Por Reis Friede* e Nathalia Ferreira**
Em sua mais elementar definição, as (equivocadamente) denominadas “Guerras Assimétricas” – ou, em linguagem mais técnica, guerras cuja natureza do conflito é caracterizada por alguma forma de desnível de capacidade bélica entre os oponentes –, são confrontações onde há um descompasso apreciável entre as capacidades de combate desdobradas (e, sobretudo, empregadas) pelas partes envolvidas.
Em regra, esses conflitos ocorrem entre Estados e entidades para ou trans-estatais (rebeldes, terroristas, insurgentes, etc), sendo válido lembrar, entretanto, que o próprio conceito de Guerra Assimétrica (independentemente da ausência de seu necessário tecnicismo) é bem mais amplo (e complexo) e, portanto, nem sempre é fácil de se definir ou até mesmo de se categorizar.
Um exemplo clássico de Guerra Assimétrica (ou, em termos mais técnicos, guerras cuja natureza do conflito revela-se desbalanceada ou assincrônica em termos de capacidade efetiva), foi a Guerra Revolucionária Americana, – também denominada Guerra de Independência dos Estados Unidos (1775-1783) –, em que o exército britânico (o maior e mais bem preparado do mundo naquele momento histórico) enfrentou insurgentes norte-americanos com pouca ou mínima experiência militar convencional. Enquanto o embrionário exército estadunidense era formado por integrantes de suas 13 colônias (muitos deles camponeses e agricultores), o exército britânico, em sentido diametralmente oposto, era um dos mais bem preparados e equipados de sua época.
Não obstante o desnível entre o poderio, o preparo e o treinamento dos efetivos de ambos exércitos, o fator decisivo para o resultado final da contenda acabou resumindo-se ao fato de que ambos os lados usaram táticas de combate completamente diferentes que, por fim, culminaram na surpreendente vitória norte-americana. Enquanto o exército britânico utilizava uma estratégia de combate mais tradicional e ortodoxa (típica dos países europeus que duelavam em campo aberto), os revolucionários norte-americanos utilizaram uma tática de guerrilha, com muitos aspectos inovadores (e, sobretudo, métodos heterodoxos) que se mostraram extremamente eficientes, conduzindo-os, conclusivamente, a uma inconteste vitória no campo de batalha.
Em muitos aspectos, o mencionado conflito também foi palco de uma embrionária concepção de assimetria reversa (com restrições e limitações de ordem política, moral e até mesmo legal) quanto à utilização de todo potencial bélico do poderio britânico, ao mesmo tempo em que, igualmente, representou uma nova perspectiva de assimetria básica (ou convencional) associada mais à forma de emprego dos ativos militares (através do emprego de estratégias e táticas verdadeiramente inovadoras), a exemplo do que também logrou realizar a Alemanha (em determinadas ocasiões pontuais, notadamente na Batalha da França/1940), vencendo, surpreendentemente, o maior e mais preparado exército continental europeu, mesmo com o auxílio da Força Expedicionária Britânica, através do emprego de uma inédita estratégia combativa (Blitzkrieg – Guerra Relâmpago).
Excluídas situações particulares e específicas, é correto afirmar que as primeiras guerras do século XX (Primeira e Segunda Guerra Mundiais), tiveram, contudo, um perfil muito diferente do apresentado na Guerra Revolucionária Americana. Em ambos os conflitos mundiais, o confronto se deu entre Estados que, apesar de não possuírem exatamente o mesmo nível de poder militar, continham, em regra, a mesma “estrutura organizacional”, particularmente no nível tático, fazendo com que os combatentes, em certo aspecto, fossem “similares” uns aos outros.
Entretanto, a partir da segunda metade do Século XX, vários conflitos de natureza assimétrica passaram a ocorrer (cotidianamente) ao redor do globo e, entre eles, o exemplo mais clássico foi o da Guerra do Vietnã (1964-1975), onde uma coligação de países liderada pelos Estados Unidos (Austrália, Nova Zelândia, Coreia do Sul, Tailândia, Filipinas, etc) enfrentou os norte-vietnamitas e chineses (patrocinados pelo apoio econômico e militar soviético).
Outro exemplo clássico de guerra de natureza assimétrica foi a denominada Guerra Soviética do Afeganistão (1979-1989), que ocorreu quando a URSS invadiu o Afeganistão para apoiar o regime comunista que estava, paulatinamente, sendo substituído por um governo paralelo de feição fundamentalista islâmica e exercendo, gradativamente, cada vez mais uma efetiva posição de poder político e militar na região. Em termos classificatórios, foi um embate bastante similar ao que ocorreu no Vietnã, devido às táticas de combates adotadas pelas partes envolvidos no conflito.
Os insurgentes afegãos (apoiados, curiosamente, por uma aliança de conveniência entre a China e os Estados Unidos) também utilizaram táticas de guerrilha e métodos heterodoxos de combate. Assim como o exército norte-americano (no Vietnã), as forças armadas soviéticas também dispunham de um enorme poder militar e infligiram diversos (e significativos) danos ao seu adversário.
Entretanto, a Guerra do Afeganistão foi extremamente custosa para a URSS (particularmente após a introdução de um massivo apoio econômico e militar estadunidense, realizado através de treinamento e envio de armas e equipamentos, intermediados, sobretudo, pelo Paquistão, com especial ênfase a partir de 1984) que, – a partir deste fato, viu todas as suas anteriores (e reconhecidas) vitórias no campo de batalha sucumbirem a uma gradativa perda de meios aéreos e terrestres -, obrigando aquela nação (desgastada econômica e militarmente), por fim, a retirar-se do país em 1988.
Essa guerra, – a exemplo da chamada “Síndrome do Vietnã” –, gerou graves consequências (inclusive psicológicas) para a URSS (ainda que de forma mais enfática no contexto de sua economia) e foi apontada como uma das inúmeras causas que contribuíram para desestabilizar o país, até a sua dissolução final em 1991.
Além de serem exemplos clássicos de conflitos de natureza assimétrica, tanto a Guerra do Vietnã quanto a Guerra do Afeganistão também são caracterizadas, pela Polemologia, como “Guerras por Procuração”, situação em que potências centrais se enfrentam (indiretamente) por intermédio de outros países (normalmente particular ao chamado Terceiro Mundo) e que se mostrou uma constante no período da Guerra Fria, notadamente após o final do governo EISENHOWER (1953-61), com a retomada da política expansionista soviética, através de uma nova doutrina (soviética) de confrontação estratégica.
*Reis Friede é Desembargador Federal, Professor Emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME) e Professor Honoris Causa da Escola de Comando e Estado-Maior da Aeronáutica (ECEMAR). Site: https://reisfriede.wordpress.com/ . E-mail: reisfriede@hotmail.com . É autor do livro Ciência Política e Teoria do Estado.
**Nathalia Ferreira é Assistente de Pesquisa e graduanda em Defesa e Gestão Estratégica Internacional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
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