Por Reis Friede* e Filipe de Oliveira Borges** |
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A marinha americana reativou a Segunda Esquadra, que estava desativada desde 2011, especificamente para confrontar o aumento nas operações navais da Rússia no Oceano Atlântico. Esta esquadra, com sede em Hampton Roads, no estado da Virgínia, atingiu a capacidade operacional total em dezembro de 2019.
Na década de 1950, a Guerra Fria (1947-91) começava a dar seus primeiros passos e, consequentemente, iniciava-se, de forma concomitante, um processo de bipolarização confrontativa indireta, em escala mundial, de modo que praticamente todos os países encontravam-se, em alguma medida, alinhados a um dos lados do conflito, no qual emergiram dois grandes blocos, cada qual refletindo diferentes valores: de um lado, e sob o comando dos Estados Unidos e da Europa Ocidental, estavam as áreas de influência do regime econômico e social capitalista (a denominada democracia liberal resguardada sob a expressão “Mundo Livre”), e, de outro, sob a égide da União Soviética, se assentavam as regiões ao abrigo do regime totalitário comunista.
Com o intuito de conter o chamado expansionismo soviético, os Estados Unidos firmaram com os países da Europa Ocidental, em 4 de abril de 1949, uma aliança militar, – a Organização do Tratado do Atlântico Norte/OTAN –, com o escopo de proteção mútua e também com o objetivo último de contrapor-se ao crescente poderio militar soviético, particularmente na Europa.
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Os EUA entendiam que havia, igualmente, uma ameaça real e potencial, reputada através da progressiva presença da marinha soviética (sobretudo por partir de um país desprovido de tradição naval) na região do Atlântico Norte, e, como necessária resposta, em 1950, a marinha norte-americana ativou a chamada Segunda Frota: um comando militar destinado a realizar a segurança de uma área de aproximadamente 17.000.000 km2 de oceano (em uma extensão geográfica que se iniciava na costa leste dos EUA, entre o Caribe e o Polo Norte, e se projetava através do Oceano Atlântico), com o intuito inicial de conter as atividades navais soviéticas nesta porção oceânica, e, mais tarde, com o propósito de prevenir eventuais ataques diretos contra o território americano, mantendo longe os submarinos soviéticos armados com mísseis nucleares (SLBM, Submarine Launched Ballistic Missile).
Durante a Guerra Fria, a Segunda Frota desempenhou importantes missões, tendo sido vital no decurso da quarentena cubana, em 1962, quando o Presidente norte-americano JOHN F. KENNEDY determinou que a ilha caribenha de Cuba fosse cercada, em resposta a instalação de mísseis balísticos soviéticos de alcance intermediário (IRBM, Intermediate Range Ballistic Missile), – notadamente os SS-4 Sandal –, em seu território, que se encontra a menos de 300 km da Flórida (estado norte-americano banhado pelo Oceano Atlântico), no famoso episódio histórico que ficou conhecido como a “Crise dos Mísseis Cubanos”.
A Segunda Frota também desempenhou papel fundamental em muitos outros emblemáticos episódios, a exemplo da invasão da Ilha de Granada por determinação do Presidente RONALD REAGAN, em 1983.
Após o fim da União Soviética, em 1991, as missões realizadas pela Segunda Frota sofreram gradualmente uma mudança de perfil, transformando-se em uma esquadra direcionada (primordialmente) a missões de ajuda humanitária, em regiões afetadas por desastres naturais, tanto em solo americano como no exterior.
Em 2010, após o terrível terremoto que ocorreu no Haiti, dizimando mais de duzentas mil pessoas, a Segunda Frota enviou para aquele país dezessete navios, 48 helicópteros e cerca de dez mil militares, que comandaram mais de 330 operações aéreas para a entrega de medicamentos, alimentos e equipamentos, visando o atendimento à população local.
O navio hospital USNS Comfort, capaz de atender até mil pacientes e realizar simultaneamente dez cirurgias, foi enviado pela Segunda Frota ao Haiti, onde atuou por várias semanas e atendeu um número aproximado de 1.200 haitianos e realizou por volta de oitocentas cirurgias.
No entanto, no ano de 2011, após 61 anos de trabalho ininterrupto, a Segunda Frota foi desativada, sob o fundamento que a sua principal missão, – a defesa da região norte do Atlântico –, não era mais vital como havia sido no passado. Nesta época, a Segunda Frota operava 126 navios, 4.500 aviões e possuía um efetivo de cerca de cem mil militares, que foram realocados em outras esquadras da marinha norte-americana.
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Nos momentos posteriores à desativação dessa frota, todavia, cresceu a percepção, por parte dos EUA, de que a Rússia, cada vez mais, se reconsolidava como uma potencial ameaça naquela região. Em razão disto, no dia 4 de maio de 2018, o Contra-Almirante norte-americano CHRIS GRADY anunciou no Pentágono a reativação da Segunda Frota, afirmando que “a OTAN está reorientando seu foco no Atlântico, como resposta ao ressurgimento da ameaça da Rússia naquela região”.
A reativação da Segunda Frota evidencia que as tensões entre os EUA e OTAN com a Rússia estão se elevando. O comando foi recriado oficialmente no dia 1º de junho de 2018, com um núcleo de onze oficiais que, posteriormente, foi sendo elevado de maneira gradual, atingindo 85 oficiais e 164 militares, e a marinha norte-americana estima colocar, sob a disposição da Segunda Frota, um total de oitenta navios e 1.200 aviões, números estes que poderão eventualmente ser aumentados ao longo dos próximos anos.
*Reis Friede é desembargador, presidente do Tribunal Regional Federal da Segunda Região (biênio 2019/21), professor emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e professor Honoris Causa da Escola de Comando e Estado-Maior da Aeronáutica, professor emérito da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais do Exército (EsAO) e Conferencista Especial da Escola Superior de Guerra (ESG). É autor do livro Ciência Política e Teoria Geral do Estado. Pode ser contatado através do e-mail: reisfriede@hotmail.com.
**Filipe de Oliveira Borges é assistente de pesquisa e bacharelando em Direito na UNIRIO (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro).
Mais uma demonstração do quanto é dinâmico o cenário geopolítico mundial. Admirável a capacidade de mobilização da US Navy. Forte abraço!
Valeu Sinclair!