A Praça da Paz Celestial: 30 anos depois

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Por Albert Caballé Marimón

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Na madrugada do dia 4 de junho de 1989 a Praça da Paz Celestial, em Pequim, China, foi palco de uma das repressões mais brutais da história recente.


Quando Mao Tsé-Tung morreu, em 1976, a China passava por dificuldades econômicas. Deng Xiaoping, que havia caído em desgraça durante a Revolução Cultural, voltou a ocupar posições de destaque no partido, e aos poucos tornou-se o líder chinês de facto.

Deng lançou um programa de reformas abrangentes na economia chinesa que mudariam o país, sendo apontado como um dos responsáveis por colocar a China no caminho que a levou a se tornar uma das maiores potências econômicas do planeta. Para conduzir as reformas que queria implementar, Deng promoveu aliados a cargos-chave: em 1982, Hu Yaobang foi nomeado Secretário-geral do Partido Comunista e, em 1980, Zhao Ziyang assumiu como Premier (chefe do governo).

Hu passou a implementar reformas que visavam trazer maior liberdade econômica e aumentar a transparência do governo. Isso lhe rendeu inimigos na ala mais radical do partido e, em 1987, por ocasião de manifestações estudantis, foi acusado de “frouxidão” e de promover uma “liberalização burguesa” que levou aos protestos. Hu acabou renunciando do cargo de Secretário-geral em 1987 e foi substituído por Zhao Ziyang, que afinal continuou com muitas das reformas econômicas e políticas iniciadas por Hu.

INÍCIO DOS PROTESTOS

Em 1989, após a morte de Hu, causada por um ataque cardíaco, centenas de estudantes tomaram a Praça Tian’anmen (a “Praça da Paz Celestial”), depositaram uma coroa de flores no Monumento aos Heróis Revolucionários do Povo, e exigiram maior liberdade de expressão, liberdades econômicas e combate à corrupção – exigências que tocavam um nervo exposto das alas mais conservadores do Partido Comunista.


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Manifestantes sobre um tanque na madrugada de 4 de junho de 1989, quando a China reprimiu brutalmente os protestos na Praça Tian’anmen (Foto: Jeff Widener/AP)

A liderança do partido se dividiu; enquanto alguns viam patriotismo no protesto dos estudantes, outros entenderam que eles representavam uma ameaça ao regime. As manifestações cresceram, assumiram grandes proporções e acabaram se espalhando por centenas de cidades chinesas.

A ala conservadora prevaleceu, e no dia 26 de abril, o Diário do Povo do Partido Comunista Chinês (PCC) publicou um editorial em que acusava as manifestações estudantis de “conspiração e tumulto premeditados” organizados com motivos “antipartidários” e “antissocialistas”. O editorial classificava as manifestações como uma revolta antigovernamental e acabou aumentando o antagonismo. No dia seguinte, dezenas de milhares de estudantes organizaram um protesto contra o editorial.

Apesar de Zhao Ziyang, em discurso no dia 4 de maio, ter mostrando disposição para dialogar, no dia 13, dois dias antes de uma visita oficial do então líder soviético Mikhail Gorbachev, centenas de estudantes iniciaram uma greve de fome na Praça Tian’anmen, e a cerimônia de boas-vindas a Gorbachev acabou sendo cancelada.

No dia 19 de maio Zhao visitou os alunos e apelou para que deixassem a praça. Essa foi a última vez que ele apareceu em público; acabou expurgado e viveu em prisão domiciliar até sua morte em 2005. Em 20 de maio, foi declarada lei marcial. Tropas foram enviadas a Pequim, mas foram bloqueadas pelos civis e as manifestações continuaram.


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Milhares de pessoas se reuniram na Praça Tian’anmen exigindo reformas econômicas e democráticas ao governo chinês (Foto: Getty Images)

“TANK MAN”

Na madrugada de 4 de junho, com ordens de acabar de vez com os protestos, as tropas atacaram em duas frentes, do leste e oeste de Pequim. Segundo John Gittings, na época correspondente do jornal britânico The Guardian, “centenas de caminhões do exército subiram a avenida principal de Pequim, e os soldados atiraram para matar”. Blindados e tanques esmagaram as barricadas feitas pelos estudantes e foram ouvidos tiroteios durante a noite inteira.

Em 5 de junho, um homem não identificado, carregando sacolas de compras, parou em frente a uma coluna de tanques que vinha da Praça Tian’anmen num ato de desafio, tornando-se uma das imagens mais icônicas do século XX.

O motorista do tanque tentou contorna-lo, mas o “Tank Man”, como ficou conhecido, continuou a desafia-lo, subiu na torre do veículo para falar com os soldados, voltou a se posicionar na frente da coluna e foi afastado por um grupo de pessoas.

Não se conhece o destino do “Tank Man”. Em 1990 o então líder chinês, Jiang Zemin, declarou que não acreditava que ele tivesse sido morto. A Revista Time o elegeu como uma das 100 pessoas mais influentes do século XX.


Veja o vídeo do Museu de Imagens: O Rebelde Desconhecido da Praça da Paz Celestial


A CONTAGEM DE MORTOS

Em 6 de junho, um porta-voz do governo, Yuan Mu, anunciou que as estatísticas preliminares davam conta de que 300 civis e soldados haviam morrido, sendo 23 estudantes e os demais descritos como “rufiões”; além disso, disse que 5.000 soldados e policiais e 2.000 civis ficaram feridos. Em 19 de junho, o Secretário do Partido de Pequim, Li Ximing, informou que o número de mortes confirmadas era de 241, sendo 218 civis (dos quais 36 eram estudantes), 10 soldados e 13 policiais, além de 7.000 feridos.

Há muita controvérsia com relação aos números oficiais, e a quantidade real de mortes permanece desconhecida. Após o incidente, a Cruz Vermelha Chinesa anunciou 2.600 mortes, mas desmentiu a informação. A embaixada suíça estimou 2.700 mortos. A Anistia Internacional calculou que o número seria desde algumas centenas até perto de 1.000.

No entanto, de acordo com um telegrama do então embaixador britânico em Pequim, Sir Alan Donald, enviado em 5 de junho de 1989 (liberado em dezembro de 2017), “o exército chinês matou pelo menos 10 mil pessoas”.

APÓS OS PROTESTOS

Em 13 de junho de 1989, o Departamento de Segurança Pública de Pequim emitiu ordem de prisão contra 21 estudantes identificados como líderes do protesto. Sete escaparam para os Estados Unidos, Reino Unido, França e outros países ocidentais através de uma operação denominada Yellowbird, organizada em Hong Kong, que na época ainda era território britânico.

Os líderes estudantis restantes foram presos. Wang Dan, que encabeçou a lista dos mais procurados, ficou sete anos preso. Os que conseguiram fugir até hoje tem dificuldades em voltar para a China.


Sobre este assunto, assista também ao Vídeo 629 do CANAL ARTE DA GUERRA: Massacre na Praça da Paz Celestial: 30 Anos


HOJE

Trinta anos depois, o assunto continua a ser tratado como tabu pelo governo chinês.  As tentativas de relembrar a data são reprimidas e punidas pelas autoridades, que, antes do aniversário do evento, costumam prender preventivamente intelectuais, escritores e ativistas. Este ano, quando se completam 30 anos do massacre, organizações de direitos humanos informam que as ações preventivas começaram no início de maio.

O “4 de junho”, como é conhecido como na China, foi praticamente eliminado da história oficial e é censurado em livros escolares e na Internet. É tema de grande importância no sistema de censura da China, com mais de 3.200 palavras-chave censuradas on-line, bem como milhares de fotografias – especialmente as do “Tank Man”, que foi fotografado por jornalistas das janelas de hotéis em Pequim. Uma delas ilustra a capa deste artigo.


*Imagem de capa: o “Tank Man” desafia a coluna de tanques, tornando-se uma das imagens mais icônicas do século XX (Foto: Bettmann/Getty)


RECOMENDADOS PELO VELHO GENERAL

China’s Silenced Scream: A Visual History of the 1989 Tian’anmen Protests

  • Donna Rouviere Anderson (Autor), Forrest Anderson (Fotógrafo)
  • Em inglês
  • eBook Kindle

Prisoner of the State: The Secret Journal of Zhao Ziyang

  • Zhao Ziyang (Autor), Bao PuRenee Chiang (Editores)
  • Em inglês
  • Versões eBook Kindle e Capa Comum

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7 comentários

  1. Bem lembrado pelo site um episódio triste da historia, que mostra cruelmente a mão pesada e assassina do comunismo em ação, esmagando sem dó qualquer voz dissonante e impedindo até hoje a divulgação dease crime contra a humanidade.

  2. Essa história, talvez, irá se apresentar mais claramente daqui a alguns anos, ou nunca de fato saberemos o número de mortos mais próximo do real, tampouco o destino do Tank Man… Ícone do século XX

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