públicas lúcidas e decisivas, o Brasil poderia participar como um protagonista secundário, mas ainda assim como um protagonista.

Infelizmente a situação política atual baseada no “nós contra nós mesmos” não está nos permitindo aproveitar plenamente as possibilidades. O Brasil tem um mercado interno que é um patrimônio inestimável.

Com planejamento lúcido e firme vontade política – o que requer coesão em torno dos interesses nacionais permanentes – podemos recriar a Indústria Nacional de Informática (e a de Defesa, a Automobilística, a Nuclear, etc.) em novos termos.

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1 comentário

  1. Onde encontro mais informações sobre a labo, como fundadores, datas e produtos lançados ?

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