Por Cristiano Oliveira Leal* |
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Com origens e trajetórias bastante distintas que em determinado ponto da História se encontraram, Luiz Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias e Manuel Luís Osório, o Marquês de Herval, destacaram-se tanto na Guerra dos Farrapos, onde se conheceram, como na Guerra do Paraguai, onde definitivamente consolidaram seu valor para o Brasil.
Sem nenhuma margem à dúvida, as duas personalidades mais importantes do Exército Brasileiro são Luiz Alves de Lima e Silva e Manuel Luís Osório. Ambos chegaram ao topo da hierarquia militar, o posto de marechal, participaram de diversas campanhas e receberam títulos de nobreza. Mas apesar da semelhança, o caminho percorrido por cada um deles até o mais alto posto foi completamente diferente, com ambos explorando as oportunidades que o contexto político e social lhes apresentou.
O modelo institucional do exército no início do século XIX era inteiramente aberto, regido por valores e um amplo sistema de hierarquias. O corpo de oficiais generais era heterogêneo e sem formação técnica específica, sendo o único ponto em comum a dependência da Coroa, que detinha o monopólio das patentes militares, podendo regular sua distribuição tal como fazia com outros bens nobiliárquicos. Por causa disso, era comum que pessoas escolhidas por critérios políticos exercessem postos de comando no exército, distinguidos com altas patentes militares. Assim, tendo em vista suas origens familiares, Lima e Silva e Osório tiveram trajetórias tão distintas em suas carreiras.
Em meados do século XVIII, após a assinatura do Tratado de Madri, os portugueses tentavam assegurar o controle sobre as fronteiras através de uma política de ocupação efetiva do território sul das possessões portuguesas na América, tendo por base ações colonizadoras e militares. Esse contexto impulsionou as famílias de ambos a se instalarem no Brasil.
Luiz Alves de Lima e Silva descendia de uma longa linhagem militar portuguesa e essa tradição continuou no Brasil. Por mais que não fossem ricos ou nobres, tinham uma vinculação institucional bem definida: eram oficiais dos Exércitos Reais. Luiz Alves era neto do marechal José Joaquim de Lima e filho primogênito do brigadeiro Francisco de Lima, que à época do nascimento de Luiz eram coronel e capitão, respectivamente. Sua mãe era Mariana Cândido de Oliveira Belo, de uma conhecida família carioca também com tradição militar, porém nas forças auxiliares, o que os tornava mais influentes na cidade e lhes rendia boas relações com o governo. Por causa disso, Luiz Alves conseguiu seu título de cadete quando tinha apenas cinco anos. Mas seu efetivo ingresso na carreira militar ocorreu aos 15 anos de idade, ingressando diretamente como alferes, patente que hoje corresponde a segundo-tenente.
Já Manuel Luís Osório descendia, pelo lado paterno, de camponeses imigrantes açorianos, cuja tradição militar, por assim dizer, havia começado com seu pai, Manuel Luís da Silva Borges, servindo na força local de Nossa Senhora da Conceição da Lagoa. Após ser preso por agredir um oficial, fugiu para a Capitania do Rio Grande. Em busca de trabalho, conheceu o tenente Tomás José Luís Osório, que o abrigou e empregou como peão. Meses depois casou-se com a filha do patrão, Ana Joaquina. Terceiro filho do casamento, Manuel Luís Osório recebeu o primeiro nome em homenagem ao pai, que lhe deu o sobrenome Osório para perpetuar o nome da família do sogro.
Os constantes incidentes fronteiriços fizeram com que D. João VI mobilizasse tropas para defender as fronteiras do sul do Brasil, o que deu a Manuel Luís da Silva Borges a oportunidade de voltar à vida militar, servindo em uma companhia de milícias. Apesar de ser apenas um furriel, equivalente a sargento, foi elevado ao posto de comandante da companhia, partindo para Montevidéu em 1811. De lá, voltou condecorado e promovido a capitão, recebendo a doação de uma sesmaria. Quatro anos depois participou da campanha de 1816, que lhe rendeu uma promoção a major.
Assim, a exemplo do que ocorreu com Manuel Luís da Silva Borges, e da mesma forma com Manuel Luís Osório, formou-se no sul a cultura militar do soldado estancieiro que lutava em defesa dos interesses do rei de Portugal, recebendo patentes e condecorações ao mesmo tempo em que expandia suas propriedades e se apoderava de grandes rebanhos de gado.
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Manuel Luís Osório iniciou a carreira militar como voluntário na Cavalaria da Legião de São Paulo. Porém, a patente do pai não lhe garantiu o título de cadete, que ele só conseguiu quando um tio, o tenente-coronel Tomás José da Silva, assumiu o comando do 3º Regimento de Cavalaria do Exército. Na 2ª Companhia desse regimento, sob a tutela do tio, o jovem Osório, aos 16 anos, foi reconhecido como cadete, o primeiro de sua família, e ingressou como alferes nas fileiras do Exército Real.
Com a independência do Brasil, Silva Borges foi convocado para integrar as forças fiéis a D. Pedro I, levando Manuel Luís para lutar consigo. Enquanto isso, a família Lima e Silva, que tinha muitos membros em altas posições hierárquicas no exército, aproveitou os benefícios de sua posição social e a aproximação de Dom Pedro com o exército. Alguns oficiais portugueses haviam retornado a Lisboa, deixando vagos vários postos de comando, o que criou uma oportunidade que os Lima e Silva não podiam deixar escapar. Isso favoreceu enormemente a carreira de Luiz Alves de Lima e Silva, que ascendeu muito mais rapidamente na hierarquia do que Manuel Luís Osório.
Em 1823, suas carreiras se equivaliam na hierarquia do exército e ambos já possuíam experiência em combate, mas a partir desse ano Luiz Alves passou por uma sequência de intensas experiências que foram fundamentais em sua formação militar. Ele assumiu como tenente no Batalhão do Imperador, na Bahia, onde serviu como ajudante de ordens e realizou várias missões que exigiam grande sensibilidade política, que lhe renderam a patente de capitão.
Em 1825, partiu para o sul para combater pela posse da Província Cisplatina. Nessa época os conflitos de fronteira eram cotidianos no Rio Grande do Sul, mas passaram a ganhar mais atenção por parte do imperador. Osório vivia nesse contexto de combates constantes, e foi lá que recebeu suas primeiras lições práticas sobre estratégia e comando, bem como sobre a geografia e costumes da banda oriental e do Rio Grande do Sul. Lá, Osório também aprendeu e exercitou a diplomacia, por exemplo em sua participação nas negociações de paz entre os comandantes Lavalleja, Diogo Rivera e o general Lecor.
No final da guerra, em 1828, apesar das experiências semelhantes, Luiz Alves foi promovido a sargento-mor (equivalente a major) no prestigioso Batalhão do Imperador, ingressando no alto oficialato e sendo condecorado com a Ordem de São Bento de Aviz e, em 1829, com a medalha de Cavaleiro da Ordem da Rosa, graças à posição social dos Lima e Silva na corte. Enquanto isso, Manuel Luís foi promovido a tenente sem nenhuma distinção.
Com a família destacando-se cada vez mais aos olhos do imperador, os Lima e Silva seguiam circulando pelas províncias convulsionadas do império e sendo muito bem recompensados por isso. Enquanto isso, Manuel Luís prosseguia como oficial das terras de fronteira com um horizonte de possibilidades mais limitado do que o de Luiz Alves.
Em 1824 as relações entre a família Lima e Silva e Dom Pedro I sofrem um golpe, quando o brigadeiro Francisco Lima agiu de forma independente ao negociar um acordo com os pernambucanos sublevados em desconformidade com as ordens do imperador. Com isso, mesmo conseguindo uma vitória sobre os confederados, sofreu uma série de desconsiderações, não recebeu nenhuma recompensa e foi afastado do Rio de Janeiro.
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Desde 1823, a situação política de Dom Pedro I vinha se deteriorando devido ao crescente autoritarismo e constantes escândalos envolvendo sua vida pessoal. Os opositores transformaram o fato ocorrido com o brigadeiro Lima em um símbolo da “tirania” do imperador. Assim, quando ocorreu a abdicação, a família Lima e Silva voltou a ocupar os principais postos políticos e militares, com o brigadeiro Lima sendo o nome mais votado para a Regência Trina Permanente.
Em outubro de 1842, Luiz Alves embarcou para o Rio Grande do Sul como comandante-em-chefe do exército da província para a resolver a longa revolta que vinha acontecendo, já ostentando o título de Barão de Caxias. Ele já havia adquirido muita experiência nessa área, comandando a repressão aos balaios no Maranhão e aos liberais em São Paulo e Minas Gerais. Lá, conheceu Manuel Luís Osório, que não aderiu ao exército Farroupilha e tinha vasto conhecimento sobre a província, tornando-se importantíssimo para as forças imperiais.
Até então, a carreira de Osório avançava lentamente, devido à diminuição dos conflitos na fronteira e a ausência de vínculos sociais e políticos que pudessem auxiliar em sua ascensão. Ele precisou esperar onze anos pela promoção a capitão e foi promovido a sargento-mor somente em 1842.
A carreira de Osório começou a ganhar impulso justamente por causa da relação que se criou entre ele e Caxias durante a Guerra dos Farrapos. Ao final da guerra, Osório foi promovido a tenente-coronel, nomeado Cavaleiro da Ordem de São Bento de Aviz e eleito deputado provincial, além de ganhar um amigo na corte imperial, o então já Conde de Caxias. Ambos deram prosseguimento às suas carreiras, com Caxias voltando-se mais para a política, reforçando ainda mais sua lealdade com a coroa e sendo promovido a marechal em 1862; enquanto Osório continuou atuando como militar no Rio Grande do Sul e Uruguai.
Com a Guerra do Paraguai, ambos voltam a lutar juntos, participando do cerco a Uruguaiana em 1865, ano em que Osório foi promovido a marechal-de-campo. Em 1866, o então marechal Caxias foi nomeado comandante geral das forças brasileiras, melhorando o treinamento e o armamento da tropa e os serviços médicos. Sua participação em combate é destacada durante o cerco de Humaitá e no cruzamento do rio Itororó, onde reagrupou as tropas em debandada, revertendo o resultado da batalha favoravelmente aos brasileiros.
Já Osório mostrou-se vital para a vitória nos mais importantes combates da guerra, com destaque para a Batalha do Tuiuti, aumentando ainda mais o grande respeito que já tinha nas fileiras do exército. Recebeu o título de barão em 1866, mas teve que abandonar a campanha por questões de saúde em 1869.
Após conhecer as origens desses dois homens e suas carreiras até o posto de marechal, fica evidente que Luiz Alves de Lima e Silva foi beneficiado pela influência da família, que sempre buscou aproveitar as oportunidades que surgiram, enquanto que Manuel Luís Osório precisou, literalmente, lutar muito mais para chegar ao posto de marechal. Esse fato obviamente não é um demérito para Luiz Alves, mesmo por que ele demonstrou seu valor em combate e como político e não há nada de errado em aproveitar os benefícios proporcionados pela família; mas é a diferença de trajetórias o que torna a história da ascensão de Osório ao marechalato, na visão deste autor, mais interessante.
Bibliografia
BENTO, Claudio Moreira (Org.), GIORGIS, Luiz Caminha. Brasil Lutas Internas 1500-1916, 1ª ed. Resende: FAHIMTB, 2016.
SOUZA, Adriana Barreto de. Experiência, configuração e ação política: uma reflexão sobre as trajetórias do duque de Caxias e do general Osório. Topoi (Rio J.), Dez 2009, vol. 10, nº 19, p. 90-111. ISSN 2237-101X.
*Cristiano Oliveira Leal é aficionado em história e aviação militar desde a infância, iniciando suas primeiras pesquisas ainda na adolescência. Após o serviço militar no 2º Regimento de Cavalaria Mecanizada, cursou graduação em História na Unisinos, período em que passou a estudar Teoria Militar e estagiou durante um ano no Museu Militar do Comando Militar do Sul. Realizou pesquisas em alguns dos principais museus militares britânicos, em especial os da Royal Air Force. É titulado Especialista em História Militar pela Unisul.