Quando “desligou” a guerra americana no Afeganistão, o presidente Joe Biden disse que as razões para ficar, 10 anos após a morte do líder da Al Qaeda, Osama bin Laden, se tornaram “cada vez menos claras”. Agora que a partida final está à vista, as questões sobre a clareza mudaram para o plano pós-retirada de Biden.
O que os Estados Unidos fariam, por exemplo, se o Talibã aproveitasse a saída dos militares americanos para tomar o poder? E podem os Estados Unidos e a comunidade internacional, apenas por meio da diplomacia e da ajuda financeira, evitar o agravamento da instabilidade no Afeganistão que manteve as tropas americanas e da coalizão lá por duas décadas?
O governo Biden reconhece que uma retirada total das tropas dos EUA não é isenta de riscos, mas argumenta que esperar por um momento melhor para encerrar o envolvimento dos EUA na guerra é uma receita para nunca partir, enquanto as ameaças extremistas inflamam em outros lugares.
“Não podemos continuar o ciclo de estender ou expandir nossa presença militar no Afeganistão, esperando criar condições ideais para a retirada e esperando um resultado diferente”, disse Biden em 14 de abril ao anunciar que “é hora de encerrar a guerra mais longa da América”.
A seguir, um olhar sobre algumas das perguntas sem resposta sobre a abordagem de Biden para a retirada.
O QUE ACONTECE APÓS A SAÍDA DAS TROPAS?
As previsões variam do desastroso ao simplesmente difícil. As autoridades não descartam uma guerra civil intensificada que crie uma crise humanitária no Afeganistão que pode se espalhar para outras nações da Ásia Central, incluindo o Paquistão armado com armas nucleares. Um cenário mais promissor é que o governo de Cabul faça as pazes com os insurgentes do Talibã.
Em uma audiência no Senado na quinta-feira, um oficial sênior de política do Pentágono, David Helvey, foi questionado como ele poderia permanecer otimista quando, apenas nas primeiras semanas da retirada dos EUA, centenas de afegãos foram mortos.
“Eu não diria que estou otimista”, respondeu Helvey, acrescentando que um acordo de paz ainda é possível.
COMO AS FORÇAS AFEGÃS VÃO SE MANTER?
O governo americano diz que vai pedir ao Congresso que continue autorizando bilhões de dólares em ajuda aos militares e policiais afegãos, e o Pentágono diz que está trabalhando em maneiras de fornecer suporte de manutenção de aeronaves e assessoria à distância. Muito desse trabalho foi feito por empreiteiros dos EUA, que estão partindo junto com as tropas dos EUA. Os militares dos EUA também podem se oferecer para levar algumas forças de segurança afegãs a um terceiro país para treinamento.
Mas nenhuma dessas coisas – o treinamento, o assessoramento ou o respaldo financeiro – está garantida.
Também não está claro se os EUA fornecerão poder aéreo em apoio às forças terrestres afegãs de bases fora do país.
A força aérea afegã é fundamental para o conflito em curso, mas continua dependente de empreiteiros e de tecnologia dos EUA. Os afegãos, por exemplo, têm drones, mas não do tipo armado, o que os torna menos eficazes em batalha.
O TALIBÃ IRÁ RECRUTAR OU APOIAR A AL-QAEDA?
Em um acordo de fevereiro de 2020 com o governo Trump, o Talibã prometeu repudiar a Al Qaeda, mas essa promessa ainda não foi testada. Isso é importante à luz da disposição do Talibã, durante seus anos no poder na década de 1990, de fornecer refúgio para Bin Laden e seus colegas da Al Qaeda.
Joseph J. Collins, um coronel aposentado do Exército que estudou a guerra dos EUA no Afeganistão desde o início, observa que, há apenas dois anos, o Pentágono estava alertando o Congresso sobre as ligações duradouras entre a Al Qaeda e o Talibã. Em um relatório de junho de 2019, o Pentágono disse que a Al Qaeda e sua afiliada com base no Paquistão, a Al Qaeda no subcontinente indiano, “rotineiramente apóiam, treinam, trabalham e operam com combatentes e comandantes do Talibã”.
Collins não acredita que o Talibã tenha genuinamente renunciado aos laços com a Al Qaeda. “Não acho que o leopardo tenha mudado de forma alguma suas manchas”, disse ele em uma entrevista.
No início deste mês, o órgão de vigilância do governo dos EUA para o Afeganistão relatou ao Congresso que a Al Qaeda depende do Talibã para proteção. O relatório, citando informações fornecidas pela Agência de Inteligência de Defesa em abril, disse: “os dois grupos reforçaram os laços nas últimas décadas, provavelmente tornando difícil a ocorrência de uma divisão organizacional.”
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O QUE SE TORNAM DOS ESFORÇOS CONTRATERRORISTAS DOS EUA?
O Pentágono diz que todas as forças de operações especiais dos EUA partirão até 11 de setembro. Isso tornará as operações de contraterrorismo no Afeganistão, incluindo a coleta de informações sobre a Al Qaeda e outros grupos extremistas, mais difíceis, mas não impossíveis.
A resposta do governo americano para esse problema é continuar a luta “além do horizonte”. Este é um conceito familiar aos militares, cujo alcance geográfico se expandiu com o advento de drones armados e outras tecnologias.
Mas vai funcionar? O governo americano ainda não fez nenhum acordo sobre bases ou acessos com países que fazem fronteira com o Afeganistão, como o Uzbequistão. Portanto, pode ter que depender, pelo menos no início, de forças posicionadas dentro e ao redor do Golfo Pérsico, o que significa que os tempos de resposta serão muito mais longos.
O QUE ACONTECE COM A DIPLOMACIA?
O governo diz que manterá a presença da embaixada dos EUA, mas isso se tornará mais difícil se a saída dos militares levar ao colapso do governo afegão.
O general Mark Milley, chefe do Estado-Maior Conjunto, disse a repórteres na semana passada que garantir o acesso ao aeroporto internacional de Cabul será fundamental para permitir que os Estados Unidos e outras nações mantenham embaixadas. Ele disse que os aliados dos EUA e da OTAN estão considerando um esforço internacional para proteger esse aeroporto.
Um problema relacionado é o destino dos civis afegãos que podem ser alvos do Talibã ou de outros grupos por ajudar no esforço de guerra dos EUA. Intérpretes e outros que trabalharam para o governo dos EUA ou para a OTAN podem obter o que é conhecido como visto especial de imigrante, mas o processo de inscrição pode levar anos.
O enviado especial de Washington ao Afeganistão, Zalmay Khalilzad, disse ao Congresso que o governo americano quer proteger esses civis, mas que está tentando evitar o pânico que pode explodir se parecer que os Estados Unidos estão encorajando “a partida de todos os afegãos instruídos” de uma forma que mine o moral das forças de segurança afegãs.
Fonte: Military Times.