
Grupos armados controlam territórios, corações e mentes, da Colômbia ao Brasil; este cenário, onde grupos não-estatais impõem regras e manipulam a percepção, é amplificado pela guerra cognitiva e analfabetismo funcional; urge entender e não normalizar.
Em determinada cidade, jovens de tenra idade portando fuzis de assalto vigiavam quem adentrava naquela localidade. O aviso, pichado em uma parede, é bem claro: o condutor e os passageiros de qualquer veículo que adentre aqueles “domínios” (mesmo os moradores) devem baixar os vidros (caso contrário, podem ser alvo de disparos). Regras foram impostas e a penalização para quem não as cumpria era dura e imediata. Talvez, no nosso imaginário, fosse algum bairro ou favela de alguma cidade brasileira com forte presença de criminosos, realidade que, infelizmente, se apresenta em diversos pontos do território nacional. Na verdade, trata-se da Colômbia (cidade de Coríntio) e o aviso partiu das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo.
O mundo, de fato, apresenta certas similaridades, problemas (e causadores de problemas com conduta relativamente idêntica), bem como uma imensa massa humana que tão somente quer viver em paz, cumprindo regras que deveriam partir do Estado (e não de grupos insurgentes ou organizações criminosas). O mesmo Estado que deve suprir, mesmo que minimamente, aspectos importantes da vida cotidiana como os afeitos à área da saúde, educação e segurança (e ordem) pública, sob pena de ser falho (ou, em alguns casos, designado como Estado Falido). Existem prioridades que abrangem a maioria, antes que o restante possa ser atendido.
Antes de tudo, apesar de muitas publicações da mídia leiga exaltarem a respeito da “desmobilização” e do processo de paz que envolveu as FARC-EP, elas ainda existem (inclusive com o mesmo nome). A Fundación Conflict Responses (CORE) esclarece que, nos idos de 2020, identificou 29 grupos dissidentes das FARC que se encontram agregados em diferentes estruturas sob as mais diversas lideranças. Por sinal, essas dissidências surgiram exatamente após o acordo de paz. Segundo a CORE, (as dissidências) podem ser classificadas como aquelas que são coordenadas por ex-comandantes das FARC, aquelas com objetivos específicos (como o controle de territórios, participação ativa em atividades econômicas ilícitas, a saber, mineração ilegal e tráfico de drogas, entre outras) bem como a continuidade da luta armada, dissidências onde ocorrem vínculos ou parcerias com outros atores armados não-estatais (como o Exército de Libertação Nacional ou o Clã do Golfo) e dissidências com diferentes níveis de organização (desde estruturas mais centralizadas e com maior contingente até pequenas frações autônomas).
A situação das dissidências é dinâmica e complexa. De qualquer forma, ainda há a “Ala FARC-EP” subordinada à Segunda Marquetalia (SM). Diferente desta, o Estado Mayor Central (EMC), a partir de 2021, passou por um processo onde buscou ampliar sua área territorial de influência e consolidação. Em 2021, a CORE contabilizou 14 “unidades” que integravam o EMC. Já em 2024, eram 26. Para informações complementares sobre o tema, sugerimos a leitura do artigo O Alto Preço da Soberania: Fronteira e Insurgência, publicado no Velho General em 3 de dezembro de 2024.

Como pessoas (principalmente jovens), portando fuzis, acabam controlando a circulação de cidadãos para que estes possam chegar às suas casas, quer seja na Colômbia, no Brasil, no México ou em qualquer outro lugar do mundo? Como foram convencidos a integrar ou, mesmo, a permanecer em grupos insurgentes ou criminosos? O que os motivou a integrar gangues e, mais ainda, como existem os que admiram tal conduta ou com elas coexistem voluntariamente (sem se importar com uma maioria que gostaria tão somente de chegar tranquilamente em suas residências e lá poder descansar, sem ter que conviver com atores não estatais armados até a alma ou mesmo com o barulho infernal de eventos, como os “bailes funk”, onde sequer uma ambulância consegue chegar para socorrer um parente enfermo de algum morador)?
Compreender alguns aspectos dos mais diversos campos de batalha no mundo se mostra crucial hoje. Se é importante (aliás, imprescindível) as “botas no terreno” para que o Estado possa fazer sua parte, mantendo a ordem e segurança pública, a paz, fazendo cumprir o regramento vigente em uma nação, também é adequado lembrar que uma guerra ocorre em vários ambientes ou domínios. Deixar de operar em alguns deles significa ser um alvo passivo que pode afetar, por exemplo, a estabilidade — e até que se compreenda isso e ocorram medidas efetivas, o custo será extremamente alto, restando lições que devem ser aprendidas e jamais esquecidas. Se terra, mar e ar são “ambientes” onde podem ocorrer combates e operações militares, não se pode esquecer a idêntica importância dos domínios cibernético e espacial, bem como da própria mente humana e, com ela, a opinião pública, a cultura, as percepções pessoais, valores e condutas.
Tão importante quanto o ambiente físico, a mente humana é, atualmente, um dos principais cenários onde pode ocorrer o empenho de diversos atores (estatais ou não). É o Sexto Domínio de guerra.

Uma tradição (para não utilizar o termo método de difusão/propaganda) durante a Revolução Russa, na guerra civil que ocorreu e na manutenção do novo regime imposto, eram os cartazes. Entendiam perfeitamente a necessidade da propaganda e dos meios para que fosse levada a efeito. Eles (os cartazes) possuíam uma peculiaridade: além das imagens impactantes, coloridos e chamativos, muitos tinham pouco ou nenhum texto. O motivo era simples: destinavam-se ao público analfabeto (que era expressivo). A imagem, por si só, traria uma mensagem (força, união, fomentar o sentimento de pertencimento, luta etc.).
Com o passar das décadas, surge outra circunstância a ser levada em conta, independentemente do local, que é o analfabetismo funcional. Se hoje a interpretação de texto é um problema para muitos, talvez o cartaz da era soviética possa ser substituído por uma única palavra (talvez duas) repetida à exaustão, incorporada no cotidiano, acompanhada de uma interpretação (ou direcionamento conforme o caso e, principalmente, o interesse). Pequenos vídeos podem cumprir, também, o mesmo propósito.
Apenas para reforçar a questão do analfabetismo funcional, cito uma fonte (das várias que podem ser pesquisadas por qualquer pessoa): o United Nations International Children’s Fund (oficialmente, United Nations Children’s Fund, ao tornar-se parte permanente da ONU) – UNICEF, o Fundo das Nações Unidas para a Infância. Conforme expôs sobre o Brasil em maio de 2025, por intermédio de um indicador (INAF, Indicador de Alfabetismo Funcional), contatou-se que 29% dos brasileiros, de 15 a 64 anos estão nessa condição (analfabetos funcionais), mesmo patamar verificado em 2018. Conforme elucida:
“Os níveis de alfabetismo são definidos a partir do desempenho em um teste que aborda situações presentes no cotidiano dos respondentes, considerando tanto habilidades relacionadas a textos — chamadas de letramento — quanto aquelas relacionadas aos números, designadas como numeramento.” (Fonte: Analfabetismo funcional não apresenta melhora e alcança 29% dos brasileiros, mesmo patamar de 2018, aponta novo levantamento do INAF – UNICEF)
Os números são preocupantes. Extremamente preocupantes. Dentro da pesquisa, somente 10% foram considerados proficientes e 25 % como intermediários. Foram considerados analfabetos 7%, rudimentares 22% e, o grupo majoritário, como “elementar”, 36%. Se o grupo considerado como analfabetos funcionais (que engloba os que foram classificados como analfabetos e rudimentares é relevante), estar um pouco acima, na classificação elementar, não é exatamente um elogio ou uma vitória. Trata-se do básico do básico. Foram considerados analfabetos funcionais 78% daqueles que se encontravam (ou estudaram até) o Ensino Fundamental I (1º ao 5º ano), 43% daqueles do Ensino Fundamental II (6º ao 9º ano) e, se somarmos aqueles que foram classificados como analfabetos funcionais ou alfabetismo elementar no Ensino Secundário, chegaremos a 62%.
Assim sendo, é presumível que, com isso, a capacidade de compreensão a respeito de alguns cenários (ou mesmo a projeção de cenários, da percepção da intenção de eventuais mensagens recebidas das mais diversas formas e do propósito final destas, entre vários outros pontos) possa ser deficiente. Recordemos que a mente humana é considerada o sexto domínio de guerra. Isso pode ser considerado um aspecto importante, em um cenário de Guerra Híbrida, onde determinado ator, em projeto de longo prazo, possa ter como objetivo algum alinhamento, ou melhor, aliciamento ideológico (o que de fato é o exposto por diversos autores como Ion Mihai Pacepa, Ladislav Bittman, Yuri A. Bezmenov, entre outros, bem como, atualmente, de forma extremamente elucidativa quanto ao efeito de ações de Guerra Híbrida / desestabilização / desinformação, Alexandre Antunes Ribeiro, no excepcional livro O Front Interno).
Mas, e se (hipoteticamente falando) além das conhecidas Operações de Propaganda, da penetração de valores e condutas no cotidiano (sendo determinado o público-alvo), da inserção destes mesmos valores paulatinamente em áreas fundamentais e estratégicas (política, educação, gestão pública etc.) com forte carga ideológica onde, eventualmente, alguns atores enxerguem que criminosos, por exemplo, devam ser recebedores de inúmeros esforços para sua “reinserção” na sociedade (o que vai da visão do garantismo na área jurídica e da legislação que não inibe condutas delituosas, bem como a própria tolerância em relação a estas, ou mesmo admiração em relação aos que cometem crimes, como se “ousados revolucionários” fossem, sendo a questão das vítimas relegadas ao esquecimento), que criminosos extremamente organizados e violentos, enxergassem esse cenário de “forma macro”? Que, além da imposição de regramento próprio onde dominam (exercendo efetivamente a governança em localidades onde como pragas permanecem), passem a interferir, além da rotina, nos aspectos psicológicos da população? Na cultura, na música, na conduta, em sua aceitação. Podemos citar um exemplo: o famigerado Clã do Golfo (ou Exército Gaitanista da Colômbia).

Em junho de 2025 foi divulgada a existência de “escolas de doutrinação” para jovens, como uma iniciativa promovida pelo Clã do Golfo.
Tendo estabelecido o controle territorial (e, principalmente, social) na região da bacia do Rio Atrato, tal fato demonstra ser uma notável (e ao mesmo tempo triste) demonstração de governança por um ator não-estatal, até pela quase inexistente presença e ação de forças do governo colombiano, nas suas mais diversas esferas (adequado fazer um paralelo com o que ocorre em inúmeras “comunidades” brasileiras ou mesmo em municípios na região de fronteira). O que é fato: aumentaram os casos de violência sexual. Sendo um grupo poderoso, aplica seu próprio regramento pela força, pratica a extorsão, cobra aluguéis ilegais, sobretaxa produtos (novamente, um paralelo com a ação de grupos criminosos que agem em comunidades cariocas), tenta cooptar lideranças locais (ou literalmente as elimina), cria dependência econômica e busca “educar” a população local para galgar algum tipo de status político. É o que fica evidenciado em reportagem da jornalista Cindy Morales Castillo (El Espectador), bem como no relatório publicado pelo CINEP – Programa Paz, intitulado EGC em el Chocó: Violencia, Poder y Miedo. Se não fosse suficiente, tão preocupante quanto, continua sendo o alistamento de jovens (particularmente de origem indígena) por intermédio das escolas de doutrinação. Como exposto no relatório, com a criação de escolas de formação política e militar, ocorrem “aulas” ministradas por profissionais das áreas de ciências sociais e direito (étnico, particularmente).
Trata-se de uma estratégia para a construção de uma “massa social” e legitimar a governança do território ocupado. Naquela região, este será o acesso à educação. Será o processo de aquisição de conhecimento, valores, condutas e habilidades que moldarão aqueles indivíduos. Considerando a participação de profissionais, o governo deveria ser duramente questionado em relação a qualquer forma de plano (de Estado no caso, ou seja, de longo prazo, o que transcende governos) para eliminar ou, ao menos, mitigar o que ocorre, principalmente levando em conta os autores das iniciativas e seus propósitos. Não é possível considerar algo normal, calar-se a respeito, bem como partir para longos debates demagógicos, pautados na ideologia. O que ocorre deveria afetar imensamente a opinião pública, que forçaria a implementação de medidas críveis, exequíveis e efetivas.

Os eternos debates e mais debates para discussão de temas importantes.
Um livro interessante a ser consultado é A Espiral do Silêncio (de Elisabeth Noelle-Neumann, que teoriza a respeito de comunicação de massa e ciência política). Normalmente os mesmos debatedores, com os mesmos temas, com os mesmos grupos de apoio presentes (similaridade de valores e propósitos), com qualquer um que tenha um posicionamento contrário sendo imediatamente calado ou incentivado a se calar. Como resultado, continua-se com as mesmas “soluções” para os mesmos problemas, em um círculo perpétuo de debate, dissociado da realidade prática (ao menos da maioria), onde uma imensa massa de cidadãos continua a sofrer, por exemplo, com a expansão da criminalidade (em áreas, inclusive, como a cultura, ou melhor, narcocultura, aspectos de interpretação jurídica, gestão e direcionamento do erário público, enfraquecimento do aparato estatal etc.).
Recordemos, então, de um termo: ignorância pluralística.
Se pequenos grupos barulhentos continuam a impor suas ideias em ambientes onde qualquer outro posicionamento é imediatamente refutado e ridicularizado, se o que é pautado por esses grupos é exposto de maneira intensa em redes sociais, publicações, propaganda, ambiente acadêmico, discursos, mesmo que as conclusões, propostas e posturas sejam questionáveis para uma maioria (recordando que um dos aspectos da chamada guerra cognitiva é o intenso volume de informações ao qual somos expostos, o que dificulta a efetiva constatação da veracidade em um primeiro momento e, menos ainda, do propósito embutido nestas mesmas informações, bem como em sua difusão naquele exato momento), então aquela parcela silenciosa e por vezes majoritária que recebe a informação, simplesmente se cala e aceita (por achar que aqueles que se posicionam são maioria, o que, de fato, não são).
Uma pequena e extremamente importante nuance diferencia as chamadas Operações de Informação com a Guerra Cognitiva. Na primeira, importa a qualidade da informação, a forma com que é enviada ao público-alvo e, preferencialmente (na verdade necessariamente), a velocidade com que chega a este (o viés de ancoragem, considerando a tendência de fixarmos a primeira informação que nos chega). Na Guerra Cognitiva a veracidade da informação em sua totalidade não é tão relevante e, menos ainda, a exposição do verdadeiro propósito pelo qual é emitida, bem como a postura esperada (pelos emissores) a ser adotada pelo público-alvo.
Imaginemos, então, um ciclo eterno de debates (por exemplo, sobre segurança pública), onde é exposto de forma intensa um mesmo posicionamento por grupos de pessoas, onde opiniões divergentes não são bem recebidas e os emissores destas são calados (sendo satirizados, menosprezados ou taxados de intolerantes, por exemplo), ajudando a promover um ambiente de intensa polarização e, para essa “guerra informacional”, haver ainda um ponto interessante a considerar: o analfabetismo funcional relevante. Em uma época em que poucos se propõem a realmente estudar sobre um tema antes de ter uma convicção (e ainda mais importante, emitir uma opinião), onde aquele que lê vários livros (inclusive de autores com posicionamentos divergentes, o que é adequado para, afinal, ter uma conclusão pessoal), é uma verdadeira exceção, onde muitos possuem dificuldade para minimamente interpretar um texto (conforme demonstrou a UNICEF), em que a maioria das consultas a respeito de algum assunto são efetuadas (e saciadas) nas poucas linhas de algum site de busca, tentem então imaginar o impacto prático disso na situação política e da vida cotidiana de um país.
Como disse um jornalista pelo qual nutro grande admiração e gratidão, se for abordado o tema subversão hoje, é possível que uma maioria considere isso uma infantilidade pautada no passado ou um delírio (apesar de autores como Bezmenov antes, bem como Ribeiro hoje, demonstrarem exatamente o contrário). Não se trata do passado somente, mas, de como um método foi implementado paulatinamente, das frentes atingidas no decorrer do tempo, do resultado apresentado e do uso de meios para potencializar tais resultados, muitas vezes sem que possa ocorrer “resistência” eficaz. Em A Guerra Além dos Limites, Qiao Liang e Wang Xiangsui, ambos oficiais superiores da Força Aérea do Exército de Libertação Popular da China falam sobre isso. Um aspecto ainda mais importante a considerar: no decorrer de gerações, com o passar do tempo, provavelmente poucos vão perceber que uma ação artificial acabou moldando seu pensamento. Torna-se, pura e simplesmente, sua conduta habitual. E só.
Quem poderia ser um dos maiores beneficiados do analfabetismo funcional e do intenso ambiente informacional hoje? Um deles, certamente, é o crime organizado (independente das diversas designações acadêmicas a respeito do mesmo). Afinal, o criminoso, o narcoterrorista, o insurgente de ontem, pode se transformar no ídolo intensamente admirado de hoje. O que antes era um fracassado radical, hoje pode se tornar um “modelo” de opinião, ousadia e conduta. Um influenciador na acepção da palavra. Ao menos de alguns. Penetram em corações e mentes por meio de músicas (que tal lembrar dos narcocorridos ou das letras do funk que atravessam as madrugadas nas comunidades), de demonstrações de força, desrespeito ao regramento vigente, poder (inclusive econômico e sua ostentação), da intensidade da vida que possuem. De pouco se importar com a vida e com a morte alheias.

LIVRO RECOMENDADO:
O front interno: As desordens públicas como armas de guerra
• Alexandre Antunes Ribeiro (Autor)
• Edição português
• Kindle ou Livro cartonado
Apenas uma conjectura: os cartazes soviéticos, para atingir a mente das massas, talvez tenham dado lugar a outros veículos hoje, nos mais variadas formas e locais. A música, vídeos reproduzidos por milhões de pessoas (alguns com posicionamentos expostos para influenciar a opinião, outros tão somente com meras danças de gosto duvidoso e exposição do corpo, para se atingir alguma notoriedade, também duvidosa), a intensidade das experiências em um baile funk ou, considerando o analfabetismo funcional e o ambiente de guerra cognitiva, simples palavras que são repetidas à exaustão, que podem adotar diversos contextos. Palavras que são repetidas para atingir nossos corações e podem, conforme o emissor, apresentar um contexto não exatamente idêntico ao que significam na mera pesquisa em um dicionário. Empatia (“é preciso ter empatia”), justiça social, resistência, fascista (no caso de opinião divergente, bem como comunista, caso o interlocutor seja outro), reparação, tolerância, entre várias outras.
Palavras podem ser utilizadas em diversos contextos. Principalmente em ambiente de guerra híbrida, com a intenção de que aquele nobre sentimento seja utilizado para, por exemplo, submeter aos demais à vontade de alguns poucos (ou que estes sejam ao menos tolerados e respeitados em suas convicções). Caso você não faça o que alguém quer, você não tem empatia alguma (mesmo que aquilo que é exigido, jamais fosse feito por aquele que se acha no mérito de recebê-lo). Transcende a mera concepção de “respeito” ou “educação”. É preciso ser resistência aos “fascistas” (ou “comunistas” conforme o caso).
É a justiça social que deve prevalecer (para determinados grupos, mesmo que outros, tão merecedores quanto, permaneçam de fora). O cartaz da era soviética (sendo referido nesse momento como meio de propaganda/operação de informação), em seu objetivo, dá seu lugar ao vídeo ou à massificação do uso de uma única palavra, por vezes (depende da intenção do emissor, que pode fazê-lo sem qualquer outra intenção que não o de expressar puramente o que sente, bem como por aqueles que dominam diversas formas e métodos para atingir um público-alvo, tendo um objetivo bem definido para isso, mesmo que eventualmente de longo prazo).
O grande aliado da guerra híbrida, além do analfabetismo funcional, é a intensa atividade informacional (multiplicada pelas redes sociais). Cuidadosamente pensando, principalmente, que sentimento transmitir e despertar no público-alvo. Alterar condutas. Tornar algo permissível ou, ao menos, tolerável. Talvez, “explicável”. Fazer algo se tornar “rotina”.
Em uma notícia antiga, que podemos consultar na Biblioteca Digital do Senado Federal, lemos que um expressivo contingente de integrantes de um determinado movimento social brasileiro, poderia ter recebido treinamento de insurgentes colombianos. Aquele que fez tal afirmação, ainda teria exposto que “revolução se faz pela educação, não com esses métodos”. Apesar da grave denúncia e de ter sido instrumentalizada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que inclusive quebrou o sigilo bancário e fiscal de entidades, os trabalhos foram paralisados por parlamentares ligados a este movimento social, que impetraram uma ação e obtiveram liminar da Suprema Corte brasileira. É o que cita a notícia que se encontra no sítio eletrônico oficial do Senado (Institucional/Biblioteca Digital: https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/306671).
Por mais que tenhamos um viés ideológico distinto, concordo plenamente com a afirmação daquele que promoveu as informações ao Senado. Revolução se faz pela educação.

Se a educação (e, entre diversos seus aspectos, respeitada a pluralidade e características específicas do público ao qual se destina) realmente é o pilar fundamental para uma sociedade, devemos considerar que alguns pontos, sob nenhuma hipótese, devem ser — utilizando os termos atuais —, relativizados, normalizados ou romantizados. Educação, bem como as mais diversas formas de cultura. Cultura: a expressão de um povo. A identidade da sociedade.
Não é cultura alguma ou expressão de qualquer forma, permitir que menores de idade (algumas com 12 ou 13 anos) se deitem em tábuas, durante bailes funk, para se relacionarem fisicamente com diversos parceiros aleatórios (eventualmente com a conseguinte gravidez não planejada). A única expressão disso é a da falência moral de todos aqueles que consideram aceitável ou mesmo tolerável tal prática, ou criam condições para que ocorra, e da narcocultura. Prática também chamada de “roleta russa” se faz acompanhar de outros “valores” expostos em música, consumo de drogas ilícitas, álcool, violência e condutas. Não se pode ter tolerância com quem promove, difunde ou apoia. Não é normal crianças de 12 anos portarem fuzis (tanto na selva colombiana como integrando grupos de traficantes brasileiros) e menos ainda vê-las em ambientes como bailes funk (havendo a adesão e presença de pessoas que não moram nesses locais, mas que buscam a intensidade do que lá é ofertado). A desordem social e o desordenamento urbano não possuem nada de romântico. Pelo contrário. Não é algo a “normalizar”, “relativizar” etc.
Sugerimos a reflexão a partir dos artigos publicados no Velho General, Insurgência e Insurgência Criminal: A Última Linha de Defesa e Como Chegamos a Este Ponto?.
Após o processo de paz na Colômbia, em relação a grupos insurgentes, ocorreu ainda um intenso recrutamento de crianças (os números apresentados foram considerados extremamente subestimados em relação à realidade, tendo a ONU exposto que 600 crianças teriam sido recrutadas por gangues ou grupos insurgentes apenas nos três anos que se seguiram ao acordo de paz). Sem acesso ao básico e incapazes de compreender o discurso que se apresenta, acabam por enxergar uma “oportunidade”. Sim, existe também o “alistamento” forçado (na acepção da palavra). Mas devemos também fazer um paralelo com o que ocorre em vários pontos do território nacional, mesmo nas grandes cidades. Por sinal, tais grupos colombianos possuem parcerias com diversos outros mundo afora, inclusive organizações criminosas brasileiras.
É interessante assistir ao filme Monos, Entre o Céu e o Inferno (2019, direção de Alejandro Landes). Jovens portando fuzis, pertencentes a uma “organização” (guerrilheira), mantendo uma refém norte-americana na selva. Tentar avaliar o motivo pelo qual se “alistaram” e o que fazem na “organização”, sentimento de pertencimento, questões de ato e consequência, a permanência nesta (se é que compreendem realmente no que estão engajados) e o “protagonismo” que presumem ter, talvez sirva para pensarmos nos três recados, pichados em paredes, com idêntica mensagem, no início do texto. Locais distintos, atores diferentes e conduta similar.
Encerrando, proponho (apenas para reflexão) uma pergunta: como, durante quanto tempo e por quem estaria havendo atuação com foco no sexto domínio de guerra para que muitas coisas sejam toleradas, “explicadas”, relativizadas ou romantizadas?
Afinal, não é possível sentir “empatia” por tudo ou por todos.








