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Imagem gerada por inteligência artificial.

Por Edilson Moura Pinto e Rodolfo Queiroz Laterza*

Imagem gerada por inteligência artificial.

Guerra Cognitiva é uma ferramenta poderosa, e resistir a ela requer a promoção de uma cultura de questionamento e análise, visando mitigar seus efeitos e proteger a integridade das sociedades democráticas.


A Guerra Cognitiva, definida como o sexto domínio dos conflitos modernos, ao lado do terrestre, marítimo, aéreo, espacial e cibernético, tem ganhado destaque no cenário geopolítico contemporâneo. Este fenômeno envolve a manipulação psicológica e informacional para influenciar percepções, comportamentos e decisões, tanto em nível individual quanto coletivo.

Esta nova modalidade de operação em conflitos como o da Ucrânia, iniciado em 2014 e intensificado em 2022, serve como estudo de caso paradigmático para entender como a chamada “Guerra Cognitiva” é operacionalizada, bem como quais os seus impactos na sociedade global.

Este artigo busca analisar, de forma pedagógica para os leigos, os mecanismos da Guerra Cognitiva, suas técnicas, e os efeitos observados no contexto ucraniano. Para isso, serão apresentados dados, tabelas e discussões que ilustram como a manipulação da informação e a subversão ideológica são utilizadas como ferramentas de poder.

Estudos sobre Guerra Cognitiva são amparados por diversas correntes acadêmicas e modelos teóricos que analisam desde os processos psicológicos individuais até estratégias geopolíticas e tecnológicas.

A Tabela 1 a seguir apresenta as correntes acadêmicas suas abordagens e convergências e divergências.


TABELA 1: Correntes acadêmicas sobre a guerra cognitiva.

Essa estrutura permite uma visão mais clara sobre os diferentes campos acadêmicos que analisam a Guerra Cognitiva, destacando tanto os pontos de consenso quanto as áreas de debate. Para a elaboração deste artigo utilizou-se uma abordagem multidisciplinar, pautada nas três correntes elencadas na tabela acima.

Para tal foram analisados aspectos da Psicologia Cognitiva como base para explicar os efeitos da manipulação psicológica, vieses cognitivos e como indivíduos são influenciados pela Guerra Cognitiva. Isso apareceu nos textos sobre gaslighting, manipulação emocional e vieses cognitivos.

Também foram avaliadas as bases da comunicação e mídia, que serviram para analisar a disseminação de desinformação, o impacto das câmaras de eco e a forma como narrativas são amplificadas por meios de comunicação e redes sociais. Esta abordagem é a considerada central nos textos sobre propaganda e guerra de narrativas.

Por último, estudos de segurança e defesa foram utilizados para contextualizar a Guerra Cognitiva como parte de estratégias militares e de inteligência. Essa por sua vez, esteve presente na discussão sobre o uso da Guerra Cognitiva na geopolítica, especialmente no caso da Ucrânia e Rússia.

Conceito base

A Guerra Cognitiva é um conceito relativamente novo na terminologia militar, mas suas raízes remontam às operações psicológicas (PsyOps) e à propaganda de massa. Ela se baseia na ideia de que o controle da percepção e do pensamento humano pode ser tão decisivo quanto o controle do campo de batalha físico. Por exemplo, a OTAN e outras potências ocidentais têm classificado a Guerra Cognitiva como um domínio essencial dos conflitos modernos, ao lado dos domínios tradicionais.


TABELA 2: Domínios dos Conflitos Modernos.

Nesse sentido as operações psicológicas cognitivas são implantadas por meio de técnicas que exploram vieses cognitivos, como ancoragem (tendência a confiar na primeira informação recebida) e viés de confirmação (tendência a buscar informações que confirmem crenças pré-existentes). Esses vieses são amplificados pela instantaneidade das mídias digitais, que permitem a disseminação rápida e maciça de informações, muitas vezes sem dar ao indivíduo a possibilidade de verificação da informação.

Guerra Cognitiva no conflito ucraniano

O conflito na Ucrânia tem sido um campo fértil para a aplicação da Guerra Cognitiva. Desde o Euromaidan em 2014, a Ucrânia tem sido alvo de uma intensa campanha de desinformação e manipulação psicológica, por ambos os lados do conflito.

Porém, a mídia mainstream desempenhou um papel crucial na construção de narrativas que favoreceram uma visão unilateral do conflito. Por seu lado, a Rússia utilizou táticas de desinformação para minar a coesão social e a legitimidade do governo ucraniano.

A guerra de informações entre a Ucrânia e a Rússia tem sido marcada por diversas alegações que, posteriormente, acabam sendo contestadas ou desmentidas. Dentre elas pode-se citar as que são apresentadas na tabela que segue.


TABELA 3: Eventos geopolíticos, narrativas e contra-argumentações.

Técnicas de manipulação

Diferente das guerras convencionais, esse tipo de confronto ocorre no campo mental, utilizando estratégias que afetam em primeira medida as percepções e as emoções. Entre as técnicas mais comuns dessa abordagem, destacam-se o gaslighting, a criação de medos, a manipulação emocional e o uso de “câmaras de eco” e “bolhas de filtro”.

Gaslighting: distorção da realidade

O termo gaslighting refere-se a uma forma de manipulação psicológica na qual uma pessoa ou grupo induz outra a duvidar da própria percepção, memória ou sanidade. Essa técnica de abuso emocional pode ocorrer em relações interpessoais, ambientes de trabalho, política e outras esferas sociais, levando a vítima a um estado de confusão e vulnerabilidade.

O objetivo do gaslighting é minar a autoconfiança da vítima, tornando-a dependente do manipulador para interpretar a realidade.


TABELA 4: Estratégias Utilizadas no gaslighting.

TABELA 5: Estratégias de barreiras contra o gaslighting.

Exemplo de gaslighting na política

Um exemplo clássico de gaslighting ocorreu no governo de Richard Nixon nos Estados Unidos, durante o escândalo de Watergate. Nixon e sua administração negaram persistentemente qualquer envolvimento no caso, apesar das evidências crescentes.

Eles desqualificaram jornalistas e políticos que investigavam o escândalo, acusando-os de paranoia e perseguição injusta. No entanto, conforme as provas foram sendo reveladas, a realidade dos eventos veio à tona, resultando na renúncia de Nixon em 1974.

Criação de medos: ameaça para controle

A criação de medos exagerados é uma técnica amplamente usada para justificar a adoção de medidas drásticas, seja no âmbito político, social ou militar. Durante a Guerra Fria, por exemplo, ambos os blocos exploraram o medo de um conflito nuclear iminente para justificar corridas armamentistas e medidas repressivas internas.

Um exemplo mais recente é o uso da segurança nacional como justificativa para ampliar a vigilância digital e restringir liberdades civis.

O contraponto a essa estratégia está na transparência e no debate público. O acesso a informações verificadas e a conscientização sobre estratégias de manipulação são formas eficazes de evitar que o medo seja explorado para fins políticos ou ideológicos.

Manipulação emocional: influência pelos sentimentos

A manipulação emocional ocorre quando emoções são exploradas para influenciar decisões e comportamentos. Um caso clássico é a propaganda de guerra, que utiliza imagens e discursos emocionais para mobilizar a população em favor de conflitos armados.  Em geral imagens de crianças, idosos feridos e até animais de estimação em situações desfavoráveis.


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Atualmente, políticos e grupos de influência utilizam narrativas de vitimização e polarização para angariar apoio popular. Um exemplo emblemático que remete ao conflito na Ucrânia foi o suposto “massacre de Bucha”, amplamente divulgado pela mídia ocidental como uma atrocidade cometida por tropas russas. No entanto, investigações independentes levantaram dúvidas sobre a veracidade das alegações, sugerindo que o evento pode ter sido utilizado como ferramenta de propaganda para justificar sanções e apoio militar à Ucrânia.

O pensamento crítico e a reflexão racional são essenciais para se impedir este tipo de ataque. A educação midiática e o incentivo à análise baseada em fatos são estratégias eficazes para evitar que emoções sejam manipuladas em prol de interesses escusos.

Câmaras de eco e bolhas de filtro: o enclausuramento informacional

Câmaras de eco e bolhas de filtro são fenômenos que ocorrem quando indivíduos são expostos apenas a informações que reforçam suas crenças preexistentes, dificultando o debate e o pensamento crítico.

As redes sociais são um exemplo emblemático desse fenômeno, uma vez que algoritmos são projetados para mostrar conteúdos que confirmam os interesses do usuário, minimizando a exposição a perspectivas diferentes.

Em geral o indivíduo busca informações que confirmem suas convicções e atestem suas certezas sobre o assunto, mas na maioria das vezes, exclui de suas pesquisas informações que contestem suas certezas, algo muito comum nos dias atuais.

O contraponto a esse problema é a diversidade de fontes de informação. Buscar ativamente opiniões divergentes, consumir conteúdo de mídias independentes e promover o debate aberto são maneiras de escapar dessas bolhas e construir uma compreensão mais ampla da realidade.


TABELA 6: Técnicas de Guerra Cognitiva no conflito da Ucrânia.

TABELA 7: Impactos da Guerra Cognitiva.

No caso da Ucrânia, a Guerra Cognitiva contribuiu para a fragmentação da sociedade ucraniana, com grupos pró-Rússia e pró-Ocidente em conflito aberto. Além disso, a desinformação maciça levou à erosão da confiança nas instituições ucranianas e internacionais, dificultando a resolução pacífica do conflito.

Vieses cognitivos e manipulação psicológica

A Guerra Cognitiva explora Vieses Cognitivos, são atalhos mentais que os seres humanos utilizam para processar informações rapidamente. Esses vieses, embora úteis em situações cotidianas, tornam os indivíduos vulneráveis à manipulação.

Um exemplo notável de sucesso na exploração dos Vieses Cognitivos ocorreu durante a campanha presidencial dos Estados Unidos em 2016. O uso de micro direcionamento nas redes sociais permitiu a disseminação de mensagens personalizadas, explorando vieses de confirmação e reforçando crenças preexistentes. Como resultado, eleitores foram influenciados de maneira altamente eficaz, impactando o desfecho eleitoral.

Outro caso bem-sucedido de manipulação psicológica por meio de Vieses Cognitivos é o marketing comercial. Empresas utilizam o viés da escassez para aumentar a demanda por produtos, criando a impressão de urgência. Estratégias como “oferta por tempo limitado” levam os consumidores a agirem rapidamente sem avaliar racionalmente sua necessidade pelo produto.

Mas há exemplos de insucesso, como o que ocorreu na tentativa de manipulação da opinião pública sobre a guerra no Iraque em 2003. Apesar da propaganda governamental que promovia a existência de armas de destruição em massa, a falta de evidências concretas levou ao ceticismo global e à perda de credibilidade dos envolvidos.

Esse caso demonstra que, quando os Vieses Cognitivos encontram resistência crítica e verificação fática, as técnicas de manipulação podem falhar.


TABELA 8: Vieses Cognitivos Explorados na Guerra Cognitiva.

A exploração desses vieses permite que atores mal-intencionados moldem a percepção pública e influenciem decisões políticas e sociais. Por exemplo, a repetição constante de narrativas sobre a “ameaça russa” levou muitos países europeus a adotarem políticas externas mais agressivas, mesmo na ausência de evidências concretas.

Defesa contra a Guerra Cognitiva

Combater a Guerra Cognitiva requer estratégias múltiplos domínios, que incluem educação, conscientização e o desenvolvimento de ferramentas tecnológicas para verificação de fatos.

A manipulação psicológica e a disseminação de desinformação têm sido utilizadas como estratégias para influenciar opiniões e comportamentos, tornando essencial a adoção de mecanismos de defesa eficazes.

O fortalecimento da educação midiática e do pensamento crítico é uma das formas mais eficazes de defesa contra a Guerra Cognitiva. Ao desenvolver habilidades analíticas, os indivíduos se tornam mais capazes de identificar falácias lógicas, distinguir fatos de opiniões e reconhecer táticas de manipulação psicológica.

Programas educacionais que abordam a alfabetização digital e o uso consciente da informação são fundamentais nesse processo.

A exposição das técnicas utilizadas na Guerra Cognitiva é um fator crucial para minimizar seus efeitos. Campanhas de conscientização, tanto governamentais quanto de organizações não governamentais, ajudam a educar a população sobre estratégias como fake news, vieses cognitivos e bolhas de filtro. Exemplos como o combate à desinformação durante a pandemia da covid-19 mostraram que alertar o público sobre as táticas de manipulação pode reduzir sua influência.

Ferramentas tecnológicas desempenham um papel fundamental na defesa contra a Guerra Cognitiva. Algoritmos de inteligência artificial podem detectar padrões de desinformação, enquanto plataformas de verificação de fatos auxiliam na identificação de notícias falsas. O uso de redes descentralizadas para compartilhar informação também reduz a vulnerabilidade a manipulação centralizada.

A colaboração internacional e iniciativas multilaterais, como acordos entre países para combater a desinformação e a criação de organismos globais de monitoramento, podem aumentar a eficácia na resposta a ameaças cognitivas. A experiência de diferentes nações na regulação da informação pode servir como modelo para outras regiões.


TABELA 9: Estratégias de defesa contra a Guerra Cognitiva.

A educação é a principal arma contra a Guerra Cognitiva. Ao ensinar indivíduos a identificar vieses cognitivos e a questionar fontes de informação, é possível reduzir sua vulnerabilidade à manipulação. Além disso, a regulamentação das mídias sociais e o desenvolvimento de algoritmos transparentes podem ajudar a limitar a disseminação de desinformação.

Conclusão

A Guerra Cognitiva representa uma ameaça significativa à estabilidade social e política no século XXI. O conflito na Ucrânia ilustra como a manipulação da informação pode ser utilizada para distorcer a realidade, polarizar sociedades e justificar ações políticas e militares. Para combater esse fenômeno, é essencial promover a educação, o pensamento crítico e a conscientização, além de desenvolver ferramentas tecnológicas que ajudem a filtrar e verificar informações de forma eficaz.

Sociedades altamente polarizadas e marcadas por narrativas ideológicas que favorecem divisões dicotômicas baseadas em crenças são altamente suscetíveis a processos de desestabilização por ataques cognitivos de massa ou focalizados em grupos especificamente selecionados, principalmente através da exploração do medo, insegurança, angústias e percepções inflamadas por crenças não necessariamente embasadas em fatos ou circunstâncias concretas.

Como sexto espectro de uma guerra centrada em rede e em multidomínio, a Guerra Cognitiva se torna imperativa e fundamental para qualquer planejamento estratégico de guerra e defesa de um Estado-Nação, com relevância igual ou até maior que os demais métodos de condução de guerra.

A análise acadêmica apresentada neste texto demonstra que, embora a Guerra Cognitiva seja uma ferramenta poderosa, a capacidade de resistir a ela reside no fortalecimento da capacidade crítica dos indivíduos e na promoção de uma cultura de questionamento e análise das informações recebidas. Somente através de uma abordagem multifacetada será possível mitigar os efeitos da Guerra Cognitiva e proteger a integridade das sociedades democráticas.


*Edilson Moura Pinto é graduado em Física pela UNESP-Bauru, possui Mestrado em Física pelo IFGW UNICAMP e Doutorado em Engenharia de Materiais pela Universidade de Coimbra, Portugal. É pesquisador e diretor de projetos na SinTech Innovation. Edilson é pesquisador no campo de biomateriais, materiais nanoestruturados, modificação de superfícies, polímeros condutores, sensores para eletroanálise e corrosão metálica. Possui experiência internacional em projetos de pesquisa. É editor-chefe e criador do Plano Brazil e colaborador do Canal Arte da Guerra (ADG).

*Rodolfo Queiroz Laterza é delegado de polícia, historiador e pesquisador de temas ligados a conflitos armados e geopolítica. É pós-graduado em Políticas de Gestão em Segurança Pública e mestre em Segurança Pública. É coautor, entre outros, dos livros “Manual do Delegado: Teoria e Prática” e “Guerra na Ucrânia: Análises e perspectivas – O conflito militar que está mudando a geopolítica mundial”. É responsável pelo Curso de Combate às Organizações Criminosas e à Corrupção, além de palestrante nas áreas jurídica e ciência policial, terrorismo e crime organizado.


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