A segunda parte deste artigo prossegue com a evolução do policiamento das águas brasileiras, relatando como surgiram os atores, conceitos e definições a partir de 1945, conforme o ministério responsável e a legislação vigente à época.
Leia a Parte I deste artigo.
Introdução
O policiamento das águas litorâneas brasileiras começou no Brasil na época do Império e era chamado de Polícia Naval. Ao longo de mais de cento e cinquenta anos, percebeu-se a complexidade da Marinha Mercante brasileira e a necessidade de sua estruturação a nível organizacional. O artigo anterior – Parte 1, apresentou grandes desafios de gestão aos órgãos e seus atores políticos – ora com ideias convergentes (perante conflitos ou em vista de possíveis ameaças), ora divergentes (quando se distanciava a memória dos acontecimentos marítimos) – bem como o fato de os primeiros brasileiros natos poderem realmente ingressar na Marinha e, a partir disso, assegurar que nossas águas eram defendidas por homens que tinham um único interesse no país: o patriótico.
Durante as duas grandes guerras mundiais, a Marinha viu-se sem uma reserva naval forte para atuar na logística de pessoal nas embarcações de guerra e continuar o tráfego mercantil sem abalar a economia do país; até mesmo quem não tinha formação náutica passou a atuar como polícia marítima para ajudar na proteção de nossas águas. A ação de patrulhar as águas jurisdicionais tem tido diversas influências, seja no campo da Defesa, da Segurança Pública e até mesmo político com as mudanças de ministérios que exerceriam autoridade marítima no Brasil.
Com tantas variáveis atuantes na função de polícia marítima e pelos motivos de suas criações destaca-se a necessidade de uma pesquisa histórica. Além disso, é mister que a sociedade saiba da necessidade de proteger as águas nacionais. Com o intuito de fomentar a conscientização marítima brasileira, produzi uma análise qualitativa dividida em partes que integram este texto: República Populista (1945-1963) e República sob o Regime Militar (1964-1985). As informações aqui reportadas foram fundamentadas nas legislações dos períodos em questão e obras usadas como referência bibliográfica nas escolas de formação das Marinhas de Guerra e Mercante e da Academia da Polícia Federal.
República Populista (1945-1964)
Consta no arquivo histórico da Polícia Militar de Sergipe, no contexto temporal da Segunda Guerra Mundial, que ela efetuou patrulhamentos na orla marítima, mantendo-se alerta em razão da atividade dos submarinos alemães na região costeira do Estado (com torpedeamento de navios mercantes brasileiros). Como um dos resultados do conflito internacional, criou-se a Organização das Nações Unidas (ONU) para manutenção da paz e segurança em âmbito mundial, trazendo consigo conceitos gerais de proteção e segurança.
O termo “polícia marítima” aparece pela primeira vez na Constituição Federativa de 1946 como um dos serviços relacionados à Polícia Marítima, Aérea e de Fronteiras sob responsabilidade da Segurança Pública, mas o documento não fala sobre Polícia Naval, Patrulha Costeira, ou qualquer outro ator policial, independente do órgão. Na época, a Autoridade Marítima cabia ao Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas e não à Marinha. Concomitantemente, no estado de São Paulo existia um convênio entre o Estado e a União, que autorizava o governo paulista a exercer, em sua jurisdição, os serviços de policiamento marítimo, aéreo e de fronteiras, não mais no âmbito federal, mas estadual, ramificando ainda mais o ato de policiar as águas.
No ambiente internacional, inicia-se a chamada Guerra Fria. Alarmados com a situação de crise e para defender nosso extenso domínio marítimo, com base na lei norte americana de defesa e assistência mútua (Mutual Assistance Act) de 1949 foi negociada a compra de dois cruzadores, batizados Almirante Tamandaré e Almirante Barroso, como estratégia naval de defesa do Atlântico Sul e sendo parte integrante do policiamento das águas jurisdicionais do Brasil.
Os navios recebidos no período imediatamente após a guerra, até 1952, vieram a substituir encouraçados que foram destruídos. Tratava-se de navios auxiliares, voltados para atividades de apoio, no caso, o controle de tráfego costeiro e litorâneo. Com essas novas aquisições, a marinha deu um impulso significativo nos serviços de socorro e salvamento marítimo na costa brasileira e passou a participar do transporte comercial de combustíveis. Lembrando que, na época, face à precariedade da nossa frota mercante, tal apoio era necessário. Mais uma vez, as Marinhas – de Guerra e Mercante – se uniram para sobreviver e juntas se apoiar como lhes era permitido.
Como consequência da possibilidade de exploração, a Plataforma Continental (PC) adjacente ao Brasil foi anexada ao nosso território em 1950. A plataforma submarina margeia o continente e se prolonga sob alto mar como um verdadeiro território submerso, constituindo-se uma só unidade geográfica sob soberania, ou do domínio e jurisdição do Estado brasileiro, com profundidade máxima de 200 metros. A intenção era explorar as riquezas naturais sendo a pesca parte integrante desses recursos.
Fazendo referência ao estado de São Paulo, em 27 de outubro de 1952, a Inspetoria recebeu o nome de Divisão de Polícia Marítima e Aérea dos Portos do Estado de São Paulo. Com os poços de petróleo encontrados na Bahia e o plano de desenvolver a indústria brasileira de exploração de petróleo, foi criada a empresa estatal PETROBRÁS com o monopólio estatal do setor, por meio da lei nº 2004/53, que está ligada ao processo político para desenvolvimento da indústria brasileira em prol dos poços de petróleo encontrados na Bahia.
Os poços petrolíferos, antes perfurados pelo Conselho Nacional do Petróleo (CNP) (criado em 1938), a partir de então o foram pela PETROBRÁS. Enquanto esses acontecimentos se davam no campo político, no campo militar o país evoluía no sentido de uma visão em que conceitos genéricos, como “defesa coletiva”, davam lugar a uma maior preocupação com interesses específicos brasileiros, o que veio afetar o conceito estratégico até então vigente.
O Tribunal Marítimo, criado na década de 1930 como consequência corretiva após o caso do navio mercante alemão Baden desrespeitar o policiamento marítimo no porto do Rio de Janeiro, foi regulamentado pela lei nº 2.180/54, que dispunha sobre a competência e jurisdição sobre: 1) toda e qualquer embarcação mercante, nacional ou não, em águas brasileiras; 2) se forem embarcações brasileiras, em alto-mar, inclusive; e 3) todo pessoal de Marinha Mercante. Além disso, define como embarcação mercante toda a construção utilizada como meio de transporte por água, e destinada à indústria da navegação, quaisquer que sejam as suas características e lugar de tráfego. Equiparam-se a ela as embarcações no serviço público, exceto as da Marinha de Guerra, e estas são incluídas no serviço público se em transporte comercial. Vale ressaltar que os navios da Marinha, anos antes, começaram a transportar combustíveis líquidos em apoio à frota mercante.
Para a legislação, o conceito de Patrulha Costeira surgiu oficialmente em 1955, em forma de lei visando os objetivos de Defesa, em colaboração com o Serviço de Caça e Pesca do Ministério da Agricultura. O documento foi uma forma de colocar os pescadores como possíveis auxiliares da Esquadra, aperfeiçoando-os nos serviços de sinalização, varredura e lançamento de minas e outros serviços próprios de uma Marinha de Guerra, e apoiar os serviços de repressão ao contrabando e ao comércio ilícito de tóxicos, e no serviço de socorro marítimo. Estabelecia ainda que os membros das tripulações dos navios do Serviço de Patrulha Costeira, quando não pertencentes ao serviço ativo da Marinha, seriam a ela equiparados e receberiam todas as vantagens que lhes coubessem, dentro da legislação em vigor. Assim, ficariam também sujeitos aos mesmos regulamentos, disciplina e regime militar. Também foi estabelecida a Força Naval Brasileira em tempos de paz, incluindo como pertencentes à Força os Práticos da Costa e Práticos Fluviais (antes informados pela lei do TM como Pessoal de Marinha Mercante).
A visão estratégica da parte oriental da Amazônia suscitou maior atenção em torno da foz do rio Amazonas, porta de entrada da região pelo Oceano Atlântico. Em 1956 foi criado o Comando Militar do Amazonas, vislumbrando um aumento da importância da região em nível internacional e a possibilidade dos crimes transnacionais (drogas, armas e contrabandos). Com isso, iniciou-se o emprego das embarcações do Exército brasileiro na patrulha dos rios e interceptação de outras embarcações no combate aos ilícitos na faixa de fronteira, bem como seu emprego no transporte de uma esquadra sem proteção armada.
No ambiente internacional, o Regime Jurídico no Mar territorial baseado na declaração dos Princípios do México afirmava a competência do Estado e declarava a regra das três milhas como insuficiente para limitar a extensão do Mar Territorial (MT), sustentando o direito de cada Estado em estabelecer a largura do seu MT dentro de limites mais aceitáveis, atendendo a fatores geográficos, geológicos e biológicos, bem como às necessidades econômicas da sua população e sua segurança, desde que fosse capaz de policiar e defender o limite estabelecido.
O dilema da segurança foi visto como tônica dos discursos políticos, uma vez que ainda naquele ano, o decreto nº 40.704 relacionava os serviços de praticagem como de Utilidade Pública e interesse de Segurança Nacional, devido ao momento político da Guerra Fria iniciada no final da década de 1940. No setor acadêmico-marítimo, a Lei nº 2.801/56 extinguiu a Escola de Marinha Mercante do Lloyd Brasileiro e criou a Escola de Marinha Mercante do Rio de Janeiro (EMMRJ), colocando-a sob o Ministério da Marinha, a partir do pensamento da época sobre a instabilidade geopolítica mundial.
Vinte e quatro meses mais tarde, o Plano de Metas do governo de Juscelino Kubitscheck (JK) adotava medidas que permitiram grande crescimento do setor. Foram nomeados três capitães de mar-e-guerra da ativa, para comandar a frota mercante nacional de petroleiros, do Lloyd Brasileiro e da Companhia Nacional de Navegação Costeira; no Congresso, criou-se o a lei do Fundo Portuário Nacional com taxas de melhoramentos dos portos. O Grupo Executivo para Indústria de Construção Naval (GEICON) surgiu para fortalecer a Marinha Mercante nacional e por consequência a própria Marinha de Guerra, para controle do tráfego marítimo.
Nessa nova visão política, também nasceu o Fundo de Marinha Mercante, como produto da Taxa de Renovação da Marinha Mercante arrecadada às empresas de navegação estrangeiras, pelas de propriedade da União e pelos armadores nacionais que operem navios estrangeiros fretados, vindo a alterar a conveniência da participação dos navios da marinha brasileira no tráfego comercial.
Com o propósito de defender as linhas de comunicação mercantl, em 1959 foi estabelecido pela Junta Interamericana de Defesa (JID) o Plano de Defesa do Tráfego Marítimo Interamericano (PDTMI), que propôs uma estrutura de Controle Naval do Tráfego Marítimo (CNTM) com ar continental, com base em duas organizações: uma militar responsável pelo CNTM e outra civil voltada para a direção civil do transporte marítimo. Cabe ressaltar que o mundo ainda vivia instabilidade, pois a Guerra Fria só terminou quase trinta anos depois. No meio político sobre Segurança Pública existiu em São Paulo, uma polícia marítima e outra para o setor portuário, ambas compostas por pessoal com certificação náutica, sendo chamados de Guardas Marítimos e Aéreos. No primeiro ano da década de 1960, a capital do país mudou do Rio de Janeiro para Brasília, mas o Tribunal Marítimo permaneceu na primeira.
Duas décadas depois do Regulamento para Capitanias dos Portos (CP) de 1940 para o tráfego marítimo e sua polícia, o decreto nº 50.114 de 26 de janeiro de 1961 estabelece a impropriedade do referido documento e a inexistência de um Código de Navegação Marítima e Interior. De acordo com o regulamento, as capitanias e delegacias eram vistas como os órgãos mais importantes de toda a estrutura do trabalho marítimo. A elas competiam os serviços de inspeção, disciplina e policiamento do trabalho nos portos, na navegação e na pesca.
Essas delegacias eram subordinadas ao Ministério do Trabalho. Um delegado do trabalho marítimo deliberava por meio do conselho denominado Conselho Regional do Trabalho Marítimo composto por: um representante de Ministério da Marinha, que preside a CP dos transportes, do trabalho, da fazenda, da agricultura, dos empregados e dos empregadores. Com a mudança, houve uma reformulação para os órgãos militares executores e que tratou apenas dos pontos relacionados à Polícia Naval para apreensão de embarcações, aforamento de terrenos da Marinha, balizamento, e não para a patrulha ou controle do tráfego mercantil em si, tráfico de ilícitos, contrabando ou outros crimes comuns da área marinheira.
No campo das Relações Internacionais, tivemos o incidente chamado “Guerra da Lagosta” (1961-1963), no qual navios pesqueiros franceses operavam sem autorização em nossas águas, usufruindo do nosso pescado no Nordeste. Tal crise levou o governo brasileiro a tomar ações de persuasão naval coercitiva em relação à França e suas embarcações pesqueiras, determinando o envio de navios da Marinha do Brasil ao local da crise a fim de demonstrar que o País estava disposto a defender seus direitos.
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Por meio do programa Silvio Mota, em 1963, aprovou-se o Plano Diretor da Marinha, racionalizando, de acordo com a experiência penosamente adquirida pela Marinha brasileira ao longo de todos os anos da sua existência, novas técnicas de administração e orçamento desenvolvidos após a Segunda Grande Guerra com unidades de serviço, como: serviço patrulha costeira e socorro marítimo – 12 navios patrulha costeira; polícia naval e as lanchas armadas para as capitanias de portos e suas delegacias (inclusive as fluviais).
A lei nº 4.213 desse ano reorganiza o Departamento Nacional de Portos, Rios e Canais dando-lhe a denominação de Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis, disciplina a aplicação do Fundo Portuário Nacional, mas não menciona como seria o policiamento naval ou marítimo nos portos e vias navegáveis interiores, mar territorial e acessos aos portos.
República sob comando militar: 1964-1985
O fim do governo do presidente João Goulart foi marcado por descontentamentos políticos e administrativos, com ameaças à segurança interna e, como consequência, ascensão dos militares ao poder como forma de estabilizar o governo. Após a posse do general Humberto Castelo Branco como Presidente da República, Vasco Leitão da Cunha foi designado para chefiar o Itamaraty e Juracy Magalhães para representar a embaixada brasileira em Washington. A política externa sob o comando militar ficou conhecida pela “correção de rumos” e pelo desmonte das bases da Política Externa Independente, por meio da teoria conhecida como “círculos concêntricos”, uma vez que estabeleceu metas específicas para a América Latina.
Esse período foi pautado pelo realismo da bipolaridade da Guerra Fria, pelo ocidentalismo, pela noção de “segurança coletiva”, abertura ao capital estrangeiro, posicionamento anti-armamentista na Conferência do Desarmamento em Genebra, e na proposição de um fundo para reversão de gastos militares em desenvolvimento econômico. A participação de 26 países da ONU em 1964 foi uma demonstração de segurança coletiva, incluindo a proteção dos mares.
Assim, sob uma nova perspectiva, no ano seguinte houve novas atribuições da Comissão de Marinha Mercante (CMM) e do Conselho Superior do Trabalho Marítimo, definindo que a CMM não era órgão de representação, como antes se caracterizava, mas ao contrário, era uma entidade de atribuições executivas que abrangeriam toda a política e o programa de Marinha Mercante e de construção naval. Sem lugar para representantes com mandatos pré-determinados, que afetassem a sua continuidade administrativa, e muito menos para representações de organizações interessadas. O objetivo era resguardar o interesse nacional para o tráfego marítimo e não apenas de algumas classes.
Em decorrência dessa lógica, o governo federal com Castelo Branco, ex-Chefe do Estado Maior do Exército, vinculou ao Departamento de Segurança Pública os serviços de Polícia Marítima como o grupamento operacional marítimo e fluvial, codificados como CT-303-12 e CT 305-7 compostos por tripulantes com formação mercantil.
Com mercantes e militares na proteção e defesa das águas jurisdicionais brasileiras no campo de segurança pública (no Mar Territorial) e defesa nacional (em águas além do MT), a Nação aumentou o limite do Mar Territorial para seis milhas, por meio do Decreto-lei nº 44/1966. Além disso, esse decreto também estabeleceu uma faixa adicional, até a distância de doze milhas do litoral, no que concerne à prevenção e à repressão das infrações em matéria de polícia aduaneira, fiscal, sanitária ou de imigração.
Ainda sob a perspectiva legislativa, o documento número 5189/1966, lei de meios para o exercício de 1967, nasceu o programa orçamentário do governo federal com as funções que foram criadas para Defesa nacional e Segurança Pública e Transporte. Cada função não se vinculava com exclusividade a tal ou qual ministério ou conselho, uma vez que mais de uma função poderia ser contemplada em cada órgão. Internamente, tivemos a criação do Código Tributário Nacional em outubro, dispondo sobre um sistema e instituição de normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios, nelas havendo a definição sobre policiamento, considerando o conceito de polícia como ato de atividade da administração pública, sem abuso ou desvio de poder.
O ano de 1967 foi importante para a navegação, a começar pela Constituição com o artigo oitavo sobre a competência da união, que estabelecia: VII – organizar e manter a Polícia Federal com a finalidade de prover: a) os serviços de polícia marítima, aérea e de fronteiras; b) a repressão ao tráfico de entorpecentes. Porém não menciona mais o Poder de Polícia Naval. Houve uma omissão quanto às Forças Armadas (FA), mas o Código Tributário inclui indiretamente o termo polícia como administração pública.
Juntamente com a nova Constituição houve um Projeto de Expansão da Marinha Mercante com Comissão de Marinha Mercante por meio das resoluções 2995 e 3205, que definiram as atribuições dos Portos Organizados e Repartições aduaneiras na fiscalização, controle e trânsito de mercadorias. Na gestão do Diretor de Porto e Costas, o vice-almirante Gastão Brasil do Carmo Júnior, se definiu como forma de incentivo para a Indústria de Construção Naval o Fundo de Marinha Mercante, com vistas à melhorias na construção naval do país e em manter as embarcações brasileiras aptas para navegar em tempo hábil nos estaleiros brasileiros, onde os navios seriam construídos e reparados, mantendo todas as fases do ciclo econômico dentro da Nação, retirando do poder internacional o privilégio de possuir embarcações para construção e reparo fora do país.
Foi disseminado no meio legislativo que a Marinha era responsável por propor a organização e providenciar o aparelhamento e adestramento das forças navais e aeronavais; propor diretrizes para a primeira Política Marítima Nacional (PMN/1984), além de relacionar como atribuições subsidiárias: orientar e controlar a Marinha Mercante, no que interessa à Segurança Nacional, e prover a segurança da navegação, seja ela marítima, fluvial ou lacustre, além de exercer a Polícia Naval.
Consagrou-se então a filosofia de que o Ministério da Marinha deveria ser hibridamente organizado: como repartição da administração pública e ao mesmo tempo como comando militar operativo. Já na primavera seguinte, foi alterada a Força Ativa da Marinha, incluindo os alunos dos Centros de Instrução e Escolas de Formação de Oficiais da Reserva da Marinha e os Práticos, alterando a lei de 1955, mas sem alteração na lei do Tribunal marítimo de 1954, quando foram arrolados como pessoal da Marinha Mercante.
Posteriormente, a PETROBRAS conseguiu, com seus homens do mar – mercantes brasileiros –, perfurar o poço no Campo de Guaricema, na Bacia de Sergipe-Alagoas, um marco para a produção petrolífera e para a economia do País. Outros atores conceituais e de controle entraram em cena: o termo “Lei e Ordem” e a criação do Comando do Controle Naval do Tráfego Marítimo (COMCONTRAM), com objetivo de melhorar a organização da fiscalização e do policiamento nas águas brasileiras, ambos pelos artigos 45 e 57, pelo decreto nº 900 que alterava o documento feito dois anos antes, destinado a proporcionar melhores condições e expansão do setor marítimo, coube ao Ministério dos Transportes a responsabilidade da navegação marítima e interior com a taxa de Marinha Mercante e a mudança conceitual do Departamento Federal de Segurança Pública para Departamento de Polícia Federal.
Com ajustes no governo, o Estado Maior da Armada (EMA) reorganizou a Polícia Naval definindo-a como importante para a segurança marítima, fluvial e lacustre; e o ato de exercer a Polícia Naval era um dos instrumentos da Marinha, visando principalmente o controle, no que interessa à Segurança Nacional como uso do Mar Territorial e Zona Contígua, das águas interiores, da Plataforma Submarina e dos terrenos de marinha e seus acrescidos e dos terrenos marginais dos portos, rios, lagoas e canais. Saindo do âmbito nacional e adentrando no estadual, temos a lei orgânica da Polícia do Estado de São Paulo integrando a Polícia Marítima à Guarda Civil, mas sem a necessidade de que esses homens fossem de formação náutica, como era antes requisito; perdeu a especialidade acadêmica da formação de homens do mar – Ciências Náuticas – com a finalidade do ato de policiar.
Já em 25 de abril de 1969, o governo brasileiro editou o Decreto-lei nº 553, alterando novamente os limites do mar territorial brasileiro, que passou a ser de 12 milhas marítimas, medidas a partir da linha de baixa-mar; um aumento expressivo de poder e soberania ao se pensar no patrimônio aquático brasileiro. A partir de tais novidades, poderíamos dizer que duplicou a área, mas não o investimento nos órgãos protetores.
No início dos anos 1970, a nossa Zona de Pesca foi alterada, para evitar situações conflituosas no campo militar e diplomático como a ocorrida na Guerra da Lagosta (1961-1963). Os responsáveis pela fiscalização nas águas brasileiras eram funcionários credenciados armados equiparados à polícia para proteção do pescado nas águas, sob ordens do ministério da Agricultura com a Superintendência de Desenvolvimento da Pesca (SUDEPE) e da Marinha com as Capitanias dos Portos. Menos de um ano depois, o governo brasileiro determinou que o “mar territorial do Brasil” abrangeria uma faixa de duzentas milhas marítimas de largura, medidas a partir da linha de baixa-mar do litoral continental e insular brasileiro, como compreendidas de todas as águas que banham o litoral do país, desde o Cabo Orange, na foz do Rio Oiapoque ao Arroio Chuí.
As razões que levaram o Brasil a expandir seu mar territorial de doze para duzentas milhas, em um espaço de menos de um ano, foram várias, de natureza interna e externa. Naquele determinado momento histórico, havia uma percepção das autoridades brasileiras que recomendava e justificava o ato de reivindicação unilateral sobre uma extensa área do mar adjacente às costas brasileiras. A ampliação do território brasileiro estava intimamente ligada à segurança nacional, com isso a Marinha de Guerra viu-se diante de um problema: como protegê-lo de forma eficiente?
Além atingi-lo por meio do patrulhamento ostensivo e periódico por navios de guerra, buscou-se melhorar a consciência marítima da população, divulgando elementos do poder marítimo para contribuir com essa mentalidade focada no mar: 1) a parcela do poder militar que atua no mar, inclusive sobre ele e em outras vias navegáveis (a que chamamos de poder naval); 2) a marinha mercante (lato sensu: empresas, navios e institutos jurídicos ou organizacionais com ela relacionados); 3) as indústrias de construção e reparos navais, os portos; 4) a indústria de pesca (embarcações, terminais e indústrias de processamento do pescado); 5) os meios de pesquisa, exploração e preservação das riquezas do mar e do seu leito, e por último, mas talvez o mais importante, 6) os homens cujo labor está vinculado ao mar, todos em busca de proteger nossas águas.
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Sobre o setor de Segurança Pública: houve uma fusão da Força Pública com a Guarda Civil e a Polícia Rodoviária, incorporadas à Polícia Militar, ordenando ao 34º Batalhão Policial Militar Marítimo e Aéreo com a finalidade de Polícia Marítima, Aérea, Fluvial, Portuária e Imigratória para o litoral de São Paulo. No final da década, a Comissão de Marinha Mercante passou a ser denominada Superintendência Nacional de Marinha Mercante (SUNAMAM) e se torna Conselho Consultivo da Presidência da República.
O general Emílio Garrastazu Médici, em seu exercício na presidência, teve um governo marcado por grande crescimento econômico. Em 1973, ele decretou ao departamento de Polícia Federal que executasse em todo território nacional o serviço de polícia marítima para evidenciar a Comunidade marítima com boa opinião pública internacional. Ainda nesse ano, o estado do Rio Grande do Norte foi palco de boas novas no setor petrolífero brasileiro, com o Campo de Ubarana, mais uma vitória do Nordeste mercante na exploração das nossas águas.
O governo do presidente Ernesto Geisel (1974-1979) ensejou profundas modificações no pensamento estratégico brasileiro, com inevitáveis repercussões sobre a estratégia naval. O espetacular desenvolvimento econômico do país, principalmente, no período de 1967-1972, em que a taxa de crescimento do produto real foi inacreditável – período conhecido como o “Milagre Brasileiro”.
O Diário Oficial da União, retratou em 1974 a SUNAMAM como Autoridade Marítima no Brasil, sob responsabilidade do Ministério dos Transportes, o que antes era encargo do Ministério de Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Posteriormente, a SUNAMAN, visando permitir maior participação brasileira nos fretes do transporte de granéis, concedeu a todas as empresas brasileiras de longo curso, privadas e estatais, autorização para operar com esse tipo de carga. Foram criadas, assim, condições para maior expansão da frota mercante, ampliando o mercado de construção naval.
As linhas pioneiras anualmente, estruturadas pela SUNAMAM no que concerne a escalas, número de navios e de viagens redondas, eram as seguintes: Linha LB-I – Brasil/Costa Oeste EUA-Canadá, via Canal do Panamá; Linha LAC Brasil-América Central; Linha LAF Brasil-África Ocidental; Linha LOM – Brasil/Oriente Médio; e Linha LAUST – Brasil/Austrália e Nova Zelândia. Com essa política adotada na navegação de longo curso e a expansão do comércio exterior brasileiro, houve um vislumbre promissor para a Marinha com muitas ações subsidiárias, no caso do policiamento marítimo, lacustre e fluvial, para se abster desse encargo e focar no que de fato sempre foi sua formação básica, convergindo todos os seus recursos no mesmo objetivo, sem responsabilidades internas de segurança pública.
Em 1975, a Diretoria de Portos e Costas (DPC) reformou do Regulamento do Tráfego Marítimo (RTM), mencionando que os limites dos portos marítimos e águas interiores seriam estabelecidos pelas Capitanias dos Portos e submetidos à aprovação da DPC, observando as definições sobre os tipos de navegação e embarcações também referidas no RTM, sem constar os limites na legislação nacional, apenas em documentos internos dos próprios departamentos da instituição marinheira.
Em nível internacional foi elaborado um Plano de Coordenação da Defesa do Tráfego Marítimo Interamericano (PLANDEFTRAMI) realçando a “importância da manutenção do comércio marítimo” entre Américas e a Europa.
No Norte do país, a divisão da Flotilha do Amazonas deu origem ao Grupamento Naval do Norte, comportando a maioria dos meios aquáticos do 4º Distrito Naval. O Grupamento Naval do Norte era a única Força da Marinha cujas atividades se desenvolviam simultaneamente em ambiente marítimo e fluvial. Dentre suas missões estavam as operações de defesa de porto, polícia naval, e patrulha costeira e fluvial.
No decorrer da década, o Estado-Maior da Armada criou o plano Constelação: instrumento administrativo elaborado para envolver toda a Marinha na preparação para receber novos navios. A intenção foi a construção de uma capacidade industrial-tecnológica para projetar e construir navios de guerra no Brasil, impulsionada pela ampliação da navegação marítima de longo curso, expansão do setor mercantil e exploração offshore nas bacias petrolíferas, tendo como pano de fundo a defesa das águas jurisdicionais brasileiras (AJB) e o Tráfego Marítimo.
A visão marinheira no ano de 1977, com o Decreto nº 79.132, estabelecia a obrigatoriedade de utilização de transporte ferroviário, marítimo, fluvial e lacustre para as cargas dos órgãos e entidades da administração pública federal e fundações instituídas pela união. Nesse ínterim, a Marinha adotou novo conjunto de políticas básicas e diretrizes, na gestão do almirante Geraldo Henning na pasta da Marinha, documento esse que reservava a Marinha brasileira como essencialmente de proteção ao tráfego marítimo, envolvendo operações antissubmarino e contramedidas de imagem – chamando a atenção para guerras regionais.
Indubitavelmente, a partir de 1977, a Marinha, pela primeira vez de forma plenamente consciente, formalizou por meio de documentação adequada sua concepção estratégica em consonância com a política governamental para orientar o planejamento e o preparo da força naval e do apoio que ela necessitava. Com a visão protetora, criou-se a Capitania Fluvial do Araguaia-Tocantins para patrulhar aquelas águas, devido a sua importância estratégica para o país.
Faltando dois anos para decênio de 1980, é a vez das águas amazônicas entrarem em evidência com o Tratado de Cooperação da Amazônia (TCA) e depois Organização do Tratado Cooperação da Amazônia (OTCA), o qual demonstrava a preocupação de patrulhar os rios e afluentes, grandes geradores de cooperação internacional. Nas margens brasileiras sempre existiu a dependência das cidades em relação aos rios navegáveis, tão próximas quanto possível das barrancas fluviais. Na ausência de ocupação contínua, os contatos internacionais na Bacia se limitaram a quatro portos fluviais de fronteira: Iquitos (Peru), Letícia (Colômbia), e Benjamin Constant e Tabatinga (Brasil), com comércio e navegação esporádicos e insignificantes; extremamente preciosos a nível estratégico, quem esqueceu a Questão Letícia de 1932?
Os documentos sobre os temas amazônicos foram a constituição de uma Subcomissão Mista para a Amazônia, promovida depois ao status de Comissão, vários atos sobre transportes fluviais e navegação em rios amazônicos; acordo sobre telecomunicação, sobre Depósito Franco para o Peru em Belém, de importância regional como a importação pelo rio, de petróleo peruano para abastecer a Refinaria de Manaus.
O Equador tem na Bacia Amazônica cerca de metade do seu território. A descoberta de petróleo nessa área criou as condições para uma complementação comercial com o Brasil em troca de bens industriais e serviços. Com uma Relação Exterior pouco conturbada, porém amigável, coube às Forças Armadas o controle e o policiamento das águas fluviais na região. Receosos sobre o curso do transporte aquaviário, uma coordenação nacional na direção civil do transporte marítimo foi implantada para situações de tensão, emergência ou guerra, procurando resguardar embarcações e tripulações de serem convocadas para uma frente (conflito) e prejudicarem outra (comércio/mercantil), por meio do decreto 85.174/80.
No comando da Marinha estava o almirante-de-esquadra Maximiliano da Fonseca, que criou muitos projetos acadêmicos e foi responsável pela criação de órgãos de desenvolvimento para o País, sendo um deles o programa de reaparelhamento da Marinha (PRM), buscando melhorar as embarcações de patrulha naval e de guerra.
Motivado pelas expectativas de melhora brasileira no setor marítimo interna e externamente, propôs a criação da Guarda Costeira Brasileira (GC), objetivando tirar o peso da Força Naval em questões de segundo plano, como policiamento marítimo e controle da Marinha Mercante, proporcionando um impulso da Marinha de Guerra, antes vista como Marinha de Guerra Regional, para, com um aumento de força, em uma Marinha de Guerra mais ostensiva e proeminente.
Detentor do pensamento sobre a resistência ao novo e sabendo que nas instituições públicas militares o tradicionalismo predomina, propôs uma GC adaptada aos Fuzileiros Navais, para que os combatentes fossem parte componente da CG no campo gerencial e operacional, juntamente com o pessoal da Reserva da Marinha, os alunos recém-formados da CIORM.
O sentimento de que o novo era orientado pela razão, influenciado pela doutrina americana (desde a criação da Escola Naval de Guerra com professores norte-americanos lecionando no país), o Ministro acreditava numa expansão da Marinha do Brasil com embarcações capazes de atuar em guerras e conflitos mais afastados do Atlântico Sul, usando como exemplo a Guarda Costeira Americana. Aprendeu muito com as guerras anteriores, em que a Marinha brasileira só pôde ficar com encargos menores, por não ter aparelhamento de combate (navios e armas) para batalhas, além de defender o tráfego marítimo no litoral brasileiro, sem poder de ação ostensivo, apenas defensivo e regional.
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Internacionalmente, acontecia na Jamaica, em 1982, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM) criando um documento que regularizou uma série de questões sobre o Direito Marítimo no cenário mundial Ele apresentava definições do que seriam o Mar Territorial, Zona Contígua, Zona Econômica Exclusiva e Plataforma Continental, entre muitas outras. A Institucionalização de uma Autoridade Internacional gerou uma forma de administrar a regulamentação dos transportes e comunicações marítimas, das águas dos Estados Arquipélagos, de um novo Tribunal do Mar, fixação de critérios de delimitação de fronteiras marítimas e quem poderia policiar, vindo a influenciar o Brasil e toda a legislação pertinente as nossas águas.
A Guerra das Malvinas, entre Argentina e Reino Unido, sensibilizou muito a sociedade brasileira para uma visão da Marinha Mercante como tema de Relações Exteriores e diplomacia. Como um navio brasileiro no Canal de Beagle foi abordado pela Prefectura Naval do país e não por navios de guerra argentinos e como seria a opinião sobre agressão diplomática e soberania brasileira x argentina e suas repercussões, já que o Brasil não tinha uma GC para atuar nesses casos em que o ato de policiar não é hostil e não fere a diplomacia dos navios estrangeiros. Incidentes diplomáticos-militares como o da interceptação do navio mercante Shackleton pela armada argentina (1976) foram analisados para proporcionar ensinamentos para o Brasil.
No campo petrolífero, a PETROBRAS conseguia mais um fato inédito: a marinha mercante atingia o recorde de perfuração em águas profundas e ultra profundas com o Campo de Albacora. As profundidades eram iguais ou maiores que 500 metros e 1.500 metros respectivamente, o que foi um novo marco da capacidade mercantil brasileira, a expansão da Marinha Mercante no setor de perfuração.
Nessa nova configuração, passamos a ter um mar territorial (MT) de doze milhas, uma Zona Econômica Exclusiva (ZEE) de 188 milhas e uma Plataforma Continental (PC) que poderia se estender até 350 milhas, trazendo implicações econômicas muito importantes, principalmente no que dizia respeito à exploração de recursos como a pesca e a extração de petróleo e gás da PC. Além disso, o país promulgou a Convenção Internacional para Salvaguarda da Vida Humana no Mar, mesmo esta convenção tendo entrado em vigor no território alguns anos antes. A ampliação da área de soberania brasileira foi um impulso no pensamento estratégico naval.
Baseado nessa perspectiva, visando uma possível necessidade de incrementar a vigilância e a fiscalização de nossas águas, a Marinha considerou ser importante que o governo dispusesse de um organismo capaz de efetuar vigilância e fiscalização que não fosse a Força Naval, já que muitas dessas atribuições não eram missão do Ministério da Marinha, mas abrangiam outros ministérios. Assim, um organismo que permitisse uma escalada intermediária das ações de governo, deixando a Força Naval para atitudes irreversíveis, permitiria uma gradação e proporcionaria à nossa diplomacia a capacidade de responder aos países dos navios e embarcações, infratores de nossas normas fiscais e ou administrativas, que a ocorrência era mera ação do exercício do poder de polícia e não um ato hostil ou de guerra não declarada efetuado por navio de guerra e/ou elementos da Força Armada da Marinha. Assim, alterou o Regulamento do Tráfego Marítimo, cancelando decretos anteriores, mantendo o controle e a ordem das águas seja por instalações e/ou tripulações sob o Ministério da Marinha, mas mencionando que a Instituição proveria a segurança da navegação aquaviária, exerceria o poder de Polícia Naval conforme acordos internacionais, e Patrulha Costeira no que tange à Defesa Nacional, inclusive na Plataforma Continental.
Foi criada a Comissão Marítima Nacional (CoMaNa), como órgão governamental de mais alto nível para assuntos ligados às atividades marítimas, com a finalidade de assessorar diretamente o Presidente da República na consecução da Política Marítima Nacional (PMN). Como forma de unificar todos os interessados no mesmo projeto, foi instituída a Comissão Marítima Nacional, presidida pelo Ministro da Marinha, com representantes dos seguintes ministérios: Relações Exteriores, Fazenda, Transportes, Agricultura, Educação e Cultura, Trabalho, Indústria e Comércio, Minas e Energia, do Interior; a Secretaria de Planejamento da Presidência; e a Secretária-geral do Conselho de Segurança Nacional.
A Guerra das Malvinas instigou o Brasil a procurar meios diplomáticos para lidar com o setor marítimo e seus territórios, incluindo a passagem de navios mercantes e como esses poderiam ser usados na logística no teatro de operações em um conflito, como foram usados pelos britânicos durante a referida guerra.
No caso brasileiro, houve o incidente com o navio mercante Barão de Tefé, com destino a Antártida, interceptado no Canal de Beagle, em águas argentinas. A embarcação interceptora, da Prefectura Naval Argentina GC81, procedeu a uma verificação de norma interna local, acordada bilateralmente entre argentinos e chilenos, sobre a alternância de práticos embarcados, que a Marinha brasileira desconhecia. O episódio foi minimizado com a explicação sobre ações policiais de normatizações administrativas, sem ferir a soberania brasileira. Foram especuladas as possíveis implicações caso a embarcação interceptora fosse da Armada Argentina, caracterizando um ato hostil e inaceitável pelo Brasil.
O parlamento, convencido das características complexas da Marinha Mercante, envolvendo tantos Ministérios, receosos com a possibilidade de novos atos hostis envolvendo as embarcações nacionais da Marinha de Guerra no policiamento marítimo, propôs um projeto em que concentraria em uma única autarquia uma cooperação interministerial para reger a Marinha Mercante, inclusive no campo policial. Segue trecho do dossiê do projeto lei nº 2.494/83, com destaque por parte desta autora, retratando a inexistência de um órgão adequado para policiar as águas brasileiras:
“(…) os Ministérios da Marinha, da Justiça, das Relações Exteriores, da Fazenda, dos Transportes, da Agricultura, da Educação e Cultura, do Trabalho, da Saúde, da Indústria e do Comércio, das Minas e Energia, do Interior, das Comunicações e a Secretaria de Planejamento da Presidência da República possuem atribuições no ambiente marítimo, fluvial e lacustre, em decorrência do exercício do Poder de Polícia, que se efetiva com base nas exigências do Serviço Público e nos interesses da Comunidade. O Ministério da Marinha exerce o controle e a orientação da Marinha Mercante no que interessa à Segurança Nacional, exerce também a Polícia Naval, provê segurança à navegação, fiscaliza as águas sob jurisdição nacional, provê toda a rede de Sinalização Náutica e é responsável pela salvaguarda da vida humana no mar. (…)
(…) Todas essas atribuições necessitam de estrutura, meios e recursos humanos para serem bem executadas. Podemos afirmar que os recursos de que dispõe a nação são pulverizados por todos os responsáveis, podendo-se visualizar as superposições de ações e de esforços que podem ser traduzidas como dispersão de recursos pecuniários. Alguns dos Ministérios citados têm procurado soluções conciliatórias, de maneira a reduzir os gastos e agilizar as ações; os Ministérios da Fazenda, através de convênio, cede às Capitanias dos Portos lanchas que são guarnecidas por pessoal da Marinha, no desempenho de ações para coibir o contrabando e o descaminho. Conclui-se, portanto, pela inexistência de um órgão adequado em nossas águas, quer no litoral quer nos rios e lagos, para o exercício de um policiamento permanente que assegure uma fiscalização efetiva do cumprimento das leis pertinentes. Tal deficiência não ocorre em terra, onde diversas organizações de natureza policial, federais ou estaduais, se encarregam de diferentes aspectos do indispensável policiamento. Apesar da atividade de natureza policial propriamente dita não ser uma missão da Marinha, ela sempre cooperou na medida das suas possibilidades, embora com sensível prejuízo de sua destinação constitucional (…)”.
No quesito leis, o Código Penal Brasileiro sofreu uma alteração em decorrência das causas do ambiente marítimo internacional, buscando se adequar à nova territorialidade marinha. Menciona, então, como extensão do território nacional as embarcações brasileiras de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro, bem como aos navios mercantes que se encontrem em alto-mar, para aplicar a lei brasileira aos crimes praticados a bordo, estando no porto ou MT do Brasil, sem prejuízo das convenções, tratados e regras do Direito Internacional.
Na metade da década de 1980, surge o Programa Calha Norte, priorizando o desenvolvimento da Amazônia Setentrional, em particular os rios Negro, Amazonas e Solimões com sua navegação fluvial e patrulhamento ostensivo feito pelas Forças Armadas, em que o encarregado pelo policiamento aquático era a Marinha.
Análise qualitativa
Nos períodos traumáticos das guerras, mesmo quem não tinha formação nauta passou a vigorar como ator policial das águas jurisdicionais nacionais, o que deixou um rastro sutil de esquecimento de uma formação marinheira milenar. Após esses períodos, os limites territoriais aquáticos brasileiros cresceram exorbitantemente com a mudança internacional de conscientização marítima, a criação da ONU e posteriormente a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. No entanto, os proventos brasileiros não vieram com a mesma proporção financeira para defender e proteger nossas águas ou sequer reconhecer a necessidade de como deveria ser o policiamento do bem marinho e das embarcações que dele se servem.
A Marinha, durante os períodos de 1945 a 1985, desenvolveu-se pouco em relação ao Brasil, porém ainda com um bom crescimento no setor de construção e reparo naval, mesmo que ainda muito carente de recursos para a projeção territorial brasileira nas águas jurisdicionais cada vez mais importantes para a economia brasileira.
Com uma visão política de que não se tem recursos para investimento de meios flutuantes para policiamento e proteção de nossas águas, buscou-se desmembrar a responsabilidade da Marinha mercante com o projeto de criação da Guarda Costeira brasileira para o policiamento marítimo e encargos de segurança pública e suas possíveis consequências no âmbito diplomático internacional, ao se tratar de embarcações de todos os tipos de bandeiras, e como poderia ser visto como hostilidade a interceptação por parte de um navio de guerra brasileiro no ato de policiar.
Essas responsabilidades extra-Marinha contrapõem-se em muito ao desejo da Marinha de ser capaz de operar por longos períodos em alto-mar, com capacidade de projeção naval sobre terra. Uma instituição limitada por navios de pequeno porte e sistemas de armas mais simples tem sido atrofiada, apesar de ciente do seu ato de assegurar a defesa das águas territoriais brasileiras, aqui vistas como uma ação subsidiária, de responsabilidade direta do Ministério da Justiça.
O decorrer do policiamento marítimo brasileiro será descrito na Parte 3, com a República Nova de 1985 e a atualidade até o primeiro semestre do ano 2021.
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