Por Eli Clifton*
As cinco principais empresas de armas dos EUA superaram os principais índices de Wall Street no ano passado, principalmente às custas dos contribuintes americanos.
Em janeiro de 2022, o CEO da Raytheon, Greg Hayes, disse aos investidores que a instabilidade global apresentava uma oportunidade de lucro para sua empresa de armas. “[Nós] estamos vendo, eu diria, oportunidades para vendas internacionais”, disse Hayes, citando, entre outros eventos globais, “tensões na Europa Oriental”. Ele acrescentou: “Todas essas coisas estão pressionando alguns dos gastos da defesa por lá. Portanto, espero que vejamos algum benefício com isso.”
A invasão catastrófica da Rússia na Ucrânia desencadeou pressões financeiras e humanitárias em todo o mundo, impulsionadas pelo aumento dos preços da energia, inflação crescente e interrupções na cadeia de abastecimento de alimentos.
Mas Hayes estava certo. A Raytheon e outros fabricantes de armas lucraram muito, mesmo quando a maioria dos investidores sofreu perdas.
As cinco grandes empresas de armas alcançaram um crescimento impressionante das ações desde a invasão da Rússia, superando dramaticamente os principais índices. As ações da Lockheed Martin, Raytheon, Boeing, Northrop Grumman e General Dynamics valorizaram 12,78% em média no período de um ano desde o dia anterior à invasão russa de 24 de fevereiro do ano passado até o fechamento dos mercados financeiros na quinta-feira [nota do tradutor: 23 de fevereiro].
Esse crescimento é ainda mais impressionante quando comparado com o desempenho dos principais índices. As principais ações de armas, em média, superaram o S&P 500 em 17,82%, o índice composto NASDAQ em 23,88% e o Dow Jones Industrial Average em 12,71%.
Dois dos três índices, o S&P 500 e o NASDAQ Composite, registraram perdas naquele período de um ano.
Dito de outra forma, um investimento de US$ 10.000 nas cinco principais empresas de armas no dia anterior à invasão valeria US$ 11.277 hoje. Um investimento de US$ 10.000 no S&P 500 valeria US$ 9.495.
Grande parte das receitas da indústria de armas dos EUA provém de contratos do governo dos EUA, pagos pelos contribuintes. Por exemplo, a Lockheed Martin, a maior fabricante de armas do mundo, pode ser uma empresa de capital aberto com fins lucrativos, mas o relatório anual de 2021 da empresa reconheceu que “71% de nossos US$ 67 bilhões em vendas líquidas vieram do governo dos EUA”.
LIVRO RECOMENDADO:
Prophets of War: Lockheed Martin and the making of the military-industrial complex
• William D. Hartung (Autor)
• Em inglês
• Kindle, Capa dura ou Capa comum
E os retornos dessa indústria amplamente financiada pelo governo simplesmente não são reinvestidos em instalações de produção e empregos em todo o país. Grande parte dos retornos são meramente transferidos para os acionistas. O CEO da Lockheed, James Taiclet, gabou-se de como a empresa entregou US$ 11 bilhões aos acionistas em 2022 por meio de recompras de ações e pagamentos de dividendos, criando “valor significativo para nossos acionistas”. Em outras palavras, um pagamento parcialmente financiado pelos contribuintes para os acionistas.
A maioria dos investidores de varejo, que cada vez mais prefere investir em fundos de índice – um fundo mútuo ou fundo negociado em bolsa que corresponda aos componentes de um índice do mercado financeiro, como o S&P 500 ou a média industrial Dow Jones – teria sido deixado de fora da bonança de recompra de ações da Lockheed ou o aumento do valor das ações de empresas de armas que superaram os principais índices em um ano desde a invasão da Ucrânia pela Rússia.
De fato, permanecem questões importantes sobre como a guerra terminará, como poderia ser uma vitória para a Ucrânia, quando e como a reconstrução da Ucrânia pode começar e os impactos de longo prazo da invasão de Putin na OTAN e na arquitetura de segurança europeia. Os custos para reconstruir a infraestrutura da Ucrânia já estão estimados em mais de US$ 1 trilhão e estão aumentando.
O resultado da guerra permanece incerto, mas uma coisa é certa: a eclosão de uma grande guerra na Europa estimulará as compras de armas dos EUA e da Europa nos próximos anos.
Um orçamento de defesa crescente e a dívida nacional dos EUA, juntamente com altos custos de energia e escassez global de alimentos, terão impactos negativos sobre a maioria dos americanos. Mas os investidores em ações de armas estão obtendo ganhos que poucos outros setores estão obtendo em um momento de turbulência econômica global.
“Nossos produtos e tecnologias têm sido fundamentais para ajudar o povo da Ucrânia a se defender”, argumentou o CEO da Raytheon, Greg Hayes, em uma teleconferência de resultados no mês passado. Chris Calio – diretor de operações da Raytheon – observou mais tarde na chamada que “espera-se que nosso backlog continue a crescer, dado o ambiente de ameaças cada vez mais complexo”.
Em outras palavras, um desastre humanitário, geopolítico e econômico para o mundo tem pelo menos um lado positivo: lucros para fabricantes de armas [nota do tradutor: ironic mode on…].
Publicado no Responsible Statecraft.
*Eli Clifton é consultor do Quincy Institute e jornalista investigativo no Responsible Statecraft. Ele escreve sobre dinheiro na política e política externa dos EUA. Já publicou no escritório de Teerã da PBS/Frontline, The Intercept, South China Morning Post e Foreign Policy. Eli é bacharel pelo Bates College e mestre em economia política internacional pela London School of Economics.