Relações Pequim-Teerã: divergência em disputa entre Irã e Emirados

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Embarcações da IRGC durante um exercício militar no Golfo Pérsico, próximo a ilhas disputadas com os Emirados, em 22 de abril de 2010 (Mehdi Marizad/Fars News/AFP via Getty Images).

Embarcações da IRGC durante um exercício militar no Golfo Pérsico, próximo a ilhas disputadas com os Emirados, em 22 de abril de 2010 (Mehdi Marizad/Fars News/AFP via Getty Images).

Apesar das boas relações com Teerã, o comércio não petrolífero da China com os Emirados é duas vezes maior do que com o Irã, e a maioria do comércio chinês com a região ocorre através dos portos emiradenses.


A China mais uma vez ignorou a integridade territorial do Irã e, em uma declaração na semana passada, apoiou os esforços dos Emirados Árabes Unidos (EAU) para alcançar uma “solução pacífica” na questão das ilhas Tanb-e-Bozorg, Tanb-e-Kouchak e Abu Musa. Há quatro dias, Pequim assinou mais uma vez uma declaração conjunta com os EAU sobre as três ilhas. A questão que se coloca é por que razão a China não leva o Irã a sério.

Esta declaração conjunta foi emitida no final da visita do presidente dos EAU, Mohammed bin Zayed, na qual, no parágrafo 26, a China declarou que apoia “os esforços dos Emirados Árabes Unidos para alcançar uma solução pacífica para a questão das três ilhas através de negociações bilaterais baseadas nas regras do direito internacional”. Há mais de meio século, após o fim da ocupação destas ilhas pelas forças britânicas e sua saída do Golfo Pérsico, elas foram devolvidas ao Irã.

Na sequência desta posição da China, o Ministério das Relações Exteriores do Irã chamou novamente para o embaixador chinês há dois dias e protestou. Isto ocorreu apesar de Pequim ter adotado a mesma posição no ano passado na declaração final da reunião do Conselho de Cooperação do Golfo Pérsico com Xi Jinping, e o Irã também ter protestado; mas a repetição da posição da China mostra que o protesto anterior não foi suficientemente eficaz. Em dezembro de 2022, a China emitiu uma declaração conjunta com os países do Conselho de Cooperação do Golfo Pérsico, ignorando a integridade territorial e a soberania do Irã sobre as ilhas iranianas e apelou para um esforço para resolver a questão. Escrevi anteriormente sobre isso no Velho General, no artigo Uma terceira via global.

Insistindo em uma posição

Recentemente, em resposta a uma pergunta sobre a objeção do Irã à posição chinesa, o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, Mao Ning, disse em uma coletiva de imprensa: “O conteúdo relevante na declaração conjunta entre a China e os EAU é consistente com a posição da China.” Em palavras mais simples, a China, que é considerada parceira estratégica aos olhos dos governantes do Irã, não só não recuou de uma posição anti-iraniana, como ainda a enfatizou. A Reuters escreveu sobre o assunto: China maintains stance on disputed Gulf islands despite Iran’s anger (“China mantém posição sobre ilhas disputadas do Golfo, apesar da irritação do Irã”).

A China, que busca uma posição segura na região do Golfo Pérsico, comporta-se de forma a manter todos os países satisfeitos consigo mesma e, desta forma, por vezes ignora algumas demarcações.

O atual governo do Irã, que em conflito com o Ocidente, limitou à China e à Rússia o seu círculo de países amigos entre as grandes potências, tem sido agora severamente criticado pela opinião pública. Muitos especialistas no Irã criticaram a expansão ilimitada das relações com a China. Esta é a segunda vez que a China claramente prioriza seus interesses sobre as relações. A China cometerá um erro fatal se apoiar-se no fato de o Irã não poder ter outro aliado exceto Rússia e China, na situação atual, e se considerar satisfatória a presença de pessoas nos órgãos decisórios do sistema iraniano que têm uma estranha inclinação para com a China e Rússia.

O povo do Irã demonstrou nos últimos 80 anos que não irá manter obrigações em relações comerciais unilaterais e coloniais, mesmo que um dos lados fosse a Inglaterra. A história da nacionalização da indústria de petróleo iraniana pelo primeiro-ministro Mohammed Mossadegh e seu sucesso no Tribunal de Haia na anulação de um acordo colonial transmitem claramente esta mensagem. Nesta disputa, a China poderia manter uma posição tal que evitasse qualquer dano à dignidade. Pequim não tem qualquer obrigação relativamente a este litígio para se considerar obrigada a comentar.

O que dizem os críticos

Os críticos dizem, com razão, que o Irã, da última vez, poderia tentar minimizar a importância da posição da China, referindo-se ao comportamento habitual do país em disputas entre outras nações. O Irã poderia apelar ao diálogo direto e à resolução pacífica.

Mas a repetição deste comportamento levanta a séria questão de saber por que a China ainda insiste neste procedimento, em conflito com a sua abordagem tradicional (especialmente no tenso Oriente Médio), de evitar entrar em disputas e desafios entre países e procurar manter uma espécie de equilíbrio, pelo menos no âmbito das declarações.


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A resposta a esta pergunta não é tão difícil. Em primeiro lugar, os chineses consideram este comportamento, mesmo em conflito com sua abordagem no Oriente Médio, como sendo uma boa contribuição para o fortalecimento das suas relações e o aprofundamento dos seus interesses com os EAU e, em segundo lugar, devido à presença de grupos pró-China no governo em Teerã, Pequim não considera isso um perigo grave ou uma ameaça aos seus interesses econômicos. Significa que Pequim acredita que o Irã não tem outra escolha senão manter e expandir suas relações econômicas com a China à sombra de sanções contínuas.

Além disso, hoje os EAU têm muitos interesses reais para a China, mas o Irã tem apenas oportunidades e interesses com muitos obstáculos e desafios internos e externos que impedem a sua realização. Nessa situação, é natural que os chineses prefiram benefícios mais imediatos ao invés de rendimentos prováveis, inclinando-se assim para os EAU. É claro que a natureza das relações econômicas da China com os EAU e o Irã também é diferente; as relações de Pequim com Abu Dhabi são mais fundamentais e profundas, ao nível de investimento e parceria econômica estratégica, enquanto suas relações com Teerã estão em um nível normal de comércio bilateral e troca de mercadorias.

EAU e os benefícios para a China

Os Emirados Árabes Unidos, tem cerca de um décimo da população e um vigésimo da área do Irã, mas trazem mais benefícios para a China do que o Irã. No ano passado, o comércio não petrolífero entre a China e os EAU ascendeu a 81 bilhões de dólares, um número duas vezes maior que o volume do comércio entre o Teerã e Pequim. Além disso, devemos lembrar que 60% do comércio chinês com o Oriente Médio e o Norte de África (cerca de 400 cidades) é feito através dos portos desenvolvidos dos EAU, que transformaram o país no centro econômico da região.

Hoje, os EAU são o primeiro parceiro da China no comércio não petrolífero e o segundo parceiro da China no comércio petrolífero e não petrolífero, depois da Arábia Saudita. A economia dos Emirados também se transformou em uma economia internacional, o desenvolvimento dos seus interesses é mais atraente e tem maior prioridade para a China, mesmo que seja à custa da redução das relações com a economia de Teerã. O fato é que o antiocidentalismo não apenas resultou em sanções e na separação do Irã da economia mundial, mas também reduziu o tamanho da economia iraniana, que passou de primeira no Oriente Médio para uma das menores.

Afinal de contas, “dinheiro” é o principal motor das relações externas chinesas, e eles pendem para onde quer que lhes proporcione mais benefícios com menos problemas. A este respeito, o comércio não petrolífero dos Emirados atingiu o valor sem precedentes de 952,93 bilhões de dólares em 2023; isso significa cerca de sete vezes o comércio petrolífero e não petrolífero do Irã no ano passado! Nesta situação, é claro que a China pretende assumir uma parte relevante deste negócio de um bilhão de dólares e está cedendo às exigências políticas de Abu Dhabi.

É claro que os crescentes interesses chineses nos EAU não são o único componente orientador da política externa da China no fortalecimento das relações com os Emirados. Pelo contrário, isso deve ser visto em um contexto mais amplo. Nas duas últimas décadas, a China deu passos significativos no sentido de expandir suas relações com o mundo árabe e, no processo de revitalização da Rota da Seda, deu especial atenção no desenvolvimento das comunicações com a região. O comércio de Pequim com o mundo árabe aumentou de 36 bilhões de dólares em 2004 para 400 bilhões no ano passado.

Neste sentido, a China tem tentado expandir suas relações econômicas e políticas simultaneamente com três países, Arábia Saudita, Catar e EAU, cada um dos quais lidera um bloco no mundo árabe. É claro que os países árabes, especialmente na região do Golfo Pérsico, também tomaram medidas significativas para expandir suas relações com a China e a Rússia nos últimos anos, o que não é alheio às preocupações com o declínio da influência americana na região.

Voltarei a este assunto em detalhes mais adiante.

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1 comentário

  1. Velho General…
    Sempre que consigo, leio tudo que é postado aqui. Super-parabéns pelo conteúdo.

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