Putin e a guerra em Gaza

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O presidente russo, Vladimir Putin (Georgy Sysoev/ Sputnik).

O presidente russo, Vladimir Putin (Georgy Sysoev/ Sputnik).

A posição da Rússia em relação ao conflito em Gaza pode ser mais amplamente interpretada como um confronto com o próprio Ocidente, além de visar o apoio dos países árabes e da opinião pública da região, indignada com os ataques a Gaza.


Ao contrário do que muitos pensam, a opinião pública iraniana sobre a questão da guerra entre Israel e o Hamas tem uma posição diferente da oficial da República Islâmica do Irã. Embora seja um fato que o povo do Irã considera o estabelecimento de um Estado palestino como um direito do povo palestino e considera Israel um Estado que emergiu da ocupação de terras palestinas, consideram também que o ataque do Hamas a Israel é errado e não o apoiam.

Embora não tenha sido realizada nenhuma pesquisa oficial no Irã sobre esta questão e nada seja visto nos meios de comunicação iranianos, exceto as posições do governo, a opinião pública no Irã pode ser compreendida a partir das conversas das pessoas nas ruas e nos mercados. Muitos pensadores modernos iranianos também não têm medo de expressar sua opinião. O Sr. Saber Gol Anbari, analista político iraniano, é um deles, cujo artigo traduzido [1] pode ser lido a seguir.

[1] O artigo foi traduzido de farsi para inglês por Hamid Hajizadeh e então para português pelo Velho General.


Entre as reações regionais e internacionais à atual guerra em Gaza, as declarações e reações de Putin e da Rússia são dignas de consideração. O comportamento atual da Rússia nesta guerra não corresponde à natureza das suas relações com Israel durante as últimas décadas, especialmente durante a era Putin. Não é segredo que Putin e Netanyahu são amigos íntimos e as relações entre Moscou e Tel Aviv são estratégicas, mas nos acontecimentos recentes, Putin não só não condenou os ataques do Hamas a Israel, como também não telefonou para seu amigo Netanyahu.

Ele também adotou posições que às vezes pareciam apoiar o Hamas. Foi por isso que o Hamas elogiou as posições da Rússia em relação aos ataques de Israel, cortando a água, a eletricidade e os alimentos de Gaza num comunicado dias atrás. Criticando fortemente o bloqueio da Faixa de Gaza, Putin comparou-o ao cerco de Leningrado pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial. Esta parte da declaração de Putin pode ser considerada muito dolorosa para os israelenses porque eles odeiam ser comparados aos nazistas. Claro, declarações falsas também foram atribuídas a Putin em alguns meios de comunicação, por exemplo, que ele teria dito que se os Estados Unidos entrarem na guerra para ajudar Israel, a Rússia também entraria em benefício da Palestina – coisa que Putin não disse.

As posições declaradas da Rússia vão contra a abordagem tradicional do país ao antigo conflito no Oriente Médio, que tem sido geralmente baseada numa espécie de neutralidade a favor de Israel. A Rússia também tinha relações com o Hamas, mas estas relações não podem ser comparadas com as relações profundas entre a Rússia e Israel. Além disso, Moscou, como um dos quatro membros do comitê quadrilateral internacional criado em 2022, não fez um esforço sério para pressionar Israel em relação aos direitos dos palestinos e ao bloqueio de Gaza.

O fato de a política russa para o Oriente Médio ter sido largamente influenciada pela variável israelense e sua inação conspiratória em relação aos contínuos ataques de Israel à Síria na última década é um testemunho desta afirmação. Mas agora a questão é: qual é a motivação da Rússia para assumir posições diferentes das do passado, durante a recente guerra entre Gaza e Israel? Durante este tempo, algumas pessoas falaram sobre o “papel” da Rússia em ajudar o Hamas a levar a cabo a “Tempestade Al-Aqsa”, mas esta análise não parece correta e deve-se ao desconhecimento dos fatos existentes. Não houve nenhuma mudança significativa nas relações entre Israel e a Rússia que levasse Putin a assumir um risco tão perigoso.


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A raiz das posições russas relativamente inclinadas a apoiar o lado palestino no recente conflito remonta à guerra na Ucrânia, uma guerra em que Israel tem relação estreita com ambos os lados, ou seja, a Ucrânia e a Rússia. Mas nenhum dos dois lados da guerra está satisfeito com a política de “neutralidade” de Tel Aviv. Por um lado, a recusa de Tel Aviv em fornecer ajuda militar séria a Kiev causou críticas contínuas de Zelensky e, por outro lado, Putin parece ter esperado que o lobby israelense no Ocidente desempenhasse um papel eficaz a favor de Moscou.

Mas a Ucrânia assumiu uma posição firme contra o Hamas e apoiou totalmente Israel. Embora esta posição esteja de alguma forma alinhada com a política do Ocidente, bem como com a identidade judaica de Zelensky, pode indicar que o presidente ucraniano quer encorajar Israel a intervir na guerra da Ucrânia contra a Rússia. No entanto, o comportamento inesperado da Rússia deve-se muito provavelmente à crença da Rússia de que Israel tem reservas quanto ao envolvimento direto no conflito russo-ucraniano.

Portanto, o comportamento de Putin, que é uma espécie de jogo com a carta de Gaza, é provavelmente feito por vários motivos.

Em primeiro lugar, este comportamento pode ser interpretado mais na forma de um confronto com o próprio Ocidente, e especialmente com os Estados Unidos, do que contra o próprio Israel. Por enquanto, esta abordagem é mais tática do que uma mudança significativa nas relações com Israel. Poderá esta tática ser considerada como a abordagem futura da política da Rússia para o Oriente Médio? Isto também ficou evidente nas declarações de Putin, onde considerou os recentes desenvolvimentos como o resultado de “políticas falhas e unilaterais” dos EUA. Na verdade, o jogo de Putin com a carta de Gaza é muito sensível e importante para os EUA, com a ideia de pressionar Washington e enviar a mensagem de que se a política ocidental de apoio à Ucrânia continuar, a Rússia poderá adotar uma política de apoio à Palestina no Oriente Médio. Além disso, considera-se que provavelmente a pressão sobre Tel Aviv fará com que Israel apoie a Rússia e se abstenha de ajudar a Ucrânia.

Além disso, Putin provavelmente tem outros objetivos em mente, que consistem em ganhar apoio dos países árabes e islâmicos e da opinião pública da população da região, que está indignada com os ataques brutais e destrutivos a Gaza. De qualquer forma, o povo da região está indignado com o apoio total a Israel por parte do Ocidente e com a dualidade da política ocidental em relação à ocupação, uma vez que o Ocidente tem uma política dupla em relação à ocupação no caso da Ucrânia e da Palestina. Esta dualidade ocorre em um momento em que a posição da Rússia na opinião pública mundial foi seriamente prejudicada após o ataque à Ucrânia.

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