Por Olivier Dujardin*
“Game changer”? O fato de algo ser tecnicamente possível não significa que seja operacionalmente relevante.
O drone autônomo é o novo martingale [1], o ápice esperado de uma evolução que, graças à inteligência artificial, deve transformá-los nos “game changer” definitivos da guerra. Mas o que é um “drone autônomo”? Quais são os conceitos por trás dessa definição que, por si só, não diz grande coisa? Quais são as implicações operacionais e, em termos de combate aos drones, o que isso implica?
Os limites do drone autônomo do imaginário popular
Na imaginação da maioria das pessoas, “drone autônomo” significa um equipamento que cumpriria sua missão sem qualquer intervenção humana. Seria um dispositivo que, graças à inteligência artificial, poderia realizar missões de reconhecimento por conta própria, identificando elementos interessantes, ou seria capaz de descarregar munições ou lançar-se, no caso de “drones suicidas”, sobre um alvo que ele próprio detectaria, identificaria e classificaria.
Esses drones não existem [2], simplesmente porque o interesse neles é realmente muito limitado.
No caso dos drones de reconhecimento, o interesse é justamente conseguir entregar as informações que ele capta o mais rápido possível. Os drones são usados principalmente para uso tático, em benefício das forças em contato, para monitorar, detectar e direcionar forças opostas. Não é possível atacar uma unidade inimiga móvel (tanques, artilharia, tropas, etc.) se você não for imediatamente informado de sua posição. Isso implica não apenas receber o fluxo de informações em tempo real, mas também modificar a trajetória do drone no processo e pilotar sua carga útil de acordo com o ambiente (por exemplo, aumentar o zoom em uma determinada área de interesse).
Um drone de reconhecimento que executa sua missão e entrega inteligência em seu retorno é apenas para fins estratégicos; foi o caso dos drones das décadas de 1950, 1960 e 1970 como o TU-141, TU-123, BQM-34A, Modelo 147, eles navegavam segundo planos de voo pré-programados com uma unidade inercial, sem necessidade de inteligência artificial ou navegação por satélite para fazê-los evoluir de forma totalmente autônoma. Esses drones desapareceram quando foram implantados os satélites de reconhecimento. Os satélites tinham a vantagem de serem muito menos vulneráveis, de cobrir áreas muito maiores e, sobretudo, poder sobrevoar qualquer ponto do planeta sem o risco de um incidente diplomático.
No caso de drones de ataque ou suicidas, mesmo que a tecnologia (IA, machine learning, etc.) permita, em teoria, construir drones capazes de detectar, classificar, identificar e engajar alvos de forma autônoma, isso traria vários problemas. Em primeiro lugar, o risco de erros continua (muito) elevado, o que pode colocar problemas jurídicos no que diz respeito às “leis de guerra” ou mesmo exposição a fogo amigo. Depois, a inteligência artificial permanece relativamente fácil de enganar: esse tipo de drone poderia ser facilmente neutralizado pela presença de chamarizes que os desviariam dos objetivos reais.
Ao lado desses obstáculos, há também a questão do feedback. É extremamente importante saber se as máquinas enviadas encontraram alvos (e saber o número e tipo deles), se foram abatidas pelo inimigo, se tiveram algum problema técnico, se caíram por falta de autonomia de voo, etc. Enviar drones desse tipo para um setor sem nenhum feedback não é realmente interessante porque, no final, não teremos aprendido mais nada sobre o adversário, suas forças, possíveis perdas ou intenções. Obviamente, em teoria, a tecnologia possibilitaria a fabricação de tais drones.
No entanto, o fato de algo ser tecnicamente possível não significa que seja operacionalmente relevante.
Como qualquer equipamento, espera-se que os drones desempenhem um papel operacional em uma organização militar geral: eles devem, portanto, atender a certas necessidades. O drone que mais se aproximaria do drone autônomo, como idealizado na imaginação, é o drone israelense LANIUS[3] da ELBIT Systems, que possui diversas automações para auxiliar o operador (identificação automática de inimigos, capacidade de reconhecer aberturas, etc.) mas, no entanto, permanece totalmente controlado pelo seu operador (ordem de destruição, validação de alvos, etc.).
No entanto, existem alguns casos em que a implementação de drones 100% autônomos, sem ação humana, faz sentido. As entregas são o uso mais óbvio para isso: a máquina só precisa saber seu destino e rota, nenhuma outra função é esperada dela. As missões de mapeamento ou modelagem 3D também podem ser realizadas em total autonomia, pois não são esperados resultados imediatos. No entanto, esses casos de uso são limitados e, acima de tudo, não representam uma ameaça imediata para ninguém. O único caso de um “drone” totalmente autônomo que pode representar uma ameaça é o de máquinas como o Shahed-136 iraniano ou o houthi Samad-3, que são projetados para atingir alvos fixos pré-programados antes da partida. No entanto, suas características e seu escopo de uso os tornam muito mais mísseis de cruzeiro, como o BM-109 Tomahawk, KH-55 ou SCALP-EG, do que drones propriamente ditos. Este ponto é particularmente evidente com os antigos drones de reconhecimento Tu-141 que foram convertidos em mísseis de cruzeiro pelos ucranianos.
Usar e direcionar tecnologias do mundo dos drones ou do aeromodelismo não significa que o resultado será da mesma categoria.
Drone autônomo: como?
No entanto, embora praticamente todos os fabricantes de drones falem em “drone autônomo”, a definição que têm dele está muito distante daquela fantasiada pelo grande público. Na maioria dos casos, a autonomia do drone afeta apenas algumas funções específicas. Muitas vezes, é a função de direção que está em questão. A profissão de piloto remoto está, sem dúvida, destinada a desaparecer nos próximos anos, pois os esforços dos fabricantes se concentraram na facilidade de implantação de drones. Então, sim, deste ponto de vista, cada vez mais drones são autônomos para voar: você só precisa dizer a eles para onde quer ir, se quer subir ou descer, os algoritmos de pilotagem se encarregam de traduzir as ordens em tempo real nos controles de voo e nos motores para chegar ao resultado desejado. Muitas vezes, o operador praticamente só precisa gerenciar a carga útil (girar a câmera, ampliar, ajustar os sensores, etc.).
Outras funções podem ser automatizadas, como rastreamento (manter a câmera em um objeto) ou perseguição (para drones “suicidas”), manobras automáticas de desvio ou a capacidade de se mover automaticamente em espaços fechados. Partindo desse princípio, praticamente todos os drones podem se dizer mais ou menos autônomos sem que isso signifique que o homem não esteja mais no circuito.
A palavra “autônomo” tornou-se um argumento de comunicação de marketing, assim como a inteligência artificial ou a “quântica”.
LIVRO RECOMENDADO
Drones: Guia das aeronaves não tripuladas que estão tomando conta de nossos céus
• Martin J. Dougherty (Autor)
• Em português
• Capa comum
Qual o impacto na luta contra os drones?
Seja qual for o nível de autonomia dos drones, não tem impacto real nas diferentes técnicas para detectá-los ou neutralizá-los. Cada solução mantém suas vantagens e desvantagens gerais, e a resposta milagrosa não existe. Com exceção de alguns casos especiais, como drones de entrega ou mapeamento que podem não ser detectáveis por radiofrequência devido à falta de link de dados, a maioria dos drones permanecerá detectável por esta técnica. O grau de automação dos drones não tem impacto real nas comunicações associadas e, portanto, na sua detectabilidade por radiofrequência.
A única diferença é que o jamming pode não mais derrubar os drones, com a automação cuidando de manter o controle do voo, mas ainda vai atrapalhar a missão. Drones como o LANCET russo ou o SWITCHBLADE americano, são incapazes de realizar sua missão se o operador for privado de feedback de vídeo, pois ele não poderia mais designar um alvo. O mesmo vale para os drones de reconhecimento, que perdem toda a sua utilidade se não conseguirem enviar em tempo real o que seus sensores registram. Mesmo que não destrua a ameaça, ainda a neutralizará. A chegada de enxames de drones não deve alterar essa observação, pois esses aparelhos precisarão transmitir suas informações da mesma forma e, além disso, também terão que se comunicar entre si para realmente se estruturarem em enxame. A interrupção dos meios de comunicação contribuirá não apenas para interromper o retorno da inteligência, mas também para a desestruturação do próprio enxame.
O caso de máquinas como o Shahed-136 ou o Samad-3 deve ser tratado como o dos mísseis de cruzeiro, com meios tradicionais de defesa terrestre/aérea, ainda que este tipo de resposta também não seja o ideal dado o altíssimo diferencial de custo em favor de este equipamento comparado ao de um míssil antiaéreo.
O drone 100% autônomo existe, mas ou está conceitualmente ultrapassado (reconhecimento), ou recebe missões que não representam ameaças diretas. Na grande maioria dos casos, a ameaça representada concretamente pelos drones vê sistematicamente os humanos permanecerem no circuito, independentemente do nível de automação disponível para a máquina. Não se deve opor a autonomia e a comunicação dos drones, os dois não estão ligados. A autonomia concedida visa simplificar a implementação dos drones, enquanto as comunicações estão ligadas às missões que lhes são atribuídas e às necessidades relacionadas.
Portanto não, drones autônomos não são um “game changer” que desafiaria fundamentalmente as técnicas de controle de drones existentes hoje. Isso não significa que o problema esteja completamente dominado, muitos desafios ainda precisam ser superados no que diz respeito à detectabilidade de drones e técnicas de neutralização, especialmente para integrar a consideração desta ameaça, a um custo muito baixo, em uma defesa terrestre/aérea integrada.
Publicado no CERBAIR.
*Olivier Dujardin tem 20 anos de experiência em guerra eletrônica e processamento de sinais de radar. Exerceu sucessivamente funções operacionais em guerra eletrônica, no estudo de sistemas de radar e guerra eletrônica, e na análise e coleta de sinais. Ele também atuou como especialista técnico em sistemas de coleta de dados.
Notas
[1] Martingale é uma palavra inglesa derivada do francês que designa uma estratégia de aposta. A ideia é que o apostador dobre sua aposta após cada derrota, de forma que a primeira vitória compense as derrotas anteriores e proporcione um lucro igual ao da aposta original.
[2] https://www.thedrive.com/the-war-zone/these-israeli-urban-battlefield-assassin-drones-are-nightmare-fuel
[3] https://cf2r.org/rta/un-drone-suicide-autonome-a-t-il-tue-de-sa-propre-initiative-en-libye-en-2020/