Por Albert Caballé Marimón* |
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O acordo firmado entre Israel e os Emirados Árabes Unidos intermediado por Donald Trump, pelo qual os israelenses suspendem a anexação da Cisjordânia em troca do reconhecimento do estado de Israel, é um marco histórico e, além da importância diplomática, abre significativas oportunidades comerciais.
O presidente americano, Donald Trump, anunciou nesta quinta-feira um acordo histórico entre Israel e os Emirados Árabes Unidos, pelo qual o governo do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu suspende os planos de anexar territórios da Cisjordânia em troca da normalização das relações diplomáticas com o país árabe. O acordo foi intermediado pelo presidente Trump.
É uma grande conquista para Israel: os Emirados Árabes Unidos tornam-se o terceiro país árabe a reconhecer o estado israelense, juntando-se ao Egito e à Jordânia. Acredita-se que o acordo pode estimular outros países do Golfo, como Bahrein e Omã, a também estabelecer relações com Tel-Aviv.
O acordo foi assinado por Trump, Benjamin Netanyahu e o sheik Mohammed bin Zayed, de Abu Dhabi. Autoridades dos Emirados disseram que o acordo é um benefício para os palestinos. O embaixador dos Emirados Árabes Unidos, Yousef al Otaiba, afirmou que o acordo interrompe imediatamente a anexação dos territórios da Cisjordânia e o potencial de escalada violenta. Segundo ele, “Isso mantém a viabilidade de uma solução de dois estados endossada pela Liga Árabe e pela comunidade internacional”. Ele acrescentou que os Emirados Árabes Unidos continuarão a apoiar firmemente o povo palestino e que eles também devem se beneficiar na normalização das relações.
O Secretário de Estado americano, Mike Pompeo disse que “Os Estados Unidos esperam que este passo corajoso seja o primeiro de uma série de acordos que encerram 72 anos de hostilidades na região”, manifestando esperança de que outros países árabes sigam o exemplo dos Emirados Árabes Unidos.
O embaixador dos EUA em Israel, David Friedman, disse que os EUA não pediram a Israel que abandonasse os planos de anexação permanentemente. “A palavra ‘suspender’ foi escolhida cuidadosamente por todas as partes”, disse ele, acrescentando que a palavra, por definição significa suspensão temporária. “Está fora da mesa agora, mas não permanentemente.”
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Em mensagem postada no Twitter, o sheik bin Zayed não mencionou o caráter temporário da suspensão, mas enfatizou a natureza fluida do acordo, chamando-o de um “roteiro” para o estabelecimento de uma relação bilateral.
Trump disse que não podia afirmar se esse seria um plano de longo prazo. “Não posso falar sobre algum período no futuro”, disse ele. “Essa seria uma declaração forte. Mas por agora, não está na mesa.” Ele afirmou também que o governo tem “muito mais pela frente no Oriente Médio”, sugeriu uma normalização entre Israel e “muitos outros países”, e acrescentou que gostaria de ver os palestinos chegarem à mesa de negociações: “Acho que os palestinos irão, sem necessariamente dize-lo, mas eu acho que eles querem muito fazer parte do que estamos fazendo. No final das contas, eu vejo paz entre Israel e os palestinos, eu vejo isso acontecendo.”
O primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu disse acreditar que esta seja uma suspensão temporária do plano de Israel de buscar a soberania sobre as terras ocupadas na Cisjordânia. O anúncio provavelmente terá grandes repercussões na política israelense. Netanyahu, que recentemente enfrentou protestos por acusações de corrupção e pela forma com que lidou com a pandemia do COVID-19, pode anunciar o acordo como uma conquista diplomática histórica. Alguns analistas israelenses acreditam que Netanyahu nunca quis realmente a anexação, portanto obter o reconhecimento dos Emirados em troca de suspender algo que ele na verdade não desejava representa uma grande vitória.
Eleições americanas
O acordo também pode afetar as eleições presidenciais americanas. Talvez de forma surpreendente, segundo alguns analistas o acordo, de certa forma, pode favorecer Joe Biden. Tanto ele como Kamala Harris, e praticamente toda a bancada democrata, criticaram a proposta de anexação da Cisjordânia. Alguns democratas chegaram a dizer que estariam dispostos a impor condições à ajuda militar americana aos israelenses.
Nesse caso, se Israel prosseguisse com a anexação, Biden poderia ficar em uma posição embaraçosa entre progressistas que buscam cortar a ajuda e centristas que querem mantê-la. Tirar a possibilidade da anexação da mesa elimina esse problema, e também significa uma crítica a menos de Biden contra Israel – o que, por sua vez, representaria uma oportunidade a menos para Trump e os republicanos de acusar os democratas de serem anti-israelenses.
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Biden disse que o acordo é um passo histórico. “A oferta dos Emirados Árabes Unidos de reconhecer publicamente o estado de Israel é um ato de estadista bem-vindo, corajoso e extremamente necessário. E é um reconhecimento crítico de que Israel é uma parte vibrante e integral do Oriente Médio que veio para ficar. Israel pode e será um parceiro estratégico e econômico valioso para todos os que o acolherem.”
Procurando minimizar a intermediação de Trump e obter algum crédito, Biden afirmou que o acordo “se baseia nos esforços de várias administrações para promover uma abertura árabe-israelense mais ampla, incluindo os esforços do governo Obama-Biden para construir sobre a Iniciativa de Paz Árabe”.
Embora as pesquisas indiquem que poucos eleitores consideram a política externa sua principal preocupação, e que a maioria dos judeus americanos, ao votar, prioriza as políticas internas sobre as questões de Israel, ainda assim o acordo dá a Trump um trunfo significativo na política externa, apoiando também a afirmação frequentemente defendida por ativistas judeus republicanos de que ele é o presidente mais pró-Israel na história americana.
Reações contrárias
Alguns analistas israelenses dizem que o acordo, apesar de suspender a anexação de territórios na Cisjordânia, envia algumas mensagens aos palestinos:
- Eles não conseguem mais exercer poder de veto nas relações entre os israelenses e os estados árabes que compartilham interesses econômicos e de segurança com Israel;
- Bloquear ameaças do Irã é mais importante do que a causa palestina;
- O tempo não está ao lado dos palestinos. Por décadas, eles rejeitaram as propostas americanas, assumindo que em algum momento Israel aceitaria as suas exigências;
- O acordo mina a estratégia dos palestinos de condicionar os acordos de paz entre Israel e os países árabes até que haja um acordo entre eles e Israel.
O governo palestino, a Turquia e o Irã condenaram veementemente o acordo. Um porta-voz do presidente palestino Mahmoud Abbas disse que equivale a “traição” e que deve ser revertido. Em seu apoio, o Ministério das Relações Exteriores da Turquia divulgou uma nota dizendo que a “história e a consciência” do povo da região não esquecerão e jamais perdoarão o “comportamento hipócrita” dos Emirados Árabes Unidos ao firmar um acordo com Israel.
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Também em comunicado de seu Ministério das Relações Exteriores, o Irã disse que o acordo é um “punhal nas costas” de todos os muçulmanos, acrescentando que foi um ato de “estupidez estratégica” dos Emirados Árabes Unidos e que “sem dúvida fortalecerá o eixo de resistência na região”. Teerã alertou que os Emirados Árabes Unidos não devem permitir que Israel interfira nas “equações políticas” da região do Golfo Pérsico: “O governo dos Emirados e outros estados que os acompanham devem aceitar a responsabilidade pelas consequências” do acordo.
Oportunidades comerciais
Além da importância diplomática, o acordo é também significativo em termos econômicos. Os Emirados Árabes Unidos são considerados a segunda economia mais importante do Oriente Médio, depois da Arábia Saudita, com um produto interno bruto de US$ 400 bilhões.
Com cerca de 10 milhões de habitantes, as políticas de livre mercado e abertura para o Ocidente adotadas nas últimos anos tornaram o país uma potência regional e líder em comércio, transporte, finanças e investimentos. Sua economia é a mais diversificada dos estados do Golfo. Sua dependência do petróleo é estimada em cerca de 30%.
A normalização das relações abre oportunidades para empresas israelenses de diversos setores em um mercado que importa bens e serviços de cerca de US$ 250 bilhões por ano. Os Emirados Árabes Unidos têm alto padrão de vida, vivem um surto de desenvolvimento e tem “fome” tecnológica. Israel é uma nação startup líder mundial em inovação e tecnologias avançadas e inteligência artificial em campos como medicina, agricultura, energia solar e dessalinização de água, áreas importantes para os países do Golfo. Os Emirados Árabes Unidos buscam avanços nessas e em outras áreas e têm os recursos, enquanto Israel possui o capital intelectual e humano para promover inovação e empreendedorismo.
ASSISTA AO VÍDEO 1360 DO CANAL ARTE DA GUERRA – ISRAEL: TRUMP COMEMORA ACORDO COM EMIRADOS ÁRABES UNIDOS
Referências
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Iran, Turkey condemn Israel-UAE deal. Deutsche Welle, 14 de agosto de 2020. Disponível em: https://www.dw.com/en/israel-uae-relations/a-54564050. Acesso em: 14 de agosto de 2020.
PESKIN, Doron. Israel-UAE diplomatic ties open door to big business opportunities. Ctech by Calcalist, 13 de agosto de 2020. Disponível em: https://www.calcalistech.com/ctech/articles/0,7340,L-3844897,00.html. Acesso em: 14 de agosto de 2020.
ZILBER, Neri. Normalization deal between Israel and the UAE signals a shift in the region. Foreign Policy, 13 de Agosto de 2020. Disponível em: https://foreignpolicy.com/2020/08/13/israel-uae-normalization-west-bank-annexation/. Acesso em: 14 de Agosto de 2020.
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DOYLE, Katherine. US says Israeli suspension of annexation plans was critical for deal with UAE. Washington Examiner, 13 de agosto de 2020. Disponível em: https://www.washingtonexaminer.com/news/us-says-israeli-suspension-of-annexation-plans-was-critical-for-deal-with-uae. Acesso em: 14 de agosto de 2020.
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*Albert Caballé Marimón possui formação superior em marketing. Depois de atuar vários anos em empresas nacionais e multinacionais, tornou-se fotógrafo profissional e editor do blog Velho General. Já atuou na cobertura de eventos como a Feira LAAD, o Exercício CRUZEX e a Operação Acolhida e proferiu palestras na Academia da Força Aérea. É colaborador da revista Tecnologia & Defesa e do Canal Arte da Guerra. Pode ser contatado através do e-mail caballe@gmail.com.
Ótimo o artigo. Uma análise e redação impecáveis.
O Velho (e bom) General sempre nos brindando com o melhor dos articulistas.
Fico honrado em me permitirem a leitura de tão elevado material.
Parabéns ao autor.
Mais uma vez agradeço José, sempre gentil. Forte abraço!