Como os britânicos veem seu papel no mundo em 2030 – e como estão se preparando para exercê-lo

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Foto: Royal Navy.

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Em 16 de março o governo britânico publicou a que é tida como a maior revisão de defesa e segurança do Reino Unido desde o final da Guerra Fria. O documento, com mais de cem páginas, define a abordagem do país aos desafios esperados para a próxima década.


O Reino Unido acaba de divulgar um documento cuja leitura considero muito importante, fundamental mesmo, para quem se dispõe a compreender o jogo que as grandes potências estão a disputar na arena internacional. Nele, são apresentadas as revisões das políticas integradas de defesa e segurança, relações internacionais e desenvolvimento da Grã-Bretanha (Disponível para download em https://velhogeneral.com.br/download/21915/).

O documento tem, na introdução, a visão do Primeiro-Ministro Boris Johnson para o Reino Unido no ano de 2030. Em resumo, trata-se de uma visão otimista sobre o papel de seu país no mundo, que enxerga o Reino Unido como uma das mais influentes nações do planeta, com uma economia forte e que, em razão da ênfase na adoção de inovações científicas e tecnológicas, estará mais bem equipada para enfrentar um mundo ainda mais competitivo.

Johnson entende que o Reino Unido deverá exercer um papel mais ativo como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU na defesa de uma ordem internacional que ele acredita ser a mais adequada à humanidade. Enfatiza o papel do país na defesa do livre mercado internacional, na defesa dos direitos humanos e das normas internacionais. Reforça que a influência do país será amplificada pelas alianças e parcerias com outros países, dentre os quais ressalta os Estados Unidos da América.

Destaca ainda que o Reino Unido continuará a ser o principal aliado europeu dentro da OTAN. Enfatiza que, como uma nação europeia, os britânicos estarão comprometidos com a segurança Euro-Atlântica, mas que o país deverá ter respeitada a sua soberania, fazendo as coisas de forma diferente da União Europeia, econômica e politicamente, quando isso for do interesse do país.

O Primeiro-Ministro prossegue, enfatizando a importância do Indo-Pacífico, região com a qual os britânicos estarão engajados economicamente de forma crescente. Também faz referência à África, em especial ao oeste africano, citando nominalmente a Nigéria. Cita ainda o Oriente Médio e os países do Golfo Pérsico, que, segundo Johnson, receberá apoio para ser cada vez mais autossuficiente para prover sua própria segurança.

Ainda de acordo com Johnson, em 2030 o Reino Unido liderará as economias do mundo na chamada economia verde, como parte dos esforços mundiais para lidar com as mudanças climáticas e a diminuição da biodiversidade. O país será reconhecido como uma superpotência científica e tecnológica e será vanguarda na regulação global sobre tecnologia, cibernética, e proteção de dados.


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O documento, após apresentar a visão de futuro esperada pelo Primeiro-Ministro, se debruça sobre as estratégias que o país deverá adotar para que tal cenário seja construído: 1) adotar a Ciência e Tecnologia como um aspecto central para a segurança nacional e para a política internacional do país; 2) moldar a ordem internacional, criando um mundo favorável às democracias e aos valores universais (sic); 3) fortalecer a defesa e a segurança no próprio Reino Unido e no mundo; e 4) aumentar a resiliência, tanto no Reino Unido quanto no mundo, contra ameaças imprevisíveis como grandes desastres naturais ou ataques cibernéticos.

As quatro estratégias apresentadas implicarão em algumas ações estratégicas. Uma será a busca de posições de liderança em organismos multilaterais, com o objetivo de influenciar as regulações internacionais, especialmente na governança do mundo digital. Outra será a busca pela liderança global para que o mundo atinja a marca de neutralidade nas emissões de carbono no ano de 2050. Proteger os interesses do Reino Unido no domínio espacial, inclusive com a criação de um Comando Espacial, é mais um exemplo.

A região do Indo-Pacífico e a China recebem uma grande atenção no documento. O país buscará desenvolver capacidades que sejam voltadas para lidar com um mundo em que a China ganhará cada vez mais importância em múltiplos aspectos da vida dos cidadãos britânicos.

Essas estratégias consideram que há quatro tendências principais para as mudanças no mundo na próxima década: 1) mudanças geopolíticas e geoeconômicas; 2) intensificação da competição no sistema internacional; 3) rápida mudança tecnológica; e 4) desafios transnacionais, ou seja, que afetam toda a humanidade, como as mudanças climáticas.

Assim, os britânicos reconhecem que, em 2030, o mundo será mais multipolar e que o centro de gravidade econômico e geopolítico terá se transferido para a região do Indo-Pacífico. Atores não estatais, como grandes companhias de tecnologia, terão um papel geopolítico até então inédito.

Essa multipolaridade intensificará a competição, que será ainda mais complexa pela presença de atores não estatais. Haverá a competição ideológica, entre sistemas políticos, e pela primazia na influência sobre a regulação do sistema internacional, especialmente no que concerne às novas tecnologias e ao uso do espaço.


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O ambiente doméstico e internacional, de acordo com o cenário apresentado, será menos seguro, com a proliferação de armas químicas, biológicas, radiológicas e nucleares (QBRN); armas convencionais mais avançadas e novas tecnologias militares. O documento destaca que, entre 2016 e 2019, o mundo testemunhou a maior quantidade de conflitos armados internacionais desde 1946 e que esta tendência deve se manter até 2030.

A ciência e a tecnologia desempenharão um papel crucial no contexto estratégico. Serão críticas para o funcionamento das sociedades e da economia, sendo, por isso mesmo, arena de intensa competição interestatal e não-estatal. Também criarão vulnerabilidades representadas por ataques aos domínios espacial e cibernético. A disseminação de desinformação online continuará a minar a coesão nacional, o sentido de comunidade e a própria identidade nacional, na medida em que as pessoas estarão cada vez mais expostas ao mundo virtual. Além disso, as ameaças à privacidade das pessoas, bem como às liberdades individuais, serão crescentes.

O documento prevê que a pandemia da COVID-19 não será a única crise global da década de 2020. As mudanças climáticas e a diminuição da biodiversidade causarão instabilidade e migrações em massa. O documento afirma ainda que, se nada for feito para a redução das emissões de carbono, o mundo sofrerá um crescimento no aquecimento global da ordem de 3,5o C até o fim do século. Isso causará ainda mais efeitos extremos como tempestades, ondas de calor, inundações etc. Doenças infecciosas causadas por zoonoses tendem a aumentar na medida em a população mundial cresce e a busca por novas áreas agrícolas causa desequilíbrios nos habitats animais. Assim, outra pandemia na década de 2020 seria, conforme a publicação, uma possibilidade realística.

O terrorismo, doméstico e internacional, será crescente, em função de diversas causas materiais e se manterá sendo uma grande ameaça para o Reino Unido e para diversos outros países do mundo. O documento considera bastante provável que até 2030 ocorra um atentado terrorista bem-sucedido utilizando armas QBRN.

Traçadas as estratégias para que, enfrentando as ameaças mundiais da próxima década, se construa o cenário desejado pelo Primeiro-Ministro, o documento passa a listar uma série de ações governamentais a serem adotadas.

Aqui, vou me concentrar apenas nas relacionadas ao campo militar que considerei mais relevantes. O documento lista muitas outras.


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Os britânicos reafirmam sua presença militar não só na defesa do próprio território, mas fazem questão de enfatizar a importância dos seus territórios além-mar: Gibraltar, Ilhas Falklands (Malvinas) e suas possessões no Atlântico, Índico e Caribe.

Reafirma-se a importância da OTAN para a segurança coletiva da Europa. Para isso, os britânicos pretendem aumentar seus gastos de defesa em cerca de US$ 33 bilhões (24 bilhões de libras) nos próximos quatro anos, elevando-os para 2,2% do PIB e mantendo-se como maior contribuinte europeu para a OTAN.

O Reino Unido modernizará seu arsenal com armas nucleares, armas de ataque de precisão, caças de 5ª geração e armas cibernéticas ofensivas. A marinha britânica aumentará sua presença no Indo-Pacífico, a começar ainda neste ano de 2021, quando o porta-aviões HMS Queen Elizabeth liderará uma Força-Tarefa aeronaval multinacional em operações no Mediterrâneo, Oriente Médio e Indo-Pacífico.

O país também investirá em sua capacidade dissuasória independente, aumentando seu arsenal nuclear. Em 2010, o Reino Unido havia decidido reduzir o total de ogivas, de 225 para 180, número que seria atingido em meados da década de 2020. Agora, o país mudou a política. Ao invés de proceder à redução, aumentará seus estoques para um total de 260 ogivas. É interessante notar que é a primeira vez que ocorre um aumento no arsenal nuclear britânico desde o fim da Guerra Fria.

Como se vê, o documento tornado público pelo governo britânico mostra que o país compreende as mudanças globais nas quais está inserido e conclui que sua posição está sob desafio de uma nova ordem mundial que emerge do oriente. O diagnóstico, a visão de futuro e a estratégia para implementá-la mostram que o país não está disposto a ver desafiado seu status de potência regional com grande influência global.

Reafirmo a importância que atribuo à leitura do documento, para que reflitamos também sobre nosso papel no sistema internacional, sobre nossas aspirações para o futuro e sobre que lugar no palco internacional almejamos deixar nosso país para as futuras gerações de brasileiros.

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1 comentário

  1. Bom dia, excelente artigo, obrigado.

    Eu penso o seguinte, o nosso Brasil é um país novo, tem só 500 anos, mais ou menos 300 anos como colônia pouco mais de 200 declarada independente, isso ai tem um peso muito grande. Um conjunto de povos, rumando a condição de civilização, de que forma vamos chegar. Esse é o problema.
    O dirigente inglês busca firma a posição britânica, através das ferramentas de dissuasão militar e influência político-econômica.
    Já aqui, bem eu acredito que as fronteiras de algumas nações tende a mudar principalmente as que ainda não alcançaram os status civilizatório, sempre é bom lembrar que em detrimento do arranjo das coisas civis sejam; elas as posições da aristocracia, o direito natural do individuo de progredir mediante, talento ou negócios. tudo isso em virtude da abstrata ideia de democracia que ainda, não nos levou a lugar nenhum.

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