Obama, Trump e Biden: consistência na política externa

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George Friedman*, do Geopolitical Futures


Donald Trump cumprimenta Joe Biden e Barack Obama em sua cerimônia de posse, em 20 de janeiro de 2017 (Foto: Lucy Nicholson/Reuters).

Embora se espere que a política externa dos Estados Unidos sob a próxima administração Biden se afaste de alguns dos princípios-chave da política do presidente Donald Trump, como o “America First”, George Friedman, analista do Geopolitical Futures, aponta para uma grande possibilidade de continuidade, especialmente no que diz respeito às relações com a China e a Rússia.


A política externa dos EUA vem em fases. Do final da Segunda Guerra Mundial até 1972, seu objetivo era confrontar a União Soviética e os governos comunistas afiliados. As coisas mudaram um pouco no início dos anos 1970, quando os EUA, enfraquecidos pela Guerra do Vietnã, começaram para trabalhar com a China contra a União Soviética para finalmente alcançar uma détente[1]. Isso durou até 1991 e o colapso da União Soviética. Do início dos anos 1990 a 2001, Washington se fixou em liderar uma ordem mundial pacífica e global. Isso também mudou em 11 de setembro, quando a política girou em torno da guerra global contra o terror. As guerras foram caras e minimamente eficazes.

A fase atual da política externa dos EUA foi posta em prática por Barack Obama. Consistia em reduzir as forças militares no Oriente Médio e criar uma nova relação com o mundo muçulmano; adotar uma postura mais adversária em relação à Rússia, incluindo as investidas de Moscou no exterior e confrontar a China nas relações comerciais e, especificamente, na manipulação de sua moeda por Pequim.

A política externa de Donald Trump seguiu naturalmente. Ele também procurou retirar as tropas do Oriente Médio e criar um novo relacionamento na região. Ele foi fundamental na formalização de uma estrutura de coalizão composta por certas nações árabes e Israel contra o Irã, e fez algumas inesperadas retiradas de tropas. Ele trouxe pressão econômica sobre a China, cujos efeitos ainda estão por ver. E, finalmente, ele continuou a enfrentar a Rússia, mantendo as forças dos EUA na Polônia, Romênia e no Mar Negro.

Havia, é claro, muitas outras dimensões em todas as políticas externas, mas essas eram as mais definitivas. As relações com a Europa eram um meio de lidar com outras questões, tanto quanto eram desde 1945. As relações com o Leste Asiático eram igualmente instrumentais. Mas os elementos-chave da era da política externa Obama-Trump foram a retirada e reestruturação do Oriente Médio, contendo a Rússia e confrontando a China. A linguagem, os gestos e a atmosfera geral eram diferentes, mas a realidade era a mesma. Eles não tinham outra escolha. O Oriente Médio era essencial, e a política externa de George W. Bush havia seguido seu curso.


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Joe Biden chega à presidência com tão poucas opções quanto Trump. O tom e o teor serão radicalmente diferentes, mas a política não. Biden sugeriu, por exemplo, que adotará uma política mais conciliatória em relação ao Irã. O problema é que a nova arquitetura da região consiste em estados fundamentalmente hostis ao Irã, especialmente em suas capacidades nucleares. Eles não confiam nas promessas iranianas sobre esta questão, porque a traição pode ser catastrófica para eles. Biden não pode deixar a estrutura da aliança emergente desmoronar, nem pode se dar ao luxo de seguir em frente sem uma mão forte dos EUA. Biden pode dizer que deseja ser mais conciliador com o Irã, e pode ser isso, mas só pode fazer isso propondo uma alternativa à aliança regional criada durante o governo anterior.

Não há indicação de que Biden pretenda mudar a política dos EUA para a Rússia e a China. E se o fizer, será em resposta à forma como a China e a Rússia se comportam quando ele assumir o cargo. A China pode se tornar ela própria conciliadora e concordar com as demandas americanas, ou poderia se tornar militarmente mais agressiva antes para testar Biden e sondar suas fraquezas. A forma como Biden vai reagir a qualquer dos cenários mudará as relações EUA-China. A iniciativa está nas mãos da China, já que os EUA podem manter suas posições atuais. Da mesma forma, a Rússia pode continuar a obter profundidade estratégica, criando realidades informais em lugares como Bielorrússia ou no Sul do Cáucaso. Mas se assim for, os EUA terão que modificar – mas não abandonar – sua política de contenção. Assim como a lógica da era Obama permaneceu em vigor sob Trump, será que a lógica de Trump se manterá sob Biden, ajustando-se às novas realidades e retóricas? A política dos EUA continuará a se concentrar no novo alinhamento do Oriente Médio, contenção da Rússia e confronto com a China.

A promessa de se aproximar de aliados globais é louvável até que seja tentada. Os EUA podem tentar ter reuniões mais calorosas com a Europa, e os europeus podem optar por se tornar mais confrontantes com a China, mas isso ocorrerá porque é do seu interesse, não porque se encaixa nos parâmetros do que constitui “diplomacia normal”. Os interesses dos EUA e da Europa não costumam colidir, e nem se alinham perfeitamente. Os europeus tendem a ser avessos ao risco, especialmente em lugares como a Ásia, onde os EUA podem se dar ao luxo de ser indiferentes. Todo mundo tem medo da China. Uma reconciliação repentina entre a China e os Estados Unidos seria um terremoto.

A política externa evolui, mas evolui rápida e perigosamente. Biden é presidente, mas sua política externa, como a de todos os outros presidentes, será cercada de turbulências internas e buscará previsibilidade (estranhamente, com Trump também foi assim, mesmo quando parecia que não). O que Biden teme é o que provavelmente virá: uma profunda checagem pelos chineses, russos ou iranianos. Se ele for esperto o suficiente, vai navegar entre eles para se manter às políticas que herdou. Esse é o cenário mais provável. Ser inovador enquanto se está sendo testado pode ter consequências inesperadas.

Nota

[1] Détente é uma palavra francesa que significa distensão ou relaxamento. O termo tem sido usado em política internacional desde a década de 1970. De uma maneira geral, o termo pode ser empregado para se referir a qualquer situação internacional na qual nações que tinham anteriormente um relacionamento hostil (sem, no entanto, estarem em um estado de guerra declarada) passam a restabelecer relações diplomáticas e culturais, apaziguando seu relacionamento e diminuindo o risco de conflito declarado (Wikipédia).


*George Friedman é analista geopolítico e estrategista de assuntos internacionais mundialmente reconhecido. É fundador e presidente da Geopolitical Futures, um think tank especializado em relações internacionais e política externa americana. É autor de diversas obras, dentre as quais os best-sellers “Os próximos 100 anos” e “A próxima década”.

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1 comentário

  1. Esse autor parece muito otimista quanto a política externa dos eua, eu tenho uma visão diferente. Dizer que trump continuou a política externa de obama em relação a Rússia é no mínimo desonesto. Sob trump, mesmo ele autorizando a venda de sistemas anti mísseis para o desgoverno ucraniano e mesmo tendo acontecido o choque entre mercenários russos e militares americanos na Síria, trump sempre tentou chegar em uma détente com os russos, como na cúpula de helsink; porém em todas as suas tentativas ele foi sabotado pelo deepstate socialista dos estados unidos (que possuem seu próprio projeto de poder para a Rússia). Herdando a segunda guerra fria do presidente obama.
    Nos 4 anos de seu governo, nunca se viu qualquer provocação contra os russos, nem escalada de conflito na Ucrânia, nem intervenção humanitária na Bielorussia. Agora com a volta do deepstate socialista dos eua, a unica resposta de biden ao krelim é iniciar um conflito entre Rússia e otan que pode escalar para a guerra nuclear, ja que a Rússia nunca permitirá concentração de tropas em sua fronteira ou revoluções de qualquer cor que seja, ou qualquer progressista humanitário que seja ligado aos progressistas ocidentais.
    Biden continuará com a política bipartidaria de cercar a Rússia, que começou com clinton em 1996 (expansão da otan) e quase levou a uma guerra de verdade entre a otan e Rússia e provavelmente veremos coisa similar com biden, agora que o establishment não tem mais vergonha de se esconder.

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