Deixando de lado questões políticas e atendo-se apenas a uma avaliação militar, a retomada de Taiwan pela China Continental é meramente uma questão de tempo. Este artigo mostra, de forma qualitativa, quantitativa e através de análises comparativas com outros países, que, ao longo dos anos, Taiwan vem negligenciando sua defesa, confiando de forma excessiva nas garantias de segurança dos EUA.
A invasão de Taiwan pela China (ou, sob a narrativa oficial de Pequim, a reincorporação de parte indivisível de seu território) é uma tragédia anunciada.
Sob muitos aspectos, será resultado de uma negligente política militar doméstica (que perdurou durante anos, mormente após o falecimento de CHIANG KAI-SHEK em 1975), associada a uma excessiva (e, até mesmo, ingênua) confiança nas garantias norte-americanas de segurança coletiva.
A famosa frase atribuída ao Secretário de Estado do Presidente DWIGHT EISENHOWER (entre 21 de janeiro de 1953 e 22 de abril de 1959), JOHN FOSTER DULLES1, durante uma visita ao México em 1958 (mas que, em realidade, foi originalmente concebida pelo Presidente francês CHARLES DE GAULLE: “nenhuma nação tem amigos, apenas interesses”), “os Estados Unidos não têm amigos, têm interesses”, é uma lição amarga que muitos países, como o Vietnã do Sul (integrante, ainda que como “observador protegido”, de um acordo multilateral de defesa chamado OTASE/SEATO2), experimentaram (com terríveis consequências) na prática das cambiantes relações geopolíticas.
A verdade é que a proteção norte-americana aos países do sudeste da Ásia perdurou até o momento em que os (oscilantes) interesses norte-americanos voltaram-se para o Oriente Médio (e para a proteção de seu suprimento de petróleo), ao mesmo tempo em que a China (reconhecida diplomaticamente na histórica viagem do Presidente RICHARD NIXON em 1972) deixou de ser vista como uma ameaça, passando a ser encarada como uma aliada (de oportunidade) na luta de contenção ao expansionismo soviético.
“Tardiamente, os EUA tentaram cinicamente jogar o poderio da China contra a URSS; esta é uma política cega e perigosa.” (LEONID BREJNEV; Peace, Détente, and Soviet-American Relations: A Collection of Public Statements, Political Science, 1979, p. 222)
Ainda assim, muito antes, os EUA já tinham emitido claro sinal de que sua proteção militar (a que muitos aludiam como o “guarda-chuva nuclear estadunidense”) era limitada e sempre condicionada aos seus (mutáveis) interesses nacionais prevalentes.
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Não por acaso, muitos países, pretensamente protegidos pelo “escudo militar norte-americano”, desenvolveram suas próprias capacidades militares, inclusive adquirindo tecnologia bélico-nuclear, como foi o caso do Reino Unido em 1952, da França em 1960, e mais especificamente de Israel no final da década de 1960, como resultado de seu completo abandono, em 1967, na chamada Guerra (preemptiva) dos Seis Dias (o que motivou a África do Sul a também buscar a tecnologia, contando com apoio israelense3).
Não obstante o maciço auxílio militar norte-americano na posterior Guerra do Yom Kippur (1973), a verdade é que, no terceiro dia de intensos combates (e com riscos reais de uma derrota de Tel Aviv) o Presidente RICHARD NIXON foi advertido diretamente pela Premiê GOLDA MEIR de que Israel estava pronto para usar suas armas nucleares diretamente contra as cidades do Cairo e de Damasco no caso de um eventual desastre no campo de batalha que não fosse impedido pelos americanos, através de um amplo fornecimento de armamentos que garantiriam, alternativamente, a vitória israelense, sem o emprego de bombas atômicas.
Mais uma vez, prevaleceu a defesa dos interesses nacionais norte-americanos (no contexto da dinâmica da Guerra Fria) sobre uma pretensa amizade (irrestrita) judaico–americana.
Portanto, sem muito esforço de reconstrução da história, é fácil concluir que muitos países souberam aprender as lições relativas à realidade da política externa preconizada por Washington (entendendo perfeitamente os limites das garantias militares estadunidenses), desenvolvendo, por via de consequência, forças dissuasivas próprias (inclusive com parcial ou mesmo total independência de fornecimento estrangeiro, como é o caso da Suécia) que asseguraram, – não obstante a manutenção (mesmo que nem sempre regular) do auxílio norte-americano –, a sua efetiva proteção e, mais do que isto, a sua própria sobrevivência enquanto nações soberanas.
Nesse sentido, o caso de Taiwan é no mínimo emblemático.
Com um Produto Interno Bruto – PIB que em 2018 atingiu a surpreendente cifra de 603 bilhões de dólares (praticamente o dobro dos US$ 366 bilhões de Israel e superior à renda nacional da Suécia, de US$ 555 bilhões), é no mínimo paradoxal que um país ameaçado de constante (e iminente) invasão tenha despendido apenas 11 bilhões de dólares (1,8% do PIB) em sua defesa em comparação com Israel que, no mesmo período, gastou 18 bilhões e meio de dólares (5% do PIB).
Também chama a atenção que, em 1964, os efetivos (ativos) de Taiwan contavam com 600 mil militares (mais que o dobro dos 250 mil de Israel), e que em 2018 tenham sido reduzidos para apenas 163 mil soldados (um número equivalente aos 169 mil de Israel, entretanto com a substancial diferença que Tel Aviv consegue, ao contrário de Taipé, mobilizar outros 465 mil em 48 horas).
Ademais, salta aos olhos que o número de tanques de combate (MBT) à disposição do exército taiwanês tenha sido drasticamente reduzido nos últimos anos, contanto em 2018 com apenas 565 unidades, cerca da metade do quantitativo disponível em 1964, e todos de modelos obsoletos que praticamente não são mais utilizados pelos grandes exércitos (200 M-60 A3; 100 M-48 A5 e 265 M-48H; além de 625 tanques leves M-41/Type-64), comparados às 1.600 unidades israelenses (das quais 490 encontram-se em prontidão ativa), sendo a maioria dos moderníssimos modelos Merkava Mk. IV e III, de fabricação própria.
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No que concerne à força aérea, – componente armado vital que muitos historiadores apontam como fator decisivo que impediu a invasão germânica às ilhas britânicas na famosa Batalha da Inglaterra em 1939-40 –, a situação de Taiwan é ainda mais preocupante. Taipé contava em 2018 com 479 aviões de combate, sendo praticamente todas aeronaves com capacidade combativa extremamente limitada: 89 F-5E/F Tiger II; 146 F-16A/B Falcon (versões já bastante ultrapassadas do icônico caça norte-americano, todos adquiridos em 1992); 57 Mirage-2000 e 128 de seu avião de ataque (de fabricação local) F-CK-1C/D Chung-Ku; além de 58 outros modelos.
Não obstante as recentes encomendas de 66 caças F-16V Block 70 Viper de última geração (equipados com radar de controle de tiro de primeira linha AESA APG-83), mísseis de defesa aérea Patriot, navios detectores de minas submarinas, helicópteros Black Hawk, além de 18 torpedos Mk-48 (diretamente dos estoques norte-americanos) e outros equipamentos de menor envergadura, o rearmamento de Taiwan é, no mínimo, tardio e muito aquém de suas necessidades defensivas, e se distensionará (com exceção dos torpedos) em um longo prazo de entrega.
Vale lembrar que em 1955, após diversas tentativas de invasão chinesa às ilhas (a chamada Crise do Estreito de Taiwan – 1954/55)4, o governo EISENHOWER resolveu instalar bases americanas (e alocar efetivos norte-americanos) no arquipélago como forma de dissuadir (a exemplo da presença militar estadunidense na Coreia do Sul) qualquer aventura militar por parte de Pequim, ainda que uma segunda tentativa (igualmente frustrada) tenha sido realizada em 19585. Porém, em 1979 o governo CARTER, em acordo com as lideranças chinesas, removeu todo efetivo e os equipamentos que protegiam Taiwan6, indicando (indiretamente), o afastamento (definitivo) dos EUA de um compromisso maior com a defesa das ilhas, não obstante o chamado “Ato de Relações com Taiwan”, aprovado pelo Congresso dos EUA, em abril de 1979, que exige que o país garanta ao arquipélago (permanentemente) a sua capacidade de autodefesa.
Desde então, uma certa dose de negligência, por parte dos governos democráticos que foram instalados no arquipélago após 1975, impediu que Taiwan, seguindo o exemplo de Israel (e também de outros países como a Suécia), desenvolvesse, de forma plenamente autônoma, as suas próprias defesas, conduzindo à atual situação de extrema vulnerabilidade que acomete Taipé neste presente momento histórico.
Nunca é por demais lembrar que a sobrevivência de Israel, de forma muito diferente de algumas narrativas (que insistem em uma pseudo-predominância de um irrestrito compromisso de Washington), deveu-se exclusivamente à determinação de seu povo de se manter como nação independente, razão principal da obtenção (a um elevadíssimo custo) de armas nucleares (que, em última análise, garantiram a sobrevivência do Estado judaico em 1973) e, posteriormente, de meios mais adequados para o seu emprego (como mísseis balísticos e, mais recentemente, de cruzeiro lançados de submarinos), e da diversificação em relação a seus fornecedores de equipamentos militares (driblando, desta feita, algumas restrições norte-americanas vigentes, particularmente na década de 1960), além da constituição de uma indústria bélica nacional de grandes proporções.
Na prática, poucas dessas iniciativas foram perseguidas pelo povo taiwanês, que preferiu apostar (ingenuamente) em uma democratização da China Continental (fato que simplesmente não ocorreu e, ao que tudo indica, não deverá acontecer), indicando, no mínimo, um futuro sombrio para o sonho democrático (e soberano) de Taiwan.
Por fim, vale também anotar que Taiwan, ao lado da Coreia do Sul e de Singapura, foi um dos tigres asiáticos que obtiveram um surpreendente desenvolvimento econômico nos anos 1980 e seguintes. Porém, diferente dos outros dois países, Taipé optou por não investir na modernização e ampliação de suas Forças Armadas, deixando de ostentar, na atualidade, uma força de dissuasão semelhante à que a Coreia do Sul possui (em relação à Coreia do Norte e à China) e que Singapura7 (apesar de sua diminuta população e extensão territorial) apresenta, de um modo geral.
Mais do que nunca parece ser válida, para o caso taiwanês, a famosa advertência do autor latino PUBLIUS FLAVIUS VEGETIUS RENATUS (século IV d.C.): “si vis pacem, para bellum” (se queres a paz, prepara-te para a guerra).
Notas Complementares:
1 John Foster Dulles
JOHN FOSTER DULLES (1888-1959) foi Secretário de Estado sob o mandato do Presidente DWIGHT D. EISENHOWER, entre 1953 e 1959, destacando-se como o principal arquiteto da doutrina estratégica de “resposta total”, inaugurando, nesta toada, a chamada bipolaridade confrontativa indireta no nível contensivo, em sua particular qualidade de partidário de uma política agressiva contra o comunismo internacional.
DULLES, nascido em Washington, D.C., possuía uma forte indicação familiar para o cargo, na medida em que era neto de JOHN WATSON FOSTER, Secretário de Estado do Presidente BENJAMIN HARRISON, e sobrinho de ROBERT LANSING, Secretário de Estado do Presidente WOODROW WILSON.
Membro do Partido Republicano e especialista em direito internacional, ele foi uma personalidade atuante na Conferência de Paz de 1919, tendo ainda colaborado na elaboração do Plano Dawes (1924), delineado por CHARLES GATES DAWES como um sistema que (supostamente) possibilitaria satisfazer as reparações de guerra impostas à Alemanha, após a Primeira Guerra Mundial, decorrentes do Tratado de Versalhes. Em 1933, participou da Conferência Internacional sobre Dívidas de Guerra, realizada em Berlim e, já na gestão do Presidente HARRY TRUMAN (1945-53), foi o principal negociador do Tratado de Paz com o Japão (1951).
Como Secretário de Estado, DULLES se concentrou em construir a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), bem como em formar outras alianças (um fenômeno descrito como sua “Pactomania”) (CORNELIA NAVARI; Internationalism and the State in the Twentieth Century, Routledge, 2000, p. 316), parte de sua estratégia para controlar a expansão política e militar soviética, o que incluía retaliação massiva em caso de guerra.
Nesse período, executou uma política anticomunista, iniciando pela contenção das forças chinesas na península coreana, encerrando o impasse na Guerra da Coreia (1950-53) estabelecido por HARRY TRUMAN (1945-53). DULLES foi também um ardente defensor da chamada Teoria dos Dominós, uma doutrina de política externa americana vigente nos primeiros 15 anos da Guerra Fria, que postulava que se um país se rendesse à órbita comunista, os países vizinhos a esta também sucumbiriam, como uma fileira perfeitamente alinhada de dominós.
DULLES, ciente de que a OTAN/NATO seria eficaz apenas para a defesa da Europa Ocidental, deixando o Oriente Médio, o Extremo Oriente e as ilhas do Pacífico desprotegidos, preocupou-se em preencher essas lacunas, desempenhando um papel importante na criação de mais duas agremiações de defesa coletiva: a Organização do Tratado do Sudeste Asiático (OTASE/SEATO), em 8 de setembro de 1954, (em seguida ao acordo de divisão do Vietnã, em 21 de julho de 1954), unindo oito nações localizadas no Sudeste Asiático (Austrália, França, Nova Zelândia, Paquistão, Filipinas, Tailândia, Reino Unido e Estados Unidos; além do Vietnã do Sul e do Reino do Laos, como “observadores protegidos”), e o Pacto de Bagdá, em 24/02/1955, – mais tarde renomeado como Organização do Tratado Central (CENTO) –, que reuniu os chamados países da camada norte do Oriente Médio – Turquia, Iraque, Irã e Paquistão – em uma organização de defesa em conjunto com os EUA e o Reino Unido.
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Ainda, sua cooperação foi fundamental no Tratado do Estado Austríaco (1955), assim como no Acordo de Trieste (1954), que previa a divisão do território livre entre a Itália e a Iugoslávia. Em 1955, defendeu a admissão da Alemanha Ocidental na OTAN (cf. RONALD W. PRUESSEN; John Foster Dulles: The Road to Power, 1982, ps. 115, 123), buscando convencer o Presidente EISENHOWER de que sem o peso do poder econômico e militar alemão, a viabilidade efetiva da Organização não existiria, como de fato a ausência do Japão (sem as limitações impostas pelos próprios norte-americanos) comprovou a inviabilidade prática da OTASE/SEATO, que foi extinta em 1977, após o colapso do Vietnã do Sul, em 1975.
Em abril de 1959, DULLES demitiu-se por razões de saúde, vindo a falecer em 24 de maio do mesmo ano.
2 Organização do Tratado do Sudeste Asiático (OTASE/SEATO)
A OTASE/SEATO foi essencialmente uma versão asiática da OTAN/NATO, criada em 1954 com objetivo de bloquear possíveis avanços comunistas no sudeste da Ásia e, posteriormente, extinta em 1977, em decorrência da derrota e do consequente desaparecimento da República do Vietnã (Vietnã do Sul) em 1975, e composta, originariamente, por Estados Unidos, França, Reino Unido, Austrália, Nova Zelândia, Paquistão, Filipinas e Tailândia, além da República do Vietnã e do Reino do Laos também como observador.
3 A Capacidade bélico-Nuclear Sul-Africana
Durante a década de 1960, a África do Sul encontrava-se diante de uma série de desafios regionais, rodeada de inimigos e ameaças diretas (e indiretas) à sua segurança.
Além de ter que combater, com certa frequência, os exércitos nacionais e os movimentos guerrilheiros de países fronteiriços (ou de localização próxima), como os instaurados em Angola, Namíbia e Zâmbia, os sul-africanos também enfrentavam, em embates de menor escala, grupos comunistas no Zimbabwe, Moçambique e Botswana, inserindo-se, desta forma, em um contexto de grande instabilidade regional, robustecido, ademais, pela bipolaridade confrontativa indireta entre os Estados Unidos e a União Soviética no espectro histórico da Guerra Fria.
Oportuno ressaltar que, apesar de a África do Sul possuir um exército extremamente preparado, constituindo-se no melhor e mais bem equipado da região, o país encontrava-se, à época, não somente ameaçado por uma grande quantidade de inimigos (efetivos e potenciais), mas igualmente aprisionado a um reduzido “poder de manobra”, em face das consequências de um embargo econômico internacional (que lhe fora imposto) devido à persistência temporal quanto à manutenção de sua política de Apartheid (medida segregacional adotada pela África do Sul entre as décadas de 1940 e 1990).
Por conseguinte, o país passou, gradualmente, a sustentar uma grande dificuldade de adquirir, por meio de importação direta, os armamentos e equipamentos necessários à sua defesa, ao mesmo tempo em que a URSS propagava, – através de uma agressiva política expansionista –, sua influência pelo continente, equipando (com armamentos cada vez mais letais) os grupos guerrilheiros que antagonizavam o poderio sul-africano, criando, em consequência, uma situação de vulnerabilidade que precisava ser resolvida.
Nesse contexto, ostentar uma capacidade efetiva de se proteger e, ao mesmo tempo, dissuadir ataques contra suas forças (e contra seu território) tornou-se essencial para que os sul-africanos pudessem defender, de forma apropriada, sua soberania nacional.
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Foi, portanto, visando esse objetivo que o país começou a desenvolver (de forma silenciosa e camuflada), no final da década de 1960 (muito influenciado pelo “relativo abandono” de Israel, na Guerra dos Seis Dias, pelos EUA e seus principais aliados), uma capacidade nuclear (a exemplo do mesmo caminho trilhado pelos israelenses na mesma época) por meio da construção de artefatos atômicos.
Esperava-se que, com o advento de uma capacidade bélico-nuclear, a África do Sul conseguisse não somente manter seus inimigos afastados (como resultado de uma real capacidade dissuasiva), como também angariar um renovado poder de barganha com as potências internacionais, podendo, desta forma, participar de negociações internacionais em que, através do equilíbrio de forças (que seria conquistado por meio de uma efetiva capacidade nuclear), acabasse por fazer valer seus objetivos e clamores nacionais.
Esse projeto foi desenvolvido secretamente e com a colaboração (indireta e nem sempre plenamente consciente) de diversos países, incluindo os EUA, que forneceram alguns equipamentos científicos necessários para a realização de testes de fissão nuclear (cujo objetivo, ingenuamente, os americanos acreditavam limitar-se ao desenvolvimento de novas tecnologias para o uso civil, e não militar). Oportuno registrar que a África do Sul também angariou ajuda francesa (a exemplo dos israelenses) na realização do processo de enriquecimento de urânio (U-235), que é obtido através de um mineral abundante no país (U-238), sendo certo que, em 1967, o programa de enriquecimento de urânio foi formalmente oficializado.
Vale acrescentar que a troca de know-how realizada entre cientistas sul-africanos e paquistaneses durante o início dos anos 1970 também foi de vital importância, permitindo que o desenvolvimento do programa nuclear, – e, especialmente, da construção de uma bomba atômica –, fosse acelerado. Necessário reafirmar, em adição elucidativa, que muitas das colaborações internacionais (obtidas pela África do Sul) se deram de forma completamente involuntária, uma vez que nenhum dos países envolvidos (nesta empreitada cooperativa) tinha real noção dos objetivos sul-africanos (a exemplo dos próprios EUA).
Como resultado do programa, a África do Sul construiu um dispositivo explosivo em 1977, não obstante alguns autores mencionarem que o mesmo foi, em grande parte, simplesmente adquirido do aliado israelense, – em dificílima situação econômica (à época) devido aos enormes gastos militares com a Guerra do Yom Kippur (1973) –, mesmo após a suspensão (por pressão norte-americana) da venda direta das ogivas prontas e já montadas e instaladas em mísseis balísticos JERICHO.
Segundo diversas fontes, o país estava preparando-se para realizar testes com o seu primeiro artefato em um fosso com 800 metros de profundidade construído no deserto de Kalahari quando suas intenções foram descobertas pela URSS, que (imediatamente) informou aos EUA. Ainda em agosto daquele ano, os EUA, a URSS, a França e o Reino Unido uniram-se, em uma bem sucedida campanha, cujo objetivo principal foi o de impedir (por todos os meios) que a África do Sul realizasse este teste.
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Não obstante muitos estudiosos admitirem que a África do Sul conseguiu administrar a construção de seis bombas nucleares, similares às que foram utilizadas em Hiroshima, entre o final dos anos 1970 e o início da década de 1980 (e ostentarem, em consequência, possuir uma suposta capacidade nuclear), é fato que a mesma jamais se tornou propriamente funcional, uma vez que a África do Sul não possuía mísseis (ou outros meios) capazes de carregar os artefatos desenvolvidos, sobretudo, em virtude do tamanho e do peso dos mesmos.
Por dever de lealdade com parcela expressiva de historiadores militares, resta consignar que a África do Sul, segundo alguns analistas, também teria começado a concentrar esforços no sentido de construir um explosivo nuclear menor e mais leve, capaz de ser transportado por mísseis que estavam sendo testados, simultaneamente, ao desenvolvimento deste “segundo” tipo de artefato bélico. Há, neste sentido, fortes especulações de que, devido ao embargo econômico sofrido pela África do Sul, bem como a permanente e contínua campanha contra o seu programa nuclear, os sul-africanos tenham obtido a participação de Israel (ainda em 1977), – em uma segunda tentativa, meses após o insucesso do primeiro acordo, mais amplo, de 1975 –, por meio de uma contratação (silenciosa) que visava o desenvolvimento e a construção conjunta de mísseis balísticos e a miniaturização de bombas atômicas, ou mesmo uma nova tentativa de aquisição direta, tanto dos meios como da ogiva explosiva propriamente dita.
Em setembro de 1979, um satélite espião norte-americano detectou fachos de luz e de radiação eletromagnéticas no Oceano Índico que, por serem efeitos característicos de uma explosão nuclear, poderiam indicar (apesar da falta de confirmação) que uma bomba nuclear fora testada pela África do Sul, e, ao que tudo indicava à época, em conjunto com Israel.
Apesar de transparecer ter sido bastante promissor o gradativo melhoramento do programa nuclear sul-africano, o mesmo, diante de tantos entraves e da massiva campanha internacional, – incluindo uma aliança de conveniência entre os EUA e seus aliados com a URSS –, o mesmo encontrou seu completo encerramento no final dos anos 1980, motivado também pelo colapso da URSS, que fez com que o perigo e a iminência de um ataque comunista ao seu território, – uma das ameaças motivacionais que levou o país a desenvolver armas nucleares –, fosse encerrado e, por conseguinte, a necessidade imediata de se estabelecer uma capacidade bélica tão poderosa (e dispendiosa) em um novo cenário geopolítico pós-Guerra Fria.
4 A Primeira Crise do Estreito de Taiwan
A chamada Primeira Crise do Estreito de Taiwan foi um confronto armado de curta duração que ocorreu entre os governos da República Popular da China – RPC (China Continental) e da República da China (Taiwan). A RPC tomou as Ilhas Yijiangshan, forçando Taiwan a abandonar as Ilhas Tachen. Devido a tal fato, as Marinhas dos Estados Unidos e de Taiwan uniram-se para evacuar o pessoal militar e civil da República da China das Ilhas Tachen para Taiwan. Vale ressaltar que, embora as Ilhas Tachen mudassem de mãos o tempo todo durante a crise, os noticiários estadunidenses centraram-se quase que exclusivamente nas Ilhas Quemoy e Matsu, as quais tornaram-se palcos de frequentes duelos de artilharia.
A distância de tais ilhas para Taiwan é de cerca de 150 km. Todavia, apenas poucos quilômetros de mar separam Quemoy de territórios controlados pela China na cidade de Xiamen, estando Matsu situada a uma distância similar de Fuzhou, o que torna tais ilhas visíveis do continente e alvos fáceis para peças de artilharia (HENRY KISSINGER; Sobre a China, Rio de Janeiro, Objetiva, 2011, ps. 160-166).
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A guerra civil chinesa havia diminuído em escala em 1949, com o governo de CHIANG KAI-SHEK, do Kuomintang (KMT) e 1,3 milhões de seus partidários abandonando a China continental e criando um refúgio na ilha de Taiwan (também conhecida como Formosa) (The Taiwan Strait Crisis: 1954-55 and 1958; Office of the Historian, Bureau of Public Affairs, United States Department of State, disponível em: https://history.state.gov/milestones/1953-1960/taiwan-strait-crises, acesso: 06/10/2020). Enquanto as hostilidades no oeste e sudoeste da China continuaram, o território sob a jurisdição da República da China foi efetivamente reduzido para Taiwan, Ilhas Pescadores e vários arquipélagos ao longo da costa sudeste da China. A Ilha de Hainan caiu para os comunistas em abril de 1950 e as Ilhas Zhoushan foram evacuadas pelos nacionalistas em maio de 1950, antes da Primeira Crise do Estreito de Taiwan.
Em 1949, o Exército de Libertação Popular intentou, em algumas ocasiões, tomar os arquipélagos de Matsu e Quemoy, todavia, estas tentativas foram rechaçadas por forças nacionalistas. Em 1950, estava sendo preparada uma nova invasão; no entanto, com o início da Guerra da Coreia, o Presidente norte-americano HARRY S. TRUMAN enviou a Sétima Frota para a região, o que adiou novas tentativas de tomada das ilhas (HENRY KISSINGER, ob. cit., ps. 160-166).
Os arquipélagos de Matsu e Quemoy, situados no estreito de Taiwan, entre Formosa e a China continental, eram a principal linha de defesa dos nacionalistas contra o Partido Comunista da China (PCC), tendo, por esta razão, sido amplamente fortificados por CHIANG. As ilhas ao largo da costa da província de Chekiang eram vistas como uma excelente posição para recuperar o continente (The Taiwan Strait Crisis: 1954-55 and 1958; Office of the Historian, Bureau of Public Affairs, United States Department of State, disponível em: https://history.state.gov/milestones/1953-1960/taiwan-strait-crises, acesso: 06/10/2020).
O início dos bombardeios ocorreu quando o Secretário de Estado dos EUA, JOHN FOSTER DULLES, voava para as Filipinas para reuniões necessárias à formação da Organização do Tratado do Sudeste Asiático (OTASE/SEATO), em um contexto no qual o Presidente estadunidense DWIGHT D. EISENHOWER negociava um tratado formal de defesa mútua com Taiwan. A ofensiva da RPC fez com que três porta-aviões da Sétima Frota retornassem para a região, tendo Taiwan realizado ataques aéreos. O Tratado de Defesa Mútua EUA-Taiwan foi rubricado em 23 de novembro de 1954, mas aplicava-se apenas à Taiwan e às Ilhas Pescadores, um arquipélago situado a cerca de 40 km a oeste de Taiwan. As Ilhas Quemoy, Matsu e outras ilhas próximas do continente quedaram fora.
Em 18 de janeiro de 1955, a RPC invadiu as Ilhas Tachen e as Ilhas Yijiangshan. A Sétima Frota norte-americana não tentou defender estas ilhas, limitando-se a ajudar na evacuação das forças nacionalistas, em um contexto no qual as tropas do Exército de Libertação Popular (ELP) não estavam autorizadas a atirar contra navios ou tropas estadunidenses. No final do mesmo mês, foi aprovada uma resolução pelo Congresso dos EUA autorizando o uso da força para a defesa de Taiwan, Ilhas Pescadores e “territórios relacionados” no Estreito de Taiwan, o que ampliava a proteção do país a Taiwan.
Um dos aspectos da crise foi a ameaça de utilização de bombas atômicas, que foi objeto de uma das declarações mais polêmicas de MAO TSÉ-TUNG:
“O povo chinês não vai se deixar acovardar pela chantagem atômica norte-americana. Nosso país tem uma população de 600 milhões e uma área de 9.600.000 km2. Os Estados Unidos não podem aniquilar a nação chinesa com sua pequena pilha de bombas atômicas. Mesmo que as bombas atômicas fossem tão poderosas que, ao serem lançadas sobre a China, abrissem um buraco até o centro da Terra, ou explodissem o planeta, isso não significaria praticamente nada para o universo como um todo, embora pudesse ser um evento de magnitude para o sistema solar […] se os Estados Unidos com seus aviões, mais a bomba atômica, lançarem uma guerra de agressão contra a China, então a China, com seu painço, mas seus fuzis, sem dúvida emergirá vitoriosa. O povo do mundo inteiro nos dará apoio.”
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Em 15 de março de 1955, DULLES declarou que seria possível a utilização de armas nucleares de uso tático naquele confronto.
Nesse contexto, a China decidiu reduzir a intensidade do conflito. Em 23 de abril de 1955, ZHOU ENLAI declarou em uma Conferência Asiática-Africana de Países Não Alinhados, em Bandung (Indonésia), que:
“O povo chinês não quer entrar em uma guerra contra os Estados Unidos da América. O governo chinês está disposto a sentar na mesa de negociações com o governo norte-americano para discutir a questão do relaxamento de tensão no Extremo Oriente, especialmente a questão do relaxamento de tensão na área de Taiwan.”
Logo na semana subsequente, a RPC encerrou os bombardeios.
Um dos resultados dessa crise foi que, durante a Conferência de Genebra de 1954, convocada para resolver a Guerra de Independência do Vietnã, a RPC e os EUA acordaram em estabelecer contatos por meio de funcionários consulares em Genebra (HENRY KISSINGER, ob. cit., ps. 160-166).
5 A Segunda Crise do Estreito de Taiwan
A denominada Segunda Crise do Estreito de Taiwan teve início em 23 de agosto de 1958, quando a artilharia do Exército de Libertação Popular (ELP) passou a bombardear as Ilhas Quemoy e Matsu, localizadas no estreito, e ameaçar lançar uma invasão sobre as mesmas. MAO TSÉ-TUNG não tinha nenhum interesse em que a questão de Taiwan permanecesse adormecida, pretendendo, além de protestar contra o contínuo apoio dos Estados Unidos à República da China (Taiwan), mostrar sua independência da União Soviética (Second Taiwan Strait Crisis; disponível em: https://www.globalsecurity.org/military/ops/quemoy_matsu-2.htm, acesso: 06/10/2020).
Referidos ataques causaram a implantação da Sétima Frota da Marinha estadunidense no estreito. Depois de algumas semanas críticas, durante as quais as ilhas ficaram em sério risco, os norte-americanos conseguiram estabelecer uma linha de abastecimento em Quemoy, incluindo o desembarque aberto de artilharia que poderia lançar ogivas nucleares táticas.
A primeira fase de bombardeios durou semanas e, após uma breve pausa, os mesmos foram retomados por 29 dias. Nos últimos dias, adotou-se o padrão de efetuar bombardeios apenas nos dias ímpares, manobra que MAO descreveu como um ato de batalha política (HENRY KISSINGER; Sobre a China, Rio de Janeiro, Objetiva, 2011, p. 178).
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O conflito resultou em cerca de 1.000 mortos e feridos (HENRY KISSINGER, ob. cit., p. 180) e terminou com um cessar-fogo entre as partes beligerantes; os bombardeios, porém, continuaram de forma intermitente por mais de uma década (The Taiwan Strait Crisis: 1954-55 and 1958; Office of the Historian, Bureau of Public Affairs, United States Department of State, disponível em: https://history.state.gov/milestones/1953-1960/taiwan-strait-crises, acesso: 06/10/2020).
No início da crise, MAO TSÉ-TUNG afirmou que tais bombardeios seriam uma resposta chinesa à intervenção estadunidense no Líbano (Crise do Líbano de 1958), uma atitude que demonstraria sua oposição à política de coexistência pacífica sustentada pela URSS de NIKITA KHRUSHCHEV à época. Entretanto, ZHOU ENLAI afirmou em 5 de setembro do mesmo ano que o verdadeiro objetivo de Pequim seria a retomada das conversações entre a China e os EUA ao nível de embaixadores, uma resposta ao rebaixamento do caráter daquelas negociações (HENRY KISSINGER, ob. cit., ps. 167-168), em 1957, que ocorriam em Genebra desde o final da Primeira Crise do Estreito de Taiwan, em 1954. No dia seguinte, o Embaixador dos EUA em Varsóvia foi indicado para representar seu país na retomada do diálogo (HENRY KISSINGER, ob. cit., ps. 164, 168, 178-181).
Ao final da crise, MAO TSÉ-TUNG declarou:
“Lutamos nessa campanha, que tornou os Estados Unidos dispostos a conversar. Os Estados Unidos nos abriram as suas portas. A situação não parece ser nada boa para eles, e vão se sentir nervosos dia sim dia não se não mantiverem um canal de diálogo conosco a partir de agora. Ok, então vamos conversar. Em relação à situação geral, é melhor resolver as disputas com os Estados Unidos por meio de conversa ou por meios pacíficos, porque somos um povo amante da paz.” (HENRY KISSINGER, ob. cit., p. 184)
6 O restabelecimento das relações diplomáticas entre a República Popular da China e os Estados Unidos em 1979 e o fechamento das bases militares norte-americanas em Taiwan
O arquipélago de Taiwan possuía bases militares estadunidenses instaladas em seu território desde 1955, mas a Sétima Frota da Marinha estadunidense já patrulhava rotineiramente o estreito que separa a ilha do continente desde o início da Guerra da Coreia (1950-53); juntas, estas forças formavam um amplo componente dissuasório contra qualquer tentativa de invasão por parte da República Popular da China – RPC. As bases localizadas no arquipélago também foram de grande auxílio aos próprios norte-americanos durante a Guerra do Vietnã (1964-75), quando o número de tropas estacionadas no território subiu gradualmente até atingir 30.000 efetivos.
Todavia, o Comunicado de Xangai, publicado pelos EUA e pela RPC em 28 de fevereiro de 1972, durante a visita do Presidente estadunidense RICHARD NIXON à China Continental, estabeleceu que as tropas e os equipamentos bélicos norte-americanos em Taiwan seriam gradualmente retirados. Ainda em 1972, NIXON ordenou a retirada de todo o armamento nuclear da ilha e, em abril de 1973, após as tropas estadunidenses terem saído do Vietnã do Sul, o número de efetivos norte-americanos estacionados no arquipélago declinou para 12.000 homens.
No Comunicado Conjunto de Estabelecimento de Relações Diplomáticas, datado de 1º de janeiro de 1979, os EUA transferiram o reconhecimento diplomático de Taipé para Pequim. Com esta atitude, reiteraram a posição da RPC de que existe apenas uma China e que Taiwan (ou a chamada República da China) faz parte da mesma.
Após o citado reatamento completo das relações diplomáticas entre os EUA e a RPC, a última cerimônia militar estadunidense na ilha ocorreu em 26 de abril de 1979, com o último soldado deixando Taiwan em 3 de maio do mesmo ano.
7 As Forças Armadas de Singapura
Singapura é uma cidade-estado insular, localizada na ponta sul da Península Malaia, no Sudeste Asiático, sendo constituída por um conjunto de mais de 60 ilhas, com uma geografia marcada por rios, pântanos e montanhas. Somando uma área total de cerca de 704 km2, o país é cercado por inimigos históricos. O território singapuriano não tem reservas conhecidas de petróleo, gás ou minérios, e, igualmente, não conta com terras aráveis para a produção agrícola que sejam capazes de sustentar sua população (que soma aproximadamente a cifra de cinco milhões de habitantes).
Analisando sob o contexto geopolítico, vale destacar que o país é independente há pouco mais de 50 anos, tendo sua história sido fortemente marcada pela intervenção europeia na região, mais especificamente por parte dos britânicos, que haviam sido (historicamente) colonizadores daqueles territórios.
Oportuno lembrar que a população de Singapura foi envolvida diretamente com os eventos decorrentes da Segunda Guerra Mundial, ocasião em que, simplesmente, foi, em grande parte, dizimada e saqueada.
Na contramão do que se espera de um país com esse passado histórico, – e, ainda, dotado de reconhecida desprivilegiada geografia –, Singapura é, nos dias de hoje, contudo, o quinto maior IDH do mundo, e chegou, segundo algumas fontes, a, inclusive, ostentar a maior renda per capita do planeta.
Além de estar presente no chamado “Top 10” de educação, saúde, expectativa de vida e segurança urbana, suas Forças Armadas, ainda que consideravelmente compactas, contam com uma capacitação tecnológica de altíssimo grau, o que lhe confere o caráter de grupo militar mais avançado de todo o Sudeste Asiático. Tal fato é perfeitamente explicado considerando-se sua posição geopolítica (extremamente) delicada, por se tratar, – a exemplo de Israel –, de um país de dimensões geográficas mínimas, cercado de nações relativamente hostis (e consideravelmente maiores em termos territoriais), incluindo algumas que sequer reconhecem a sua independência.
Seu poderio militar nasceu, particularmente, nos anos 1960, após o país conquistar a independência do Reino Unido, passando a ser amplamente temido e respeitado a partir do final dos anos 1970. Escolheu-se a divisão de suas Forças Armadas, de forma clássica, em três diferentes ramos: Exército, Força Aérea e Marinha.
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Apesar de possuir um contingente ativo reduzido de aproximadamente 72.000 militares, além de um corpo de reserva de aproximadamente um milhão e meio de militares treinados, Singapura desponta, sobretudo, como um exemplo de tecnologia bélico-militar, contando com um contingente de 200 veículos blindados Leopard 2SG, uma versão alemã construída sob medida para as especificidades do Exército desta pequena nação, além de um veículo de combate de infantaria armado com um canhão de 30 mm, denominado Bionics 2, projetado e construído pela própria indústria de Singapura. Adicionalmente, existem, ainda, variações dos veículos de transporte, o M-113 e o T-REX AVI81 respectivamente, adaptados e projetados localmente. Em termos de artilharia, mantém um elevado padrão qualitativo com exemplares do SSPH1 de 155 mm, que é um projeto também do parque industrial bélico-militar de Singapura, baseado no canhão autopropulsado M-109 norte-americano. Finalmente, como fuzil padrão, utiliza o modelo SAR-21, também desenvolvido internamente.
Tratando-se da Força Aérea, o país também se destaca no cenário internacional, contando com um estoque de mais de 200 aviões, em sua maioria modelos de aeronaves modernas, incluindo uma força de caças com 100 unidades, das quais 60 são do modelo F-16 Falcon e 40 do modelo F-15 SG Eagle, uma versão projetada especificamente para o país. Contabiliza também uma frota de 20 helicópteros de ataque APACHE AH-64; 16 helicópteros de transporte CH-47 CHINOOK; 18 unidades dos helicópteros SUPER PUMA, além de 12 unidades do COUGAR da Eurocopter.
A exemplo do Japão, que igualmente se constitui em um arquipélago (ainda que de dimensões significativamente maiores), Singapura tem plena consciência quanto à necessidade de se proteger maritimamente, razão pela qual o país vem investindo massivamente em submarinos, com atualmente seis unidades em operação e outras quatro em construção. Conta também com seis fragatas modernas da classe Formidable em operação, que foram comissionadas entre 2007 e 2009, equipadas com radares sofisticados e sistemas de mísseis antinavio e antiaéreos da MBDA, além de seis corvetas e quase uma dezena de navios de patrulha oceânica. A Marinha de Singapura ainda opera quatro navios de desembarque anfíbio (capazes de transportar helicópteros e dezenas de veículos pesados e duas centenas de soldados) e quatro caça-minas, que possuem a importante missão de defender as costas das ilhas que compõem o arquipélago singapuriano.
A necessidade de ostentar um poderio militar tão efetivo, a exemplo de Israel, decorre de uma resposta (dissuasiva) que se faz imprescindível em relação, particularmente, às ameaças representadas pela Indonésia e pela Malásia, países que cercam Singapura e que, no passado, já declararam (ostensivamente) que se sentem incomodados com a existência da pequena cidade-estado.
Durante décadas o país criou laços diplomáticos estreitos com países como os Estados Unidos, Reino Unido e principalmente com Israel, sendo este último o país com mais características (relativas a necessidades de defesa) comuns com Singapura, o que vem se mostrando, com cada vez mais ênfase, através do crescente aprofundamento de soluções militares entre os dois países, materializadas por intermédio, sobretudo, de diversos programas de desenvolvimento bilaterais. Vale registrar que, nos anos 1970, com o início do desenvolvimento das Forças Armadas de Singapura, todo o treinamento de suas tropas foi provido por israelenses, o que explica o fato de os atuais manuais militares de Singapura terem profunda similaridade com os manuais táticos israelenses.
Destarte, em muitos aspectos, o poderio militar singapuriano é visto como uma matriz israelense no sul asiático. Foi, por exemplo, com Israel, ainda nos anos 1950, que Singapura aprendeu e adotou a chamada tática de defesa avançada (posto que, por se tratar de um conjunto de ilhas com espaço territorial reduzido, o país simplesmente não pode adotar a clássica tática de defesa em profundidade).
Nesse sentido, Singapura (com sua pequena população) também utiliza a estratégia de manter (contributivamente) parte de seu contingente militar em bases de treinamento em outras nações aliadas, trabalhando sempre com as forças de seus países hospedeiros, absorvendo, desta feita (e com incontáveis benefícios) as técnicas e práticas de diferentes exércitos, a exemplo de sua aliada Austrália, onde mantém soldados, navios e aviões, ou na Europa, com destaque para a França, onde o país treina seus pilotos. Porém, é preponderantemente nos EUA que Singapura concentra seus efetivos, com unidades dos três ramos baseados na Califórnia (San Diego), Arizona e Texas.
Outro fator importante a ser destacado é que, como parte contingencial de suas Forças Armadas fica estacionada em países aliados, caso Singapura venha a ser atacada, suas tropas, com o respectivo apoio de seus aliados, podem se dirigir (de forma organizada e planejada) para a defesa de seu território, de forma externamente ao mesmo, quebrando assim o eventual cerco perpetrado por forças adversárias.
*Reis Friede é desembargador, presidente do Tribunal Regional Federal da Segunda Região (biênio 2019/21), professor emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e professor Honoris Causa da Escola de Comando e Estado-Maior da Aeronáutica, professor emérito da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais do Exército (EsAO) e Conferencista Especial da Escola Superior de Guerra (ESG). É autor do livro Ciência Política e Teoria Geral do Estado. E-mail: reisfriede@hotmail.com.
Excelente matéria, parabéns !
Muito obrigado Serpio! Forte abraço!
excelente matéria. A tragédia é anunciada e é somente uma questão de tempo.
Obrigado Luiz. Grato pelo comentário e por nos acompanhar, forte abraço!
Cuidar da Defesa da Nação é salvaguardar seus próprios interesses e seu próprio futuro. E Taiwan não parece estar em boa posição para tal, dada sua negligência no assunto e excessiva confiança dos EEUU. Forte abraço!
Pois é Sinclair, quem quer liberdade deve lutar por ela. Delegar nunca! Um abraço!
Artigo totalmente preciso e pertinente.
E Taiwan ser entregue à China pelos USA, caso aquele senhor senil e com demência e aquela senhora comunista, forem declarados vencedores.
Pois é comte. Fco Neto, quem quer liberdade deve lutar por ela! Grato por comentar, forte abraço!
Excelente matéria! Esse é um dos melhores blogs sobre geopolítica do Brasil! Parabéns!
Muito obrigado Silvano! Forte abraço!
Uma boa matéria.
No entanto ao analisar tem uma pergunta que paira no ar ?
Qual a carta na manga que Taiwan tem para ficar tranquila desse jeito ?
Acho improvável eles não terem uma carta na manga.