Amor e guerra em Artsakh

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Crianças recebem aulas em um bunker na Catedral da Santa Mãe de Deus, em Stepanakert (Mirror Spectator).

Crianças recebem aulas em um bunker na Catedral da Santa Mãe de Deus, em Stepanakert (Mirror Spectator).

Alguém já disse que a guerra revela o melhor e o pior dos homens. Em uma faceta pouco tratada por aqui, quatro depoimentos de pessoas que passaram pela recente guerra do Nagorno Karabakh descortinam seu melhor: amor, patriotismo e persistência em meio à crueza da guerra.


Já se passou um ano desde que a guerra de 44 dias foi desencadeada pelo Azerbaijão contra as repúblicas de Artsakh e da Armênia. Uma guerra que terminou em 9 de novembro com base em uma declaração trilateral assinada entre Armênia, Azerbaijão e Rússia, e criou uma realidade nova no sul do Cáucaso: mais de dois terços do território da República de Artsakh (também conhecida como República Nagorno Karabakh) foram ocupadas pelo Azerbaijão, e como resultado dezenas de milhares de pessoas foram deslocadas. Além disso, tropas de paz russas foram posicionadas nas partes restantes de Artsakh. No entanto, mesmo essas forças parecem inadequadas para evitar os contínuos abusos e violações dos direitos humanos contra os armênios de Artsakh.

Ainda assim, contra todas as probabilidades, a vida ainda floresce em Artsakh e as pessoas, com forte dedicação para começar do zero, estão se casando. Além disso, foi essa guerra que aproximou a maioria deles. As histórias a seguir contam sobre o sentimento onipotente do amor que nos faz viver e criar durante e principalmente depois de uma guerra.

Narine e Sergey

Narine Arzumanyan é cardiologista aa região de Martouni, em Artsakh, e atualmente vive em Yerevan, enquanto Sergey Aramyan é urologista de Yerevan, com raízes também em Artsakh.


Narine e Sergey (Acervo da autora).

Narine: Eu fui para Artsakh no segundo dia da guerra junto com meu pai, uma colega de curso e seu marido. Eu me estabeleci em Martouni e trabalhei no hospital o tempo todo. Um dia, um soldado ferido gravemente foi levado até lá por um jovem, que deveria se tornar meu futuro marido. Posteriormente, soubemos que estudamos juntos no mesmo curso por seis anos e depois trabalhamos no mesmo hospital, mas nunca nos conhecemos.

Posteriormente, um amigo dele me disse que, quando acompanhou um soldado ferido ao hospital, Sergey afirmou que voltaria novamente. Seu amigo ficou surpreso e perguntou por que, e Sergey disse que se apaixonou. O caminho da casa de Sergey para o hospital era perigoso, no entanto ele conseguia me visitar todos os dias me trazendo doces e perguntando como eu estava me sentindo. Além disso, uma vez eu até consegui apresentar a Sergey minha cidade natal, Martouni.

Ambos começamos a transportar soldados feridos de Artsakh para Yerevan e a estrada nos uniu e nos conectou ainda mais. Fiquei surpreso com a forma como me tornei flexível e calma com Sergey, apesar de meu temperamento geralmente forte e difícil. Estávamos nos aproximando dia a dia e, no final, percebemos que tínhamos que continuar nossa jornada de vida juntos.

Embora tenhamos nos casado apenas 10 meses após o dia do nosso primeiro encontro, aqueles meses valeram 100 anos para cada um de nós. Atualmente, continuamos os estudos em uma pós-graduação em Moscou, cada um com sua especialização. Planejamos ter o maior número de filhos possível e fazer de tudo para ajudar nosso país a superar todas as dificuldades.

Marine e Shant

Shant Charshafchyan é de Glendale, no condado de Los Angeles, estado da Califórnia, nos Estados Unidos. Marine Karapetyan é uma linguista nascida em Sardarapat, na Armênia.

Shant: Eu estava em Yerevan quando estourou a guerra em Artsakh – um dia antes de conhecer minha futura esposa. No dia 26 de setembro, estive na região de Tavush, na Armênia, para participar do festival Gutan, onde conheci Marine. Ela vestia uma camiseta com a imagem de Garegin Nzhdeh (um proeminente estadista e estrategista militar armênio), que é um dos meus heróis nacionais favoritos. Ela chamou minha atenção imediatamente e começamos a conversar, descobrindo que temos muitas coisas em comum.

No dia seguinte do início da guerra, decidi declarar meu amor por Marine, pois não sabia o que aconteceria conosco. Começamos a namorar e, em meados de outubro, ficamos noivos e fomos para Aghavno – uma vila fronteiriça que conecta Artsakh com a Armênia.

Durante a guerra, ainda havia pessoas e principalmente crianças hospedadas em suas casas, então decidimos oferecer ajuda médica e humanitária. Como Marine é linguista, ela começou a trabalhar com as crianças de Aghavno. Mesmo sob fortes bombardeios, ela manteve a calma tentando ajudar a todos como podia.


Marine e Shant (Acervo da autora).

A guerra terminou, passamos por muitas dificuldades e desafios, e neste verão decidimos nos casar. Assim fizemos e nos mudamos para a região de Martouni, em Artsakh, ajudando a desenvolver a agricultura nessa região. Recentemente, tivemos uma menina e, claro, estamos planejando continuar a viver e trabalhar em Artsakh.

Ani e Meruzhan

Ani Poghosyan é psicóloga e mora em Yerevan. Meruzhan Sargsyan vem de Musaler, na região de Armavir, na Armênia.

Ani: Trabalhei voluntariamente como psicóloga com as crianças de Artsakh durante a guerra. Para isso, meus amigos estavam sempre marcando meu perfil no Facebook para ajudar as pessoas a me encontrar e conseguir a ajuda necessária. Foi assim que conheci meu futuro namorado, que me contatou e pediu ajuda. Como eu trabalhava apenas com adolescentes, inicialmente recusei, mas quando me contaram sobre seus problemas causados ​​pela guerra resolvi ajudar.

Trabalhamos online por um mês e eu dizia a Meruzhan o que fazer para superar todos os seus problemas psicológicos. Depois de um mês, ele me convidou para sair com ele e garantiu que eu me tornei uma pessoa muito próxima. Nossos sentimentos eram mútuos, pois eu estava sentindo o mesmo. Demorou dois meses para melhorar a fala de Meruzhan e foi o nosso amor que o ajudou a se recuperar tão rapidamente. Depois da guerra, algo mudou definitivamente, e isso é comum para 95% dos armênios que vivem na Armênia: é a sensação de que você tem que viver aqui e agora, e você não tem que deixar nada para outro dia.


Ani e Meruzhan (Acervo da autora).

Meruzhan e eu vemos nosso futuro em cores brilhantes. Estou planejando abrir meu próprio consultório onde posso ajudar adolescentes oferecendo-lhes ajuda psicológica e Meruzhan está me ajudando. Vamos ficar noivos muito em breve, depois nos casaremos e teremos filhos. Mais importante, Meruzhan e eu vamos criar nossos filhos com amor por sua pátria mãe. Desejamos que se tornem pessoas realmente boas, que conheçam seu papel e sua missão com sua pátria e que tenham metas e objetivos a alcançar.

Elina e Martun

Elina Balasanyan é uma estudante da vila de Berdashen, região de Martouni, no Artsakh. Martun Abrahamyan é da cidade de Artik, na Armênia.


Elina e Martun (Acervo da autora).

Elina: Quando a guerra começou, estava indo trabalhar, por volta das 07h30. No caminho, percebi imediatamente que algo estava acontecendo, pois havia alguns objetos no céu, mas nunca imaginei que pudesse ser uma guerra. Eu gosto de caminhadas e geralmente depois trabalho eu costumava ir a Shoushi para encontrar paz na natureza. Aquele dia não foi exceção, e eu empacotei tudo o que precisava – agasalhos, água e outras coisas.

Minhas irmãs estavam em Stepanakert, mas meu irmão mais novo e meus pais estavam na aldeia. Consegui ir à aldeia e ajudar meus pais e outras pessoas a fugir para Stepanakert, onde encontraram abrigo na Catedral da Santa Mãe de Deus (uma famosa foto da recente guerra de Artsakh, onde uma jovem está lendo um livro para crianças no bunker, foi tirada lá).

Eu estava cuidando de idosos e crianças que estavam no bunker na época. Mas quando minha mãe ficou doente, tive que partir para Yerevan, onde comecei a ajudar pessoas deslocadas e conheci meu futuro marido, que também estava ajudando outras pessoas. Foi amor à primeira vista da parte dele, enquanto a única coisa em minha mente era o futuro de Artsakh e de minha família.

Depois de alguns dias, Martun se aproximou e me disse que tudo é muito sério e que temos que nos comportar como pessoas maduras. Foi assim que nossa história de amor começou. Após o cessar-fogo, em 13 de novembro, nós voltamos a Stepanakert e nos engajamos na mesma catedral onde eu procurei abrigo durante a guerra.

A guerra nos fez pensar em coisas eternas. Ficamos felizes por não nos termos perdido, mas sim nos encontrado. E devemos valorizar cada minuto que nos foi dado. Martun e eu nos tornamos pais em setembro. É uma bênção encontrar o amor e construir uma família nesta confusão. Estamos planejando voltar a Artsakh o mais rápido possível e continuar morando lá.

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