Em entrevista coletiva conjunta com o presidente Jair Bolsonaro durante sua visita aos EUA, Donald Trump, o presidente americano, declarou sua intenção de “designar o Brasil como um aliado preferencial fora da OTAN, (…) talvez um membro da OTAN”.
A idéia de o Brasil como membro da OTAN na verdade não é nova. Na época em que o Tratado foi negociado, entre 1948 e 1949, um negociador dos EUA, John Hickerson, defendeu a inclusão do Brasil no tratado final. Para ele, a participação do Brasil se justificava por seu papel na Segunda Guerra Mundial, fornecendo tropas, bases navais e ajudando a Marinha dos EUA na Batalha do Atlântico. Além disso, Sir Frederick Hoyer-Millar, negociador britânico, achava que uma atitude positiva do Brasil em relação à OTAN seria importante para encorajar Portugal a participar.
A declaração de Trump já ocasionou uma manifestação da França, que através de uma porta-voz da chancelaria afirmou que “A OTAN é uma aliança de nações vinculadas por uma cláusula de defesa coletiva, cujo campo de aplicação geográfica se define claramente no Tratado de Washington de 4 de abril de 1949”, lembrando que apenas países europeus podem ingressar na OTAN como novos aliados.
Não se sabe se Trump levará adiante suas intenções e fará uma solicitação formal para ingresso do Brasil, mas se o fizer, será necessário alterar o estatuto da organização, o que deve ser aprovado pelos 29 países integrantes, e isto pode não ser tarefa simples. Além disso, o Brasil também teria que fazer alterações em nossa legislação para atender às normas e requisitos do tratado. Não me refiro aqui a requisitos militares, que também seriam necessários, mas a aspectos legais e legislativos.
A seguir, uma breve análise de alguns itens que teriam que ser alterados por ambas as partes. Em tempo, estas alterações referem-se à aceitação do Brasil como Membro da OTAN; não se aplicam na hipótese de ingresso como Parceiro Global, condição da Colômbia que foi discutida em artigo anterior, “Visão Geral da OTAN“.
ALTERAÇÕES NECESSÁRIAS POR PARTE DA OTAN
Nos artigos 5º e 6º os membros se comprometem com o conceito de que ataques a qualquer membro “da Europa ou América do Norte” são considerados ataques a todos os membros; e especifica a abrangência regional, ou seja, Europa e América do Norte ou ilhas (sob jurisdição de um membro), localizadas no Atlântico Norte ao norte do Trópico de Câncer.
Já o Artigo 10º, citado pela porta-voz francesa, especifica que os membros podem, por unanimidade, convidar qualquer outro estado europeu para aderir ao Tratado.
Estes artigos deveriam ser modificados para possibilitar a aceitação do Brasil como membro, uma vez que não estamos localizados na Europa, e nem sequer ao norte do Trópico de Câncer. Lembrando que esta é uma análise breve; podem haver outras cláusulas que requeiram alteração.
ALTERAÇÕES NECESSÁRIAS POR PARTE DO BRASIL
No Artigo 8º, do Tratado, os membros declaram não ter e não entrar em quaisquer compromissos internacionais que possam conflitar com as disposições do Tratado. O Brasil é signatário do TIAR – Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, e como tal, pode vir a ser solicitado a atuar em defesa de outro membro do TIAR, nos termos deste tratado.
Num hipotético cenário de hostilidade entre um membro do TIAR e um membro da OTAN, ficaria evidenciado o conflito; portanto, o Brasil teria que renunciar ao TIAR. Pode-se argumentar que é melhor ser membro de um em detrimento do outro, mas fica aberto o debate e a questão talvez não seja de solução tão simples como pode parecer.
No entanto, a questão mais delicada seria a necessidade de alterar a Constituição Federal, que, no artigo 84, atesta que é atribuição do Presidente da República declarar guerra, desde que seja em caso de agressão estrangeira e previamente autorizado pelo Congresso Nacional. Esta na constituição, sempre lembrando que depende do Congresso, não seria uma operação simples e muito menos breve.
Em minha avaliação, esta alteração constitucional é necessária para atender ao princípio da OTAN pelo qual seus membros concordam com a defesa mútua em resposta a ataques por qualquer entidade externa à organização, o que pode implicar na necessidade do Brasil envolver-se num conflito sem que necessariamente tenha sido agredido.
O MAP – MEMBERSHIP ACTION PLAN
O MAP (Plano de Ação para Afiliação, em tradução livre), é o processo pelo qual os membros da OTAN revisam as solicitações do de ingresso de novos membros. Este processo implica na comprovação, via apresentação de relatórios, sobre o progresso do solicitante nos itens que deve atender para ser aceito.
Entre estes, além dos que exigem alterações constitucionais para garantir a compatibilidade da legislação do país com a cooperação da OTAN, está também o item 3, que trata da “alocação de recursos suficientes às forças armadas para poder cumprir os compromissos de adesão”.
Este ponto implica no Orçamento destinado às forças armadas. Uma das diretrizes da OTAN é que seus membros devem destinar pelo menos 2% do PIB para seu orçamento militar, de modo a garantir sua capacidade de atender às demandas do Tratado. O Brasil vem, historicamente, investindo por volta de 1,4% do PIB em Defesa, e os contingenciamentos no orçamento das forças armadas são bem conhecidos. É duvidoso que seremos capazes, a curto ou médio prazo, de mudar este quadro.
A ÍNTEGRA DAS CLÁUSULAS (EM TRADUÇÃO LIVRE)
Artigo 5º
As Partes concordam que um ataque armado contra um ou mais deles na Europa ou na América do Norte será considerado como um ataque contra todos eles e, conseqüentemente, concordam que, se tal ataque armado ocorrer, cada um deles, em exercício do direito individual ou autodefesa coletiva reconhecida pelo Artigo 51 da Carta das Nações Unidas, ajudará a Parte ou Partes assim atacadas tomando imediatamente, individualmente e em concertação com as outras Partes, as medidas que julgarem necessárias, incluindo o uso de forças armadas, para restaurar e manter a segurança da área do Atlântico Norte.
Qualquer ataque armado desse tipo e todas as medidas tomadas como resultado do mesmo devem ser imediatamente comunicadas ao Conselho de Segurança. Tais medidas serão encerradas quando o Conselho de Segurança tomar as medidas necessárias para restaurar e manter a paz e a segurança internacionais.
Artigo 6º ¹
Para efeitos do artigo 5º, considera-se que um ataque armado a uma ou mais Partes inclui um ataque armado:
- no território de qualquer das Partes na Europa ou na América do Norte, nos departamentos argelinos da França², no território da Turquia ou nas ilhas sob jurisdição de qualquer das Partes na área do Atlântico Norte ao norte do Trópico de Câncer;
- sobre as forças, embarcações ou aeronaves de qualquer das Partes, quando em ou sobre estes territórios ou qualquer outra área na Europa em que as forças de ocupação de qualquer das Partes foram estacionados na data em que o Tratado entrou em vigor ou o Mar Mediterrâneo ou a área do Atlântico Norte ao norte do Trópico de Câncer.
¹ A definição dos territórios aos quais se aplica o artigo 5º foi revista pelo artigo 2º do Protocolo ao Tratado do Atlântico Norte relativo à adesão da Grécia e da Turquia, assinado em 22 de Outubro de 1951.
² Em 16 de janeiro de 1963, o Conselho do Atlântico Norte notou que, no que diz respeito aos antigos departamentos argelinos da França, as cláusulas relevantes deste Tratado tornaram-se inaplicáveis a partir de 3 de julho de 1962.
Artigo 8º
Cada Parte declara que nenhum dos compromissos internacionais agora em vigor entre ela e qualquer outra das Partes ou qualquer terceiro Estado está em conflito com as disposições deste Tratado, e compromete-se a não entrar em qualquer compromisso internacional em conflito com este Tratado.
Artigo 10º
As Partes podem, por unanimidade, convidar qualquer outro Estado europeu em condições de promover os princípios deste Tratado e de contribuir para a segurança da zona do Atlântico Norte a fim de aderir ao presente Tratado. Qualquer Estado assim convidado pode tornar-se Parte do Tratado, depositando o seu instrumento de adesão junto do Governo dos Estados Unidos da América. O Governo dos Estados Unidos da América informará cada uma das Partes sobre o depósito de cada instrumento de adesão.
Plano de Ação para a Afiliação:
O mecanismo do MAP – Membership Action Plan (Plano de Ação para Afiliação, em tradução livre), é um estágio para que os membros revisem regularmente solicitações formais de aspirantes a membro. A participação de um país no MAP implica na apresentação anual de relatórios sobre o seu progresso em cinco pontos diferentes:
- Disposição para resolver disputas territoriais internacionais, étnicas ou externas por meios pacíficos, compromisso com o estado de direito e direitos humanos e controle democrático das forças armadas;
- Capacidade de contribuir para a defesa e missões da organização;
- Alocação de recursos suficientes às forças armadas para poder cumprir os compromissos de adesão;
- Segurança de informações confidenciais e salvaguardas de garantia;
- Garantia de compatibilidade da legislação interna com a cooperação da OTAN.
A CONSTITUIÇÃO DO BRASIL
A Constituição Federal do Brasil autoriza o presidente a declarar guerra, no caso de agressão estrangeira, autorizado pelo Congresso Nacional.
SEÇÃO II – DAS ATRIBUIÇÕES DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
XIX – declarar guerra, no caso de agressão estrangeira, autorizado pelo Congresso Nacional ou referendado por ele, quando ocorrida no intervalo das sessões legislativas, e, nas mesmas condições, decretar, total ou parcialmente, a mobilização nacional;
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REFERÊNCIAS
O Tratado do Atlântico Norte – Washington D.C. – 4 de abril de 1949, https://www.nato.int/cps/en/natohq/official_texts_17120.htm
- RFI, França lembra que Brasil não pode ingressar na Otan, como declarou Trump (20/03/2019), http://br.rfi.fr/europa/20190320-franca-lembra-que-brasil-nao-pode-ingressar-na-otan-como-declarou-trump
- Revista Época, “Análise: Brasil na OTAN? Não é uma ideia tão louca” (23/03/2019), https://epoca.globo.com/analise-brasil-na-otan-nao-uma-ideia-tao-louca-23546068
- Wikipedia, Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, https://pt.wikipedia.org/wiki/Tratado_Interamericano_de_Assistência_Recíproca
- Politize!, O QUE É O TIAR, E como ele se aplicaria hoje no cenário internacional (12/06/2017), https://www.politize.com.br/tiar-o-que-e/
A intenção do Trump é ter uma reposta rápida para caso algum país trace o mesmo rumo da Venezuela. Outro ponto importante é que o Brasil também deveria ter uma base americana para ser membro da OTAN, como o acordo do CLA já foi firmado eles poderiam fazer sua primeira base da sua força espacial aqui.
Republicou isso em OSROC7 – Segurança & Defesa.
Acredito que no máximo ficará com um status de aliado da OTAN, como Japão e Austrália.
Párabens pelo trabalho e pesquisa.
Leonardo, é o que penso também. Muito obrigado por seguir o Blog!