Por Albert Caballé Marimón* |
“A batalha de Tsushima é de longe o maior e mais importante evento naval desde Trafalgar”, escreveu Sir George Sydenham Clarke, oficial do exército britânico, em Londres, em 1906.
Em 1894, o Japão entrou em guerra com a China pelo controle da Manchúria e da Coréia. A tomada de Port Arthur pelo Japão, na península chinesa de Liaodong, soou alarmes nas principais capitais do mundo; o porto era tido como muito importante para ser cedido a uma potência nova como o Japão.
A Rússia exigiu a devolução. Com relutância, Tóquio concordou. Prometendo nunca mais enfrentar uma humilhação semelhante, o Japão investiu o saque obtido da China em modernos couraçados, cruzadores e destróieres, muitos deles construídos na Inglaterra.
O ressentimento a respeito de Port Arthur não foi o único ponto de discórdia entre o Japão e a Rússia. A conclusão da ferrovia Transiberiana criou ainda mais tensão. Cruzando toda a Rússia, permitia o rápido deslocamento de tropas para o porto de Vladivostok, potencial ponto de embarque para uma invasão ao Japão.
Tóquio respondeu à ameaça através de um programa de industrialização e militarização. Todos os homens maiores de 18 anos foram recrutados. Para melhorar sua posição estratégica, firmou um tratado com a Grã-Bretanha em 1902, garantindo o apoio da maior potência marítima do mundo.
Na Rússia, o Japão era desconhecido e subestimado. Os Romanov, que estavam no trono desde a coroação de Mikhail III em 1613, governavam um império de 129 milhões de camponeses e quase 800 famílias privilegiadas, cada uma com uma vasta fortuna.
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O czar Nicolau II foi considerado por seu pai, Alexandre III, um menino bobo. Fraco e inseguro, Nicolau não foi preparado para administrar um país, e sustentava que precisava responder apenas a Deus. Cresceu no luxuoso Palácio de Inverno com 1050 quartos e acreditava que o destino o absolveu de qualquer responsabilidade. Enquanto a vida do czar e da aristocracia consistia em desfiles militares, grandes bailes e noites no teatro, para os plebeus rotina era de pobreza extrema e constante ameaça da fome.
Embora o exército do czar fosse o mais numeroso do mundo, a marinha russa lutava para acompanhar os tempos de mudança. Em 1904, a maior parte da frota estava obsoleta. O treinamento das tripulações só podia ser realizado seis meses por ano, enquanto os portos do Báltico não estavam cercados por gelo. Dizia-se que tudo o que os marinheiros aprendiam era esquecido quando voltavam no ano seguinte.
Reconhecendo a vulnerabilidade da Rússia, o Japão planejou e retomada de Port Arthur. Em 8 de fevereiro de 1904, uma frota de 30 navios de guerra e 20 barcos torpedeiros sob o comando do Almirante Togo lançou um ataque surpresa contra a Esquadra Russa do Pacífico, que lá estava ancorada.
Encontrando-se repentinamente em guerra num oceano distante contra um adversário inesperadamente formidável, os almirantes russos se esforçaram para montar uma segunda frota do Pacífico a partir da esquadra do Báltico. O resultado foi uma armada de 40 navios composta por cruzadores, antigos ironclads, destróieres e iates armados, liderados pelos couraçados Oryol, Borodino, Alexandre III e o capitânia Knaiz Suvoroff.
Comandada pelo vice-almirante Zinovi Rozhestvensky, veterano de 55 anos da guerra de 1877 com a Turquia, suas ordens foram navegar 18.000 milhas para derrotar o Japão e recapturar Port Arthur. Seria uma viagem repleta de perigo. Para piorar, não havia uma única estação de carvão controlada pela Rússia no caminho. A frota navegava a lentos nove nós, e mesmo assim os navios consumiam 3.000 toneladas de carvão por dia. Esse bem precioso seria fornecido ao longo do caminho por navios alemães, mas apenas o almirante sabia quando e onde os reabastecimentos ocorreriam.
Antes de partir em 15 de outubro, o capitão Bukhvostoff, comandante do Alexandre III, fez um discurso aos oficiais reunidos da frota durante um banquete: “Sabemos que a Rússia não é uma grande potência marítima e que os recursos gastos na construção de navios foram desperdiçados”, admitiu ele. “Você nos deseja a vitória, mas não haverá vitória. Mas nós saberemos como morrer e nunca nos renderemos.”
Foi um começo sinistro para os 10.000 marinheiros da frota.
A força-tarefa deixou o Báltico e entrou no Mar do Norte. Na noite de 22 de outubro, enquanto navegava por Dogger Bank, na costa inglesa, vigias voltaram os holofotes da frota sobre o que acreditaram ser torpedeiros japoneses. Artilheiros em pânico no Borodino abriram fogo. Outros navios se juntaram à canhonada, perdendo por pouco seus próprios navios, mas atingindo os supostos navios inimigos.
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Quando as armas silenciaram, Rozhestvensky descobriu que sua tripulação abriu fogo contra traineiras inglesas, afundando uma delas e matando três pessoas. A Grã-Bretanha ordenou prontidão à sua frota e ameaçou com guerra, a menos que um pedido de desculpas fosse feito imediatamente. Diplomatas russos responderam de forma morna. Um oficial impopular sob o comando de Rozhestvensky foi culpado pelo incidente e enviado de volta à Rússia para ser julgado.
A Grã-Bretanha negou a passagem da frota russa pelo Canal de Suez. Os navios do czar teriam que navegar pelo sul da África para chegar ao Oceano Índico e depois ao Pacífico, aumentando a jornada em milhares de milhas e várias semanas. No final de dezembro, os russos ancoraram na colônia francesa de Hellville, em Nossi Be, em Madagascar. Esperaram por 10 navios adicionais, barcos de patrulha costeira, que se juntariam à frota. Incapazes de resistir ao fogo, esperava-se que servissem como alvos e atraíssem fogo inimigo, dando tempo extra aos couraçados russos para atacar os dreadnoughts japoneses.
Quando a frota ancorou, as tripulações cansadas foram à terra em licença. Enquanto os russos se entregavam à bebida e às prostitutas, os marinheiros de Togo não estavam à toa: treinavam para a batalha que se aproximava. Com a chegada dos reforços a Madagascar, a marinha russa zarpou. De volta ao mar, o moral a bordo despencou e a disciplina entrou em colapso. Algumas tripulações se amotinaram. A ordem só foi restaurada através de uma série de execuções sumárias. No entanto, nada impediu que falhas de equipamentos, acidentes e colapsos assolassem os navios enquanto se arrastavam pelo Oceano Índico.
Na primavera, a esquadra chegou a Hong Kong. A essa altura, porém, os navios e suas tripulações não estavam em condições de combate após a longa viagem. Rozhestvensky precisava desesperadamente de um porto onde pudesse descansar seus homens e reequipar os navios.
Ao descobrir que sua força seria impedida de entrar no porto britânico (Londres ainda não tinha digerido o incidente em Dogger Bank), o almirante não teve escolha a não ser levar a frota ao porto russo de Vladivostok, a quase 3.000 milhas marítimas ao norte, o que significava navegar em águas japonesas. O que Rozhestvensky não sabia era que Togo estava a par de sua aproximação e esperava para embosca-lo.
Em 26 de maio, a frota russa entrou no estreito de Tsushima, entre a Coréia e a ilha japonesa Kyushu. Chegando ao final da longa viagem, houve uma comemoração de Ação de Graças a bordo dos navios, com distribuição de vodka aos marinheiros e champanhe aos oficiais.
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Os russos não faziam ideia de que, pouco além do horizonte, estava a frota japonesa, com seus navios totalmente tripulados e prontos para a batalha. Togo, com cinco couraçados e 27 cruzadores à sua disposição, pretendia escolher o momento certo para atacar, e esperava apenas a frota russa de 38 navios chegar ao Estreito de Tsushima.
O dia 27 de maio amanheceu com um espesso nevoeiro, e Rozhestvensky esperava que ele pudesse esconder sua frota das patrulhas inimigas. Às 6 da manhã, os vigias avistaram um cruzador de reconhecimento inimigo e os artilheiros imediatamente abriram fogo, mas ele rapidamente se afastou. Horas depois, pouco antes das duas da tarde, a principal frota japonesa atacou o flanco norte russo. Rozhestvensky ordenou que suas tripulações se preparassem para o combate.
A Batalha de Tsushima começava.
Em instantes, vários couraçados e cruzadores russos disparavam contra os navios inimigos. O Mikasa, capitânia de Togo, foi atingido 19 vezes. No entanto, o almirante japonês ordenou que seus navios se movimentassem e “cruzassem o T” da frota inimiga, devolvendo uma série de salvas devastadoras contra os russos.
Enquanto Togo manobrava seus navios, uma série de ordens confusas de Rozhestvensky levou a marinha russa ao caos. O almirante ordenou a sua primeira e segunda divisões para girar abruptamente 90 graus a estibordo e aumentar a velocidade. Em seguida, comandou seus navios numa formação de linha única. Enquanto tentavam mudar de rumo e assumir suas novas posições, a ordem da frota desmoronou, tornando-se um alvo fácil para a frota japonesa.
As decisões desastrosas de Rozhestvensky custaram à marinha do czar qualquer vantagem que tivesse; Togo aproveitou ao máximo a oportunidade e mandou seus navios abrirem fogo à vontade. Embora o comandante russo tenha mostrado notável eficácia comandando a frota durante a longa jornada, seus oficiais ficaram surpresos com a rapidez com que ele desmoronou quando os projéteis começaram a explodir. Togo, no entanto, era muito mais resoluto e liderava uma frota extremamente disciplinada. Quando um jovem oficial, ele treinou por dois anos num couraçado britânico e estudou atentamente o lendário comandante da Marinha Real Lord Nelson e as táticas da Batalha de Trafalgar de 1805.
Agora, empregava esses mesmos métodos e conseguiu empurrar seus navios através da linha inimiga quebrando sua formação, ao mesmo tempo em que usava os 500 canhões de sua frota contra a armada russa. Embora ambos estivessem equipados com radiotelegrafia, os russos usavam sistemas alemães da Telefunken e tinham dificuldades em seu uso e manutenção, enquanto os japoneses usavam equipamentos de fabricação própria, sobre o qual tinham completo domínio. Isto se revelou uma vantagem.
Os projéteis japoneses caíam sobre a frota russa destruindo comunicações, superestruturas e pontes de comando. Os navios se transformaram em cascos fumegantes, com tripulações desesperadas; algumas disparavam furiosamente, mas a maioria estava aterrorizada. Mortos e mutilados cobriam os conveses.
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A carnificina continuou por 24 horas, e um navio russo após outro afundava no mar gelado. Ao anoitecer, 30 navios russos estavam no fundo do estreito de Tsushima, incluindo seus quatro poderosos couraçados. Apenas três pequenas embarcações conseguiram chegar a Vladivostok. Rozhestvensky foi gravemente ferido e capturado. Togo o visitou num hospital japonês, elogiou sua bravura e a de sua tripulação, mas observou que o sacrifício dos marinheiros da Rússia foi em vão, pois seus navios estavam totalmente ultrapassados.
A batalha de Tsushima efetivamente pôs fim à guerra. A campanha terrestre na Manchúria e a Batalha de Mukden também precipitaram a derrota final da Rússia. Na época de Tsushima, as duas nações estavam exaustas e desejavam cessar as hostilidades. Sob os termos de paz, Tóquio recebeu a península de Liao-Tung, o reconhecimento pela Rússia de sua importância na Coréia e a promessa da retirada das tropas russas da Manchúria.
Muitos no Japão queriam mais. De fato, ao se saber dos termos, houveram tumultos na capital japonesa. Mas a agitação foi muito maior na Rússia. Em São Petersburgo, o czar atribuiu a derrota histórica à vontade de Deus. Como penitência, prometeu nunca mais residir no Palácio de Inverno. De sua parte, Rozhestvensky tornou-se o rosto da derrota da Rússia em Tsushima. Ele se demitiu do serviço e morreu de ataque cardíaco em 1909.
A guerra deixou a Rússia destruída. Eclodiram tumultos por comida em 1905, agravados pelo assassinato de civis desarmados pela cavalaria russa, o que aprofundou a crescente hostilidade dos camponeses em relação ao czar e à aristocracia. A monarquia russa sobreviveu, mas o ressentimento da classe pobre persistiu por anos.
Nicolau conseguiu reacender o fervor patriótico na eclosão da Grande Guerra de 1914, mas as profundas divisões e o sofrimento do povo estavam latentes e explodiriam novamente na Revolução de 1917, destruindo para sempre os Romanov. A impressionante vitória final do Japão impulsionaria a nação emergente tanto para o autoritarismo quanto para o militarismo, e eventualmente culminaria num confronto com os Estados Unidos pelo controle do Pacífico.
Destaques da Batalha de Tsushima
- Isoroku Yamamoto, o futuro almirante japonês que planejaria o ataque a Pearl Harbor e comandaria a Marinha Imperial Japonesa durante grande parte da Segunda Guerra Mundial, serviu como um jovem oficial subalterno a bordo do cruzador Nisshin e foi ferido durante a batalha, perdendo dois dedos da mão esquerda;
- Tsushima foi a última vez na história das batalhas navais em que navios de linha de uma frota derrotada renderam-se em alto-mar;
- Foi a primeira batalha naval em que a radiotelegrafia desempenhou um papel importante;
- Foi a única batalha naval decisiva combatida com couraçados de aço na história naval;
- É considerada a batalha que marca o início da guerra eletrônica.
Referências
- Guerra no Mar: Batalhas e Campanhas Navais que mudaram a História, Editora Record, de Armando Vidigal e Francisco Alves de Almeida.
- Tsushima! — The Battle That Sank Imperial Russia’s Navy (Ron Singerton – Militaryhistorynow.com).
- On This Day In History: Battle of Tsushima Was Fought (Ancientpages.com).
- Batalha de Tsushima (Wikipedia.com).
- Battle of Tsushima (Wikipedia.com).
- Royal Museums Greenwich – Battle of Tsushima (www.rmg.co.uk).
*Albert Caballé Marimón é fotógrafo profissional e editor do Blog Velho General. Atua na cobertura de eventos tendo trabalhado, por exemplo, na Feira LAAD, no Exercício CRUZEX e na Operação Acolhida em Roraima. É colaborador do Canal Arte da Guerra e da revista Tecnologia & Defesa. E-mail: caballe@gmail.com.
Não conhecia os detalhes da campanha marítima.
Excelente matéria, me fez pesquisar alguns das informações e nomes citados.
Obrigado!!!
Eu é que agradeço o prestígio!
Excelente artigo!
Muito obrigado!
Excelente matéria….
Parabéns….
Muito obrigado!
Caramba, que história! Não tinha ideia decque tinha sido tão complexa e desastrosa para a marinha Russa. E qto a parte da “,guerra eletrônica”, fiquei curioso por mais detalhes. Parabéns!
Obrigado Beto!
Parabéns pelo texto. Muito gratificante ver bons textos de História Militar feito por brasileiros.
Muito obrigado pelo feedback!
Eu tenho um livro brasileiro dessa época, editado em Paris em 1911. O título é “Porto Arthur e Tsushima”, do Comandante Souza e Silva. Tem fotos dos navios, da região etc. Tem também uma entrevista com um almirante russo.
Excelente, uma relíquia.
excelente artigos o velho general + a arte da guerra vieram para agregar valores para os que gostam de conhecimentos gerais do mais diversos
Muito obrigado Fabio. Comentários como o seu nos animam a continuar. Grato por nos acompanhar, Forte abraço!
Se o almirante destroi o moral da tropa daquele jeito o que esperar dela?
Complicado! Essa operação começou já muito errada. Forte abraço!
Indico a série “Os Últimos Czares”, fala sobre essa batalha. Até a figura mística de Rasputin é suscitada na série. Vim aqui pesquisar exatamente por isso. Abs!
Essa série é realmente muito boa, Bianca. Obrigado pela recomendação, forte abraço!