Por David C. Speedie*
A invasão da Ucrânia pela Rússia deve ser inequivocamente condenada, e ainda assim cabe apontar as oportunidades perdidas de evitá-la. A elas, não se deve acrescentar o isolamento permanente da Rússia.
À medida que os americanos ingerem a alimentação constante de reportagens terríveis e fotografias comoventes da guerra na Ucrânia, cabe a nós analisar as visões da Europa sobre um conflito europeu. Primeiro, essas visões estão longe de ser harmoniosas; não há, como disse o estudioso inglês da Rússia Richard Sakwa, “nenhuma visão estratégica da União Europeia” sobre a Ucrânia – a maioria dos membros foi meramente “envergonhada” em aumentar a aposta no fornecimento de armas.
Em segundo lugar, no geral a Europa está dividida entre leste e oeste: o novo governo Scholz em Berlim gagueja para criar um conjunto coerente de políticas e, na França, o presidente Emanuel Macron foi reeleito apesar das críticas por sua disposição em envolver o presidente Putin na noite anterior à invasão.
No recém-extra-UE Reino Unido, o primeiro-ministro Johnson é acusado por alguns setores de uma espécie de cenário do “rabo abanando o cachorro”, em que alardear o apoio a Kiev pode obscurecer algumas atividades impróprias em casa (a mais recente capa da irreverente revista britânica Private Eye mostra Johnson apertando a mão do presidente Zelensky, cada um dizendo ao outro “Obrigado por vir em meu socorro”). No leste do continente, os poloneses e os romenos têm sido mais agressivos, e o recém-reeleito Viktor Orban na Hungria, um ponto fora da curva persistente.
Na edição de 23 a 24 de abril do Financial Times apareceu um artigo de opinião de Ivan Krastev, presidente do Centro de Estratégias Liberais em Sofia, Bulgária, e bolsista do Instituto de Ciências Humanas de Viena e do Conselho Europeu de Relações Exteriores. É um ensaio profundo, intitulado Isolar a Rússia não está no poder ou no interesse do Ocidente. Para apoiar isso, Krastev lista quatro razões:
Isolar a Rússia “adota inconscientemente um discurso em que a Rússia como civilização é imutável”. Como 1991 mostrou, não é bem assim.
O isolamento “encerra o interesse pelo que está acontecendo na Rússia”: há protestos contra a guerra, embora pequenos em comparação com o amplo apoio público (como nota de rodapé, pesquisas mostram que as implacáveis sanções lideradas pelos EUA servem para unir a opinião pública em torno do Kremlin e criar uma “mentalidade de cerco”).
Talvez o mais importante a longo prazo, Krastev prevê que “apostar em um mundo sem a Rússia é em última análise fútil, porque o mundo não-ocidental, que pode não favorecer a guerra do Kremlin, dificilmente está ansioso para isolar a Rússia” (vide China, Índia, Brasil, África do Sul e grande parte do continente africano).
Krastev tropeça na última cerca, no entanto, com a quarta razão para evitar o isolamento: “[Isso] justifica a narrativa distorcida de Putin de que a única Rússia que o Ocidente pode tolerar é fraca ou derrotada”.
Eu diria que essa “narrativa”, longe de ser distorcida, é de fato clara, linear e sustentada pela história pós-Guerra Fria. Quando o Ocidente – especialmente os Estados Unidos, que apesar de tudo são de suma importância para a Rússia – foi mais “tolerante”, confortável em relação à Rússia?
A resposta, claro, é a desastrosa década de 1990, quando uma Rússia amplamente complacente acolheu a aplicação alquímica da “reforma” econômica do Ocidente; quando a OTAN foi expandida sob protestos fracos e fúteis da Rússia; quando a OTAN atacou sua principal aliada, a Sérvia – contrariamente à carta da ONU; quando os Estados Unidos rasgaram o Tratado de Mísseis Antibalísticos; quando o desprezo do presidente Bill Clinton pelo cada vez mais tragicômico Boris Yeltsin mal podia ser contido – seu comentário, relatado pelo vice-secretário de Estado, Strobe Talbott, diz tudo: “Yeltsin bêbado é melhor do que a maioria das alternativas sóbrias”.
Putin, claro, é uma proposta diferente para o Ocidente e – gostemos ou não – para a Rússia: e se estivéssemos prontos para lidar seriamente com um país ressurgindo das cinzas dos anos 1990; reconhecer que a Rússia, assim como os Estados Unidos, tem interesses de segurança estratégicos legítimos em sua vizinhança estendida (a Rússia deve criar uma Doutrina Monroe para nossa consideração?); e que uma Ucrânia na OTAN é uma estratégia falha, como até mesmo a maioria dos observadores especialistas que não estão ao lado da Rússia concordaram – poderíamos ter evitado a perspectiva crescente de um impasse prolongado de guerra na Ucrânia, ou, pior ainda, uma guerra por procuração expandida entre a Rússia e a OTAN com resultados potencialmente apocalípticos.
É por todas essas razões que, embora eu condene pública e inequivocamente a invasão da Rússia, ainda assim aponto as oportunidades perdidas ao longo do caminho. A estas não devemos acrescentar, como aconselha Ivan Krastev, o isolamento permanente da Rússia.
Artigo produzido pela Globetrotter.
*David C. Speedie é membro do conselho da ACURA e foi Senior Fellow e Diretor do Programa de Engajamento Global dos EUA no Carnegie Council for Ethics in International Affairs de Nova York.