Por Albert Caballé Marimón |
No o início da Segunda Guerra Mundial, a RAF (Royal Air Force, a Real Força Aérea britânica) acreditava que persistir no bombardeio pesado de alvos alemães poderia levar a Grã-Bretanha a vencer a guerra. Com o tempo, ficou claro que essa técnica não era eficaz. A mudança de tática veio com a Operação Millennium, a primeira incursão de mil bombardeiros da Grã-Bretanha.
A Estratégia do Comando de Bombardeiros
Na sua origem a RAF desenvolveu algumas crenças. Uma delas é atribuída a Hugh Trenchard, considerado o “Pai da RAF”, reconhecido atualmente como um dos primeiros defensores do bombardeio aéreo estratégico. Ele acreditava que o bombardeio aéreo esmagador podia ganhar guerras. O papel dos bombardeiros seria esmagar os alvos estratégicos, acabando com a capacidade do inimigo de lutar. Isso traria a vitória aérea.
A RAF, e em particular o Comando de Bombardeiros, acreditava que poderia colocar em prática essa crença. A RAF estava segura de que dispunha do pessoal e do equipamento necessário para bombardear a Alemanha até a sua submissão.
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Essa foi a crença com a qual a Grã-Bretanha iniciou a guerra. Inicialmente, os alvos eram apenas instalações militares, mas isso mudou em 24 de agosto de 1940, quando, no auge da Batalha da Grã-Bretanha, um bombardeiro alemão atingiu acidentalmente um alvo civil. Usando esse incidente como justificativa, Churchill transformou a RAF no terror das cidades alemãs. Por seu lado os alemães fizeram o mesmo, cada lado visando destruir o moral da população do outro e assim minar sua capacidade de combater.
A campanha de bombardeio da Grã-Bretanha contra a Alemanha era uma operação extremamente dispendiosa em termos de homens e material, com muitos aviões sendo abatidos regularmente por caças e artilharia antiaérea alemã. O Comando de Bombardeiros persistia, confiante de que estava prejudicando gravemente os alemães; não estava.
No início da guerra, isso em parte se deveu ao equipamento. Concluiu-se que as bombas utilizadas não eram potentes o suficiente para danificar de forma significativa as instalações industriais alemãs. A RAF tinha muitos bombardeiros médios, ainda do período pré-guerra, que não tinham capacidade para transportar cargas maiores e mais pesadas. Por outro lado, os sistemas de orientação britânicos eram deficientes e os bombardeios eram imprecisos. Para piorar o quadro, faltava a inteligência necessária para direcionar a campanha de forma efetiva.
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Melhorias no reconhecimento e fotografia aérea revelaram algumas evidências. As fotografias mostraram que 90% das bombas não atingiam sequer um raio de cinco milhas de seus alvos, portanto os danos esperados não aconteciam. Inicialmente o Comando de Bombardeiros insistiu que as fotografias não seriam confiáveis, mas quando Sir Arthur “Bomber” Harris assumiu o comando no início de 1942, a necessidade de uma mudança era evidente.
Operação Millennium
Harris criou a Operação Millennium. Ao invés de enviar grandes quantidades de bombardeiros contra alvos diferentes, como vinha sendo feito, seria lançado um único ataque, a um único alvo, com milhares de bombardeiros. Harris esperava que um vasto número de aviões sobrecarregaria as defesas aéreas alemãs, reduzindo as baixas britânicas.
Nessa época o Comando de Bombardeiros tinha uma força relativamente pequena, com cerca de apenas 400 aeronaves, e estava em processo de transição de bombardeiros bimotores médios para os mais modernos bombardeiros pesados quadrimotores, como o Handley Page Halifax e o Avro Lancaster. Usando bombardeiros e pessoal de unidades de treinamento, do Comando Costeiro da RAF e do Comando de Treinamento, Harris poderia conseguir as mil aeronaves que necessitava.
No entanto, pouco antes do ataque, a Marinha Real recusou-se a ceder os aviões do Comando Costeiro. O Almirantado avaliou que as justificativas apresentadas pela RAF para este ataque não eram um argumento suficiente frente a ameaça real dos submarinos alemães na Batalha do Atlântico, e não quis desviar suas aeronaves dessa frente. Harris continuou sua busca e afinal conseguiu reunir 1.047 bombardeiros, mais que o dobro de qualquer ataque anterior da RAF.
Essa deveria ser uma esmagadora exibição de poder e definir as bases para futuras operações de bombardeiros. Se tudo corresse bem, aliviaria o Comando de Bombardeiros das críticas negativas que vinha recebendo.
O Primeiro Ataque
Na noite de 30 para 31 de maio de 1942 os 1.047 bombardeiros decolaram das bases aéreas britânicas. O alvo deveria ser Hamburgo, que com seu porto e suas instalações navais era um alvo militar legítimo, mas houve uma mudança. Além de Hamburgo apresentar condições meteorológicas ruins, Harris foi aconselhado por Basil Dickins, cientista chefe de Seção de Pesquisa de Operações do Comando de Bombardeiros da RAF, a escolher Colônia, pois a cidade estava dentro do alcance do GEE, o recente sistema de navegação por rádio usado pela RAF.
Assim, ao invés de Hamburgo, o alvo foi Colônia, a terceira maior cidade da Alemanha – mas não um dos principais centros industriais.
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Um dos desafios foi fazer tantos bombardeiros chegarem ao mesmo tempo a um mesmo alvo, minimizando a intervenção alemã ao longo do caminho. Com o uso do GEE, os bombardeiros voaram em formações apertadas variando as altitudes ao longo de rotas pré-determinadas. A tática do “fluxo de bombardeiros” usada aqui pela primeira vez, e a maior parte das técnicas usadas nesse ataque foram a base das operações do Comando de Bombardeiros até o final da guerra.
Nunca antes um número tão grande de bombardeiros voara no espaço da “Linha Kammhuber”, o nome dado ao sistema alemão de defesa antiaérea estabelecido pelo Coronel Josef Kammhuber, uma série de setores de controle, cada um com radares, holofotes e um caça noturno. O grande fluxo de aviões iria sobrecarregar o sistema de controle de caças noturnos, mantendo o número de bombardeiros abatidos a um nível aceitável.
Os bombardeiros atacaram numa janela de 90 minutos, o primeiro chegando às 00:47 de 31 de maio. Previa-se que a grande concentração de bombardeios num período tão curto sobrecarregaria as equipes de incêndio, causando danos semelhantes aos infligidos a Londres pela Luftwaffe durante a “Blitz”.
Resultado
Na visão do Comando de Bombardeiros, a Operação Millennium foi um sucesso. Durante 90 minutos, os mais de mil aviões lançaram 1.455 toneladas de bombas, dois terços incendiárias. Como previsto, tanto as defesas aéreas como as equipes de combate a incêndio de Colônia ficaram sobrecarregadas. O objetivo não era o bombardeio de precisão, mas a destruição em massa, e isso realmente aconteceu.
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Mais de 400 civis e quase 60 funcionários alemães foram mortos no ataque. Mais de 5.000 pessoas ficaram feridas, 45.000 ficaram desabrigadas e quase 700.000 fugiram da cidade no período que se seguiu. O impacto psicológico foi enorme, aterrorizando os alemães.
A RAF perdeu 43 aviões, cerca de 4% dos bombardeiros enviados. Churchill considerava até 10% um patamar aceitável. A destruição e o impacto psicológico pareciam provar o ponto de vista da RAF, e mais doze de ataques desse tipo foram realizados, inclusive em Hamburgo. Em cidades menores as bombas incendiárias causaram tempestades de fogo extremamente destrutivas.
Este tipo de ataque acabou gerando muitas controvérsias sobre o Comando de Bombardeiros durante e depois da guerra, pois causava impactos mínimos nas instalações militares e industriais – os supostos alvos da guerra –, mas tinha resultados aterrorizantes para as populações.
A operação mostrou que o bombardeio em massa podia alcançar seus objetivos; no entanto, a legitimidade desses objetivos é algo contestado até hoje.
Aeronaves utilizadas
*Albert Caballé Marimón é fotógrafo, analista de defesa, editor do Blog Velho General e colaborador do Canal Arte da Guerra. E-mail: velhogeneral2018@gmail.com
Acho que contrariou o espírito da Convenção de Genebra. E o pior é que os dois países se consideram o suprassumo da civilização…
Wilton, amanhã sai a biografia de Arthur “Bomber” Harris, complementa este post. Grato pelo comentário!
Ótimo artigo!! Obrigado..
Eu é que agradeço o prestígio!