Por Cap Fr (FN) RM1 Robinson Farinazzo |
Este texto é um presente para os leitores do Velho General. Trata-se do primeiro capítulo do livro que dá título ao artigo, de autoria do Comandante Robinson Farinazzo. Foi uma honra para mim recebe-lo para postagem, e estou certo que os leitores irão apreciar a brilhante narrativa e o paralelo traçado entre as estratégias de guerra e a vida cotidiana.
Albert Caballé Marimón, Editor do Blog Velho General
CAPÍTULO I
A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL
“O homem cria a ferramenta. A ferramenta recria o homem.”
Herbert Marshall McLuhan
Se naquela fria manhã de primavera europeia alguém que possuísse o dom da premonição dissesse ao Capitão Arthur “Roy” Brown da RAF (Royal Air Force, Força Aérea Real da Inglaterra) que ele iria voar em direção a história, o rapaz provavelmente daria de ombros, pois esse fatídico dia 21 de abril de 1918 amanhecera tão enevoado que ele sequer tinha certeza que conseguiria decolar.
Quando finalmente o tempo clareou, permitindo aos aviadores alemães e britânicos se matarem a vontade nos céus sobre o Rio Somme, na França, tudo o que interessava ao jovem canadense era cuidar da sobrevivência dos irrequietos pilotos novatos que lhe foram confiados. E foi dentro este espírito de trabalho que ele deu instruções especialmente precisas a um deles, Wilfrid Reid “Wop” May, para que só observasse o combate de longe e não se envolvesse no mesmo de maneira alguma.
Instrução esta que “Wop” May jamais viria a cumprir, pois é muito difícil manter um naturalmente impulsivo piloto de caça imóvel no seu lugar enquanto toda uma sedutora batalha aérea se desenrola ante seus olhos. Ele avistou um vistoso avião triplano alemão solitário e o engajou. Acontece que este triplano era pilotado por Wolfram von Richthofen, primo do lendário Manfred von Richthofen, o famoso “Barão Vermelho”, maior ás da Primeira Guerra Mundial, o qual percebeu o que acontecia e veio em socorro do parente em apuros.
Tirando os presumíveis ziguezagues, curvas alucinantes e mudanças abruptas de altitude, talvez nunca se chegue a uma conclusão precisa de tudo o que aconteceu em seguida, mas o fato é que o experiente Barão Vermelho, que já havia derrubado oitenta aviões e se transformado num “rei sem trono” para uma Alemanha extasiada por seus feitos notáveis na guerra e num ícone de perícia para o resto do mundo, foi alvejado a precipitou-se em direção ao solo, já sobre as linhas inglesas. Ele faleceu pouco depois no local onde caiu (ou tentou pousar em seus estertores de vida).
O Barão estava a apenas onze dias de completar 26 anos de idade. Sua morte é creditada ao não menos jovem Capitão Brown, um rapaz simples que só fez o que fez para defender um camarada de sua unidade em apuros. Dizem que quando lhe contaram quem ele abatera, Brown teria amaldiçoado a crueldade da guerra. Um homem modesto, ele nunca se vangloriou ou tirou vantagem de seu feito.
A lendária bravura do Barão Vermelho era reconhecida até por seus inimigos britânicos, os quais, numa profunda demonstração de respeito, o enterraram com todas as honras militares. Com exceção óbvia da morte do Arquiduque Francisco Ferdinando em Sarajevo quatro anos antes, a qual detonou o festival de horrores conhecido hoje como Primeira Guerra Mundial, Manfred von Richthofen foi provavelmente a pessoa mais famosa a tombar naquele conflito que teve milhões de mortos anônimos e se caracterizou por fazer muito mais viúvas do que vedetes.
Fosse por seu inegável carisma ou por morrer tão jovem e no auge da glória, ele entrou definitivamente para a galeria das lendas da aviação. E uma lenda que, diferente dos outros ases e demais ícones militares alemães, nunca foi maculada, pois quase todos heróis germânicos que sobreviveram a guerra acabaram destruindo a própria reputação nos anos seguintes, seja por se associar abertamente ao nazismo, ou por apoiar tacitamente Adolf Hitler. Exemplos acabados desta triste sina são o próprio Wolfram von Richthofen, o Marechal Hindenburg e o subcomandante de Manfred, o também condecoradíssimo Ernst Udet com suas 62 vitórias aéreas, um dos que mais pranteou a morte do Barão.
Diferentemente deles, o impoluto Barão Vermelho é venerado até hoje no mundo todo, pois morreu jovem e no auge.
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Em paralelo aos dramas humanos daquela guerra, é indiscutível que os fatos que se passaram naquela manhã se tornaram base para preciosas lições. Pois se o impetuoso “Wop” May (que sobreviveu a este combate e à guerra), quebrou a velha regra de nunca ir atrás da presa que parece muito fácil (e portanto pode ser uma isca mortal), o famoso Barão por sua vez violou três leis que ele mesmo criou:
- NÃO PERSIGA ALGUÉM SOBRE AS LINHAS INIMIGAS;
- NÃO VOE BAIXO E
- NÃO VOE SOZINHO (SEM COBERTURA DO PILOTO ALA).
Estas regras que o famoso Barão desrespeitou nos levam a depreender a Lei (Fundamental1) número 01 dos pilotos de combate: Nunca trabalhe contra Você mesmo. Este ensinamento é a pedra fundamental desta obra, uma das poucas leis que classificamos com basilares, isto é, não podem ser alteradas sob hipótese alguma, e que deve ser refletida por todos em tempo integral. Fato é que Richthofen colocou todos os elementos da batalha trabalhando contra si, qual seja, voou para dentro do território inimigo onde ficava em desvantagem numérica, numa altura sobre o solo onde não lhe sobrava espaço para manobra e sem a cobertura protetora de seu ala.
Esta Lei é a primeira porque contém em seu bojo o DNA de todas as decisões acertadas, qual seja, canalizar positivamente as nossas energias em prol de nossa vida, nossa família e nosso trabalho. As pessoas fracassam porque negligenciam isto. Quanta gente vê seus projetos malograrem por motivos que elas mesmas criaram ou que só existe em suas cabeças? Nenhum obstáculo a consecução de nosso objetivos é tão poderoso quanto a auto-sabotagem. Muitas pessoas fazem isto o tempo todo sem perceber. Observe o sinal de transito quando está fechado para pedestres: quanta gente impaciente se arrisca a ser atropelado atravessando antes do mesmo abrir, ganhando apenas alguns segundos de tempo quando são bem sucedidos, ante o enorme risco de morrerem atropelados. Isto é trabalhar contra si mesmo. Basicamente, há três recomendações para evitar esta atitude, a saber:
- Policie suas ações, de maneira a agir com segurança;
- Entenda a importância de cada passo que precisa dar tomando consciência da necessidade ou não dos mesmos serem dados e
- Cultive a autodisciplina (faça aquilo que é certo e que precisa ser feito).
O Barão não se policiou, deu pouca importância a condutas que ele mesmo ajudou a criar e agiu indisciplinadamente. No fim, ele acabou por contribuir para o sucesso de seus inimigos, facilitando as ações dos mesmos. Tivesse Richthofen trabalhado em sintonia com a equipe de sua Jasta2, poderia ter recebido a proteção preconizada e talvez voltasse vivo e vitorioso daquele combate. Lei número 02: Trabalhe sempre em equipe, de maneira que um integrante cubra as falhas do outro, desta forma obtendo sinergia, a qual é a situação onde o resultado obtido na soma de um mais um será algo muito maior que simplesmente dois. Para efeito de comparação, lembre-se que habitualmente, em qualquer grande cidade do planeta, um patrulhamento eficiente das ruas costuma ser feito por policiais que trabalham em duplas.
É sabido também que um artista de circo solitário em seu trapézio corre sérios riscos, mas quando trabalha com um parceiro tem sua segurança aumentada. Ademais, eles acabam por obrigar o público a olhar para dois corpos em movimento ao invés de somente um, potencializando a beleza do espetáculo! Via de regra, a sinergia destes profissionais é obtida com sincronia, respeito aos valores e consciência de um objetivo comum.
A morte do Barão Vermelho se deu porque ele deixou de lado o sangre frio e foi atrás da caça fácil, sendo abatido pelo homem que protegia a presa que ele perseguia, e há uma máxima muito conhecida (e sábia) na aviação militar que diz o seguinte: no combate aéreo, aquilo que Você não vê irá matá-lo. Este é o “leitmotiv” da guerra aérea, um ambiente perigosíssimo e traiçoeiro onde o menor deslize é pago com a vida. Não há segundo ato nesta profissão, o primeiro erro também se confundindo com o último.
E este é também o retrato de um dia típico, quase cem anos atrás, da Primeira Guerra Mundial, um conflito do qual nada saiu indene, fossem grandes impérios, homens, máquinas ou ideias, mas que também testemunhou os primórdios da aviação de combate. Uniformes vistosos, arrogância e inflexibilidade, enfim, toda as marcas de uma era moribunda se foram para que outra pudesse florescer, criando o Século XX.
Os encarniçados embates travados nos anos de 1914 a 1918 adquiriram uma proporção inimaginável aos guerreiros do anterior século XIX: a guerra ganhou amplitude geográfica de espectro planetário (combateu-se das águas geladas da Dinamarca europeia às savanas da Tanganica africana) e profundidade estratégica (com o avião, podia se atacar um alvo centenas de quilômetros atrás das linhas inimigas, ameaçando a indústria e a economia). As cidades e populações do interior, embora distantes do horror das trincheiras, não estariam mais a salvo da crueldade das bombas.
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Um pouco antes dos combates tomarem estas proporções dantescas, a percepção relativa aos aviões que os generais e almirantes dos diversos países envolvidos tinham à época sobre o avião é semelhante a que temos hoje sobre os drones, qual seja: no principio, não sabiam o que fazer com eles, e depois já não conseguiam mais dar um passo sem a companhia (e a segurança) dos mesmos. Dizem que o famoso Marechal francês Ferdinand Foch teria afirmado em 1911 que “aviões são uns brinquedos interessantes, mas sem valor militar”…
Mas em defesa de Foch temos a dizer que ele não pode ser responsabilizado por um pensamento que representava a mentalidade reinante numa época. Pelo contrário, ele nos dá a base para formular a Lei número 03: É necessário ser capaz de pensar fora da caixa para simplesmente interpretar uma tendência. Já para alcançar a inigualável habilidade de formulá-la, é mister ir muito além: é preciso ser um gênio.
Ademais havia algumas razões plausíveis para estas crenças: a princípio as aeronaves, consideradas rudimentares para os padrões tecnológicos de hoje pois eram construídas em tela e madeira, foram usadas apenas para reconhecimento, isto é, sobrevoavam o território do inimigo para saber aquilo que se andava fazendo militarmente por lá. Os primeiros voos de reconhecimento consistiam puramente de observação e tomada de notas, mas não demorou muito para se equipar as aeronaves com câmeras fotográficas, e esta inovação acabou por conferir muita precisão e credibilidade as informações prestadas pelos pilotos às tropas de terra.
Em seguida, os aeroplanos começaram a ser empregados mais ofensivamente como “spotters” de artilharia, isto é, observavam os impactos dos canhões e sinalizavam sua correção para os comandantes das baterias, tornando-as mais precisas, eficientes e mortíferas, de vez que Você pode esconder um alvo de um observador em terra, mas fica mais difícil camuflá-lo para alguém que observe do ar.
Aí já apareceu o primeiro problema: o oponente entendeu que precisava neutralizar tanto a capacidade de reconhecimento inimiga (pois ninguém gosta que o outro lado saiba o que ele está preparando), quanto seu temido uso como plataforma de observação/correção de tiro. Passou então a se valer de contramedidas para impedir estas ações, armando aeronaves para derrubar os reconhecedores adversários.
Num primeiro momento, equipou-se as mesmas com carabinas, e em seguida com metralhadoras fixas à frente do piloto. Nesta fase da guerra as aeronaves tinham hélices impulsoras (isto é, localizadas na traseira do aparelho, vide a figura 3). Ocorre que estas hélices apresentam baixo rendimento nas aeronaves e, para aumentar a performance das mesmas, decidiu-se adotar o modelo de hélices tratoras, isto é, localizadas na frente do avião. Solucionou-se o problema da potência, mas criou-se outro: a metralhadora tinha o desagradável problema de acertar a hélice de madeira do próprio avião que a portava.
Na Força Aérea Francesa o problema foi mitigado instalando-se guardas defletoras refletidas de metal nas hélices. Embora precária, esta solução funcionou por algum tempo até que o famoso piloto francês Roland Garros (a mesma pessoa que dá nome ao famoso torneio aberto de tênis da França) caiu com seu avião atrás das linhas inimigas em 18 de abril de 1915, não conseguindo destruir a tempo o sistema de proteção da hélice de sua aeronave, possibilitando aos alemães capturar e examinar o equipamento em proveito de sua aviação. Os engenheiros alemães chegaram as seguintes conclusões:
- As guardas defletoras diminuíam a eficiência das hélices;
- O impacto das balas na hélice acabaria por empenar o virabrequim do motor e
- A munição alemã, por ser revestida de aço, era mais destrutiva, e acabaria por destruir a hélice mesmo com o calço. Eles precisavam de algo mais eficaz. Ora, desde antes da guerra já havia uma patente do engenheiro alemão August Euler propondo a sincronização do disparo da arma com a rotação das pás, de maneira que a arma travasse momentaneamente na exata fração de segundo que a hélice passasse a sua frente.
O projeto foi ressuscitado da gaveta e saiu do papel para o metal pelas mãos do engenheiro suíço Franz Schneider e depois foi aperfeiçoado até a exaustão pelo engenheiro holandês a serviço dos alemães Anthony Fokker, o qual ficou com a fama (indevida) e glória (merecida) de pai do projeto.
Visando manter o segredo, os pilotos alemães foram instruídos a não sobrevoar as linhas inimigas portando este segredo militar e conseguiram manter a hegemonia nos céus durante o ano de 1915, graças ao advento do prodigioso avião Fokker M.5, ao qual seus adversários deram o merecido apelido de “flagelo”. Mas o inimigo também tinha bons projetistas e logo conseguiram emular o projeto. No fim, ambos os lados contendores fizeram bom uso destes engenhos.
No ano seguinte, na batalha de Verdun (um imenso moedor de carne que durou de 21 de Fevereiro a 20 de Dezembro de 1916 e teve cerca de 300.000 mortos de ambos os lados) os franceses, premidos pela necessidade de manter os céus abertos para seus voos de reconhecimento, reorganizaram maciçamente suas operações, concentrando aviões e bons pilotos sobre as dispersas formações alemãs, e gradualmente recuperaram a ofensiva. Verdun tornou-se um marco por assinalar o nascimento do comando e controle nas operações aéreas, as quais até então careciam de coordenação, desperdiçando esforços. Lei número 04: Organização eficiente é fator de multiplicação de recursos. Se bem organizado, mesmo que esteja em menor número Você compensa direcionando rapidamente suas forças para pontos decisivos.
Os franceses ensinaram uma importante lição à comunidade aeronáutica, a de que a densidade de meios numa pequena área geográfica produz estragos avassaladores no inimigo. E eles também nos ensinam a Lei número 05: Em paridade de eficácia das partes contendoras, vencerá a mais eficiente. Explicando: o Fokker M.5 alemão já não causava tanta sensação, havendo muitos pilotos franceses que aprenderam rápido e conseguiam lidar bem com os pontos fracos deste oponente. Logo, já havia uma certa equivalência de desempenho entre as duas aviações, mas como a Força Aérea Francesa (L’Armée de L’Air) se tornou mais eficiente, reconquistou a hegemonia aérea.
Para um até então desconhecido major da aviação britânica, nenhum destes fatos passou despercebido. Muito inteligente e atento a tudo, ele aprendeu preciosas lições destes dias de luta nos céus da França, dedicou muitos anos de sua vida para refletir a respeito e iria fazer uso eficiente das mesmas vinte anos depois, desta vez em céus ingleses. Seu nome era Hugh Caswall Tremenheere Dowding e voltaremos a ouvir falar (muito bem) dele nos próximos capítulos.
Esta mudança de manejo tornou os aliados franceses e britânicos sócios na posse dos céus até outubro de 1916. Neste mês, os alemães, alarmados com as pesadas baixas, reavaliaram completamente suas táticas e processos de combate, chegando a correta conclusão de que o melhor a ser feito era reorganizar os esquadrões de aviação de acordo com a natureza da tarefa a ser executada. Lei número 06: Uma Força Aérea é como uma empresa, ou seja ela também precisa diminuir suas perdas.
Desta forma, surgem as primeiras unidades especializadas em missões de caça, bombardeio, reconhecimento etc., todas com treinamento específico para tal. Os pilotos com pontaria mais precisa ou que revelassem melhor aptidão para o combate aéreo, doravante denominado dogfight (briga de cachorro) iriam para os esquadrões que os alemães denominaram Jagdstaffel (Esquadrões de Caça). Esta modificação proporcionou muita eficiência a aviação alemã, e os resultados logo fizeram pender a balança das operações militares a seu favor. Em abril de 1917, no famoso Bloody April (Abril Sangrento), a expectativa de vida média de um piloto inglês envolvido em operações de reconhecimento no Front Ocidental oscilava em torno de parcas 93 horas…
Esta nova supremacia alemã não durou muito tempo. A hegemonia dos céus trocava de mãos da mesma forma que as trincheiras abaixo deles trocavam de dono, e com o proporcional custo em sangue.
Os ingleses logo contra atacaram com os Sopwith Camel (o avião do cãozinho Snoopy), Royal Aircraft Factory S.E.5 e Bristol F.2 Fighter e os franceses com o lendário SPAD S.XIII, os quais lhes devolveram o domínio dos céus pelo menos até a primavera de 1918. Estes aviões, por serem biplanos, garantiam excelente manobrabilidade aos pilotos, de vez que suas duas asas sobrepostas, apesar de apresentarem o inconveniente de possuir maior coeficiente de arrasto, manobram muito melhor e mais rápido que os monoplanos.
Os alemães não ficaram parados, e por volta da época da morte do Barão Vermelho, introduziram o excelente Fokker D.VII, com o qual o piloto podia mergulhar sem receio de causar rompimento da estrutura, estolar (cair sem controle) sem entrar em parafuso inadvertidamente e voar “pendurado” no motor. Estas características lhe conferiam excelente capacidade de manobrar num combate aéreo, e a Alemanha voltou a dominar os céus e ensinar de maneira bem sangrenta aos seus adversários a Lei número 07: Toda solução tem sua validade condicionada no tempo e no espaço. Passada a condição de otimização, ela perde sua eficiência, e, com o tempo, sua eficácia. Qual seja, o curto reinado dos Camel, S.E 5, Bristol e Spad chegara ao fim rapidamente.
Fato é que, se a geração de aviões de 1914 praticamente não tinha capacidade ofensiva efetiva, de vez que até as bombas aéreas precisavam ser lançadas manualmente, aquele de 1918, com bombas presas sob as asas e correspondente dispositivo de lançamento remoto acionado desde o cockpit, já causava bastante estrago nos alvos.
Enfim, o chamado “aeroplano”, como era denominado à época, acabou por mostrar a que vinha, e ambos os lados em contenda correram atrás da pole position, ficando equivalentemente equilibrados em poder de fogo e carga bélica. Fica aqui a Lei número 08: nenhuma inovação permanece estática e intocada de forma permanente, pois se Você não tirar o melhor dela ou aperfeiçoá-la, o concorrente o fará e ficará em vantagem sobre seu produto. Logo, fareje oportunidades, esteja atento ao novo e antecipe tendências. Coloque as novidades para trabalharem para Você. Visualize o futuro!!!
A guerra aérea trouxe a terceira dimensão ao combate e em pouco tempo as possibilidades se expandiram. As mentes mais abertas perceberam de imediato que nada mais seria como antes, que a vida se tornaria mais difícil para alguns enquanto outros ascenderiam. Os pessimistas viam o avião como uma arma que roubaria o lugar dos esquadrões de cavalaria, responsáveis até então pelos reconhecimentos em profundidade nas linhas inimigas, ao passo que os otimistas entenderam que a guerra e o mundo iriam mudar completamente, e quem estivesse atento a estas transformações sairia na frente, tirando maior proveito das mudanças.
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Nesta época surgem as primeiras lições de combate aéreo, escritas pelos ases alemães Max Immelmann, Oswald Boelcke e o britânico Edward Mannock. Todas elas dão ênfase a uma característica comum, a qual sempre foi e será determinante nos combates, sejam eles aéreos, terrestres ou navais: a astúcia, tão importante quanto a perícia e muito mais determinante do que a coragem. Tomamos a liberdade de fazer uma breve síntese das mesmas:
- O combate aéreo que termine em abate geralmente não é conduzido entre iguais, pois acabaria em empate. Ou ele é travado entre um mais forte que abate o mais fraco ou entre adversários em igualdade habilidades onde o vencedor aproveitou melhor as vantagens que se apresentaram, colocando-se a cavaleiro da situação. Ora, esta também é a natureza da economia capitalista, da livre concorrência e da própria dinâmica das sociedades, onde se busca operar de uma posição vantajosa para aumentar as possibilidades de êxito;
- Tenha velocidade, pois Você pode trocar a mesma por altitude, usá-la para sair rapidamente de uma posição desfavorável ou caçar uma presa mais lenta. Em suma, tenha trunfos que possa converter em ativos rapidamente nesta vida, tal como diamantes, ouro, etc.;
- Procure atacar de surpresa, antes que o inimigo o veja;
- Somente abra fogo quando estiver na menor distância possível do avião adversário, assim Você terá otimizada suas chances de acertá-lo. Otimize suas possibilidades, pois é melhor uma única oportunidade que traga embutida boas chances de sucesso do que três tentativas com baixa probabilidade de êxito;
- Nunca se distraia, fique sempre de olho no seu adversário. Basta um único erro para ser o último;
- Sempre guarde um caminho para a fuga: se Você entrar numa operação, tem que saber sair.
A combinação de todas estas pequenas estratégias nos remete a Lei número 09: O sucesso é consequência direta da maneira inteligente como colocamos as circunstâncias para trabalharem a nosso favor. Devemos fazer o possível para maximizar nossas chances e minimizar as oportunidades disponibilizadas ao oponente, obtendo desta forma o maior rendimento possível das condições que nos foram apresentadas. O sucesso não se dá por um fator único, mas por uma combinação deles. O fracasso e o desastre também.
Embora este argumento pareça óbvio, ele deve ser analisado com muita profundidade, no aspecto de que, por melhores que sejam os meios que dispomos e por mais brilhantes que sejam as cabeças a nosso serviço, se fizermos uma imersão combinada destes recursos em circunstâncias desfavoráveis, acabaremos por despender um gasto enorme de energia o qual poderá nos levar ao fracasso, ou a uma vitória que, de tão custosa, se tornará marginal. Disto se depreende a Lei pétrea número 10: Nunca use o mais para fazer o menos. Qual seja, empregar seus recursos humanos, materiais e financeiros para obter resultados negativos ou trabalhar contra si mesmo é o fim da picada.
CONCLUSÃO
De recurso inicialmente acessório as operações militares, as aeronaves gradativamente foram tomando conta da cena de guerra, ganhando performance e importância, dominando a mesma e invertendo o favoritismo nas batalhas. É digno de nota mencionar também que nos quatro anos que durou a guerra, a supremacia aérea mudou de mãos praticamente a cada nove meses em média, o que enseja a Lei número 11: em tempos de guerra ou de crise, tanto o ciclo como a abrangência das tendências se abreviam muito rapidamente. Explicando: nestes tempos verdadeiramente revolucionários, tudo muda com muito mais velocidade.
Você deve se policiar e vigiar para que seus procedimentos, seus recursos e PRINCIPALMENTE A SUA MENTALIDADE, não fiquem datados, pois perderão a eficácia. Periodicamente, (e estamos falando de períodos bem curtos), Você deve rever suas estratégias, seus conceitos, seus meios e saber exatamente se o ponto onde se encontra na evolução da atividade que exerce é tão adiantado assim ou se precisará andar mais rápido. Avalie-se de forma criteriosa honesta e constantemente, pois via de regra faz sucesso quem chega antes, investe mais, estuda mais tempo, faz mais alianças (se socializa) e é mais criativo. MOVE ON! Sempre!
As tendências tem vida útil condicionada a um tipo de tempo muito difícil de se aquilatar com os padrões normais de mensuração. A verdade é que se faz necessário inteligência e, principalmente, muito feeling para entender que uma tendência “vai pegar” e daí fazer projeções em cima dela. Isto pode ser comprovado pelo fato que em 1914 ninguém apostava seriamente no avião como ferramenta eficaz nos combates, logo não se avaliou o mesmo como uma tendência séria e, como consequência, não se fez projeções de monta a respeito do mesmo.
A prova de reforço deste argumento é o fato de que os avanços técnicos e táticos pelos quais passou a aviação em ambos os lados surgiram mais como um antídoto a medidas eficazes do adversário do que como inovação espontânea. Estes fatos ensejam a Lei número 12: Projeções são arquitetadas em cima de tendências. É necessária muita inteligência para prever se uma tendência alcançará a maioridade, mas é preciso genialidade para prever seu nascimento.
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Um exemplo prático disto é o telefone. Tudo mundo pensa que foi o americano Alexander Graham Bell que o inventou em 1876 nos EUA, quando na verdade ele é uma criação do imigrante italiano Antonio Meucci vinte anos antes. Ele construíra o aparelho para ligar o seu escritório ao quarto da esposa no segundo andar, pois ela sofria de reumatismo. Não tendo dinheiro para pagar os custos de patenteá-lo em seu nome, precisou vendê-lo a Bell. Este último possui o mérito inegável de popularizar o aparelho e dar escala a sua utilização, qual seja, teve a inteligência de apostar no progresso da tendência, mas a genialidade do nascimento aparelho continua sendo e sempre será de Meucci. Trocando em miúdos, a inteligência de Graham Bell partiu de um ponto que já existia, mas a genialidade de Meucci se iniciou do nada. Qual deles é maior?
Voltando a tema da Primeira Guerra, ficou muito claro também, nas poucas cabeças pensantes que olharam para os céus e a seguir se debruçaram sobre as pranchetas de projetos para conseguirem entender a dinâmica volátil dos combates aéreos, os fundamentos contidos na Lei número 13: O que conta na guerra aérea é a capacidade do avião detectar o alvo antes de ser percebido pelo mesmo, adquiri-lo, acertá-lo e destruí-lo. Ou, trazendo o exemplo para a vida prática (guardadas as devidas proporções), como disse Aristóteles Onassis, o bilionário armador grego: “Fazer bons negócios é ver primeiro”.
Chegar antes, se posicionar estrategicamente, ver primeiro e atirar antes do adversário (mas com precisão) é a mecânica do embate violento que é a guerra aérea. Trata-se de um jogo mortal onde muito mais do que a coragem e a audácia, devem predominar astúcia e furtividade.
Passados cem anos, os métodos, técnicas e meios evoluíram muito, mas esta filosofia de emprego, que é atemporal pois caracteriza a própria natureza letal da aviação de combate, tende a permanecer a mesma.
1Leis fundamentais são aquelas definidas pelo autor como básicas ao sucesso do trabalho da aviação militar, sem as quais não podemos estruturar nossas ações de forma eficaz e eficiente.
2Jagdstaffel (esquadrão de aviões de caças alemães na 1ª Guerra Mundial)
*Robinson Farinazzo é Capitão de Fragata (FN) RM1, expert em tecnologia aeronáutica e articulista de Defesa. Com mais de trinta anos de carreira militar, extensa experiência de campo e formação superior em Administração de Empresas, é Editor do Canal Arte da Guerra. E-mail: robinsonfarinazzo@gmail.com
Um texto muito completo. Quem acha que o livro se aplica somente ao mundo da aviação está enganado. Eu já tirei lições para a minha vida profissional, apenas com esse primeiro capítulo. O texto traz uma sequência de ensinamentos de uma forma muito tranquila e gradual. Já fiz a minha aquisição do livro, sei que ficarei muito satisfeito com o conteúdo dele.
Este capítulo foi realmente um presente. O texto é excelente, e as lições aplicam-se a diversas áreas, não apenas a área militar. Muito obrigado pelo comentário!
Excepcional artigo. O mínimo a dizer, ainda mais vindo do Cmdt. Farinazzo.
Sobre quem abateu Manfred Von Richthofen, há uma controvérsia centenária.
O abate é atribuído oficialmente ao Cap. Roy Brown, mas o tiro que matou Von Richthofen o atingiu na sua axila direita na altura da nona costela, e saiu pouco abaixo da axila esquerda. Roy Brown estava em perseguição ao Dr.1 de Von Richthofen, não havia como ele acertar um tiro lateral.
Von Richthofen estava em baixa altitude e exposto ao fogo de pelo menos duas posições de metralhadoras, além de diversos soldados com seus rifles.
Esse link explica bem a celeuma: https://net.lib.byu.edu/~rdh7/wwi/comment/richt.htm
Sim, essa controvérsia é antiga. O crédito é “compartilhado” entre Roy Brown e artilharia antiaérea. Obrigado pelo comentário!
Talvez eu possa me considerar sortudo por contar com o livro completo e autografado pelo autor, desde que eu consiga extrair ao menos parte dos ensinamentos que ele traz, ou talvez eu faça algo melhor do que apenas me sentir privilegiado, e consiga replicar aos que me rodeiam as mensagens e dicas, e junto deles, por em prática o aprendizado. O bom é saber que o blog escolheu presentear a todos os seus leitores com o 1º capítulo, autorizado pelo Cmt Farinazzo, pois conhecimento válido é o que se dissemina por compartilhamento e proporciona aos que são atingidos por ele com a graça da possibilidade do aprender contínuo.
Realmente foi um presente para os leitores, inclusive eu! O texto é excelente! Muito obrigado pelo comentário!