Tradução e adaptação de Albert Caballé Marimón* |
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Artigo publicado originalmente pelo Geopolitical Futures.
Localizada entre a Polônia e a Rússia, a Bielorrússia é parte do que os russos consideram como sua zona-tampão, uma área estratégica fundamental para a sua segurança. Com o fim da Guerra Fria, a neutralidade dos bielorrussos se transformou num delicado ponto de equilíbrio entre a Rússia e a OTAN.
A Bielorrússia, cujas eleições recentes vêm agitando a mídia, há algum tempo é um ponto crítico na Europa. As razões para isso são história e geografia. Desde o século XVIII a segurança nacional da Rússia depende de “zonas-tampão” a oeste e sul. Nesse período, o país enfrentou quatro grandes invasões: pela Suécia, aliada da Polônia e da Turquia, ao sul; pela França, através da planície do norte da Europa; e pela Alemanha, duas vezes, através da Polônia e da Ucrânia.
Três pontos salvaram a Rússia em todas as invasões. O primeiro foi a distância que o invasor devia vencer para chegar ao coração da Rússia, criada pela zona-tampão vital. O segundo foram os longos e rigorosos invernos, que dificultaram o abastecimento, a movimentação e a sobrevivência. O terceiro foram as forças maciças, embora mal treinadas, que a Rússia podia reunir ao recuar para o leste.
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O presidente russo, Vladimir Putin, classificou a queda da União Soviética como o maior desastre geopolítico da história. Certamente isso é verdade na história da Rússia, pois privou a Federação Russa de seus amortecedores. Os países bálticos foram integrados à OTAN e, na Ucrânia, um levante político, que Moscou afirma ter sido organizado pelos Estados Unidos, estabeleceu um governo pró-Ocidente. Para mensurar essas mudanças, durante a Guerra Fria o membro da OTAN mais próximo estava a quase 1.000 milhas (1.600 quilômetros) de Leningrado (hoje São Petersburgo). Agora, o mais próximo fica a apenas 160 quilômetros da cidade.
A questão não é se a OTAN ou os EUA pretendem atacar; mas com o passar do tempo as intenções mudam. A Rússia, como qualquer país, não tolera cursos de ação que possam eventualmente ser usados contra ela. Na verdade, o movimento da OTAN para o leste, e particularmente pelos americanos, criou ameaças à Rússia a partir do Báltico e da Ucrânia. Se a Ucrânia fosse integrada a uma coalizão liderada pelos EUA e totalmente armada, forças hostis estariam a menos de 1.100 quilômetros de Moscou. A Rússia não poderia tolerar isso, portanto tomou a Criméia, colocando-se em posição de ameaçar o território ucraniano e bloquear seus portos, e despachou forças de operações especiais para o leste da Ucrânia para desencadear um levante pró-Rússia. A revolta falhou, mas mesmo assim efetivamente dividiu a Ucrânia o suficiente para forçar o governo central em Kiev a recuar da fronteira com a Rússia.
Moscou sabia que perder a Ucrânia a deixaria vulnerável a ataques futuros, mas também sabia que os EUA não desejavam um conflito total. Então chegaram a um acordo não escrito pelo qual os russos conteriam o levante no leste da Ucrânia e os Estados Unidos não forneceriam armas ofensivas à Ucrânia. Essencialmente, a zona-tampão não estava mais sob controle russo, mas ainda assim dava à Rússia a profundidade estratégica necessária para responder caso o acordo seja violado.
E assim chegamos à Bielorrússia, em torno da qual todo o drama da Guerra Fria se desenrolou, mas que permaneceu relativamente intacta. Se as forças dos EUA tivessem ocupado a Bielorrússia, teriam sido capazes de ameaçar o coração da Rússia diretamente (Smolensk, cidade no interior do território soviético, teria se tornado uma cidade fronteiriça). Por outro lado, se forças russas tivessem assumido o controle da Bielorrússia e postadas na fronteira ocidental, estariam em posição de ameaçar diretamente a Polônia, e, portanto, o resto da Europa. Afinal, um contingente limitado de forças americanas já estava destacado na Polônia, o que tanto poderia deter a Rússia como levar a uma guerra mais séria.
A neutralidade da Bielorrússia, portanto, sempre foi extremamente importante para a OTAN. Mas é mais complicado para a Rússia. Por um lado, eliminar uma ameaça potencial na Bielorrússia é prioridade extremamente alta para Moscou; por outro, envolver os EUA em combate direto e ocupar território da OTAN não é.
A Rússia resistiu à tentação de minar a neutralidade bielorrussa, embora tenha usado as necessidades econômicas de Minsk para seus próprios interesses. Não querendo ser absorvido pela Rússia ou pelo Ocidente, o presidente Alexander Lukashenko manteve um equilíbrio cuidadoso entre os dois, controlando rigidamente a política interna e intimidando seus inimigos políticos. Por isso ele está no poder desde 1994. A ideia de que os bielorrussos estão descontentes com seu contínuo sucesso eleitoral não é clara. Muitos estão, outros não, e outros ainda provavelmente não sentem uma necessidade urgente de discutir esse problema. Para a maior parte, Lukashenko foi aceito e a vida seguiu.
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As eleições deste fim de semana são diferentes. Há uma oposição substancial ao titular, tanto que ele mandou prender um candidato rival. Ficou claro que Lukashenko estava nervoso com a eleição. Ele estava particularmente aborrecido com os russos, dizendo que eles enviaram paramilitares ao país e insinuando que estavam tentando criar seu próprio levante da Praça Maidan[1].
É interessante que ele esteja culpando a Rússia. Talvez seja porque presumiu que a oposição era liberal e recusaria a ideia de ajuda russa. Talvez a Rússia esteja tentando avisar a Bielorrússia que o Ocidente não é um ponto de equilíbrio em relação à Rússia. Ou talvez ele esteja certo e a Rússia esteja tentando recuperar uma zona-tampão neutra.
De qualquer modo, Lukashenko obteve uma vitória esmagadora, sem surpresas. A questão agora não é se isso vai desencadear um levante, mas se as potências estrangeiras, especialmente a Rússia, podem estar trabalhando para redefinir a política regional. Pela perspectiva russa, isso seria racional e esta é uma boa oportunidade. As eleições nos Estados Unidos sempre distraem os americanos, e a União Europeia está patinando com a economia e o coronavírus. A Polônia ficaria chocada, mas lhe falta capacidade para agir.
Líderes mudam, mas a geografia não. Eleições são frequentemente menos interessantes do que suas consequências.
*Albert Caballé Marimón possui formação superior em marketing. Depois de atuar vários anos em empresas nacionais e multinacionais, tornou-se fotógrafo profissional e editor do blog Velho General. Já atuou na cobertura de eventos como a Feira LAAD, o Exercício CRUZEX e a Operação Acolhida e proferiu palestras na Academia da Força Aérea. É colaborador da revista Tecnologia & Defesa e do Canal Arte da Guerra. Pode ser contatado através do e-mail caballe@gmail.com.
Nota
[1] Praça da Independência, no centro de Kiev, capital da Ucrânia. Já teve diversos nomes, mas é comumente conhecida apenas como Maidan (“praça”), e é tradicionalmente local de manifestações políticas.
Está me parecendo aquele ditado popular: “Se correr o bicho pega; se ficar o bicho come”.
Bom o artigo. Muito bem explorado e com uma redação primorisa.
Parabéns ao autor.
É bem por aí, José! Um abraço!
Parabéns pelo o artigo, fico feliz com a grandeza de assuntos geopolítico que o blog apresenta, ainda mais vindo de um grande Militar, Minhas saudações!
Obrigado Serpio, forte abraço!