Por José Antonio Mariano*
Terceira e última parte. Não deixe de ler a primeira e a segunda partes desta saga.
O FIM DO BRESLAU
Assim que se livra dos monitores britânicos, Rebeur-Paschwitz decide avançar para o porto de Mudros, onde o couraçado HMS Agamemnon luta com suas caldeiras para se colocar em movimento a fim de entrar na batalha. Os britânicos também não podem contar com o outro couraçado, o HMS Lord Nelson, que foi a Salônica levar Hayes-Sadler para uma conferência com o Exército Britânico. Às 7h31, a vitoriosa carreira do Breslau começa a encontrar seu fim, quando o cruzador atinge uma mina que explode a estibordo sob a popa, o que coloca seu leme fora de ação.
Cambaleante, ele tenta alcançar o porto mais próximo. À sua frente, é a vez do Goeben tocar numa mina. Às 7h55 outra mina atinge o Goeben na proa, que diminui sua velocidade até quase parar, e cinco minutos mais tarde mais duas explodem sob a proa do Breslau. Já adernado, mas ainda em movimento, o cruzador leve alemão sofre mais um baque às 8h05 quando mais um engenho explode abaixo da torre de comando. Com a proa rapidamente afundando, o Capitão Georg von Hippel (1874-1929) ordena a tripulação que abandone o barco.
Os registros são desencontrados, mas estima-se que dos 354 homens, entre 133 e 162 foram salvos das águas geladas do Egeu pelos destróieres britânicos. Entre os resgatados está o subtenente Eberhard Souchon, o sobrinho de 22 anos do Almirante Souchon. Depois de mais de 64.800 quilômetros percorridos apenas no Mar Negro, e inúmeros combates, a 20 de janeiro de 1918, o Breslau finalmente é vencido.
Seu irmão maior, o Goeben, na tentativa de ajudá-lo é alcançado por mais uma explosão de mina que sacode o meio do navio e o aderna. Reuber-Paschwitz e o Capitão Albert Stoelzel (1872-1928), no comando há apenas 16 dias, decidem retirar-se em direção aos Dardanelos fazendo 18km/h de velocidade. As 8h48 ele toca em mais uma mina que explode do lado oposto ao anterior, e inunda seus porões fazendo com que o navio saia de sua inclinação e volte a posição horizontal.
Os compartimentos estanques evitam que a inundação avance e as bombas trabalham no máximo de sua capacidade para retirar a água. Lentamente, o Goeben sai do campo minado enquanto os aviões da RNAS continuam a atacá-lo. Seus problemas, entretanto, estão longe de terminar. Próximo a Nagara e Chanak, o navio encalha num banco de areia. Apesar do esforço, com reversão máxima dos motores a toda potência, o barco não se move. Stoelzel ordena o alagamento dos compartimentos de ré para levantar a proa, mas a operação não surte efeito.
O Goeben está agora na mais desesperada situação de sua carreira, impossibilitado de usar seu armamento principal e a mercê de ataque pelos aviões e submarinos britânicos. Stoelzel ordena então a retirada dos documentos secretos e envia parte da tripulação para terra. Os britânicos avaliam mal a situação e entendem que o encalhe do Goeben é proposital como forma de evitar seu afundamento.
Este não seria o único engano que os ingleses cometeriam. Hayes-Sadler, no comando há apenas uma semana, está nervoso. Sabe quem está enfrentando e o que significa para a Royal Navy encontrar-se mais uma vez com o Goeben. Indeciso, ele não havia tomados as medidas necessárias para reunir seus maiores navios que se encontravam dispersos pela região. Exatamente como seus antecessores no enfrentamento com o cruzador de batalha alemão, Hayes-Sadler também recebe ordens do Almirantado para não entrar em combate até que estivesse numa clara posição de vantagem.
Sendo assim, o almirante britânico perde vários dias reunindo uma força superior. Por seu turno, a braços contra o encalhe, o Goeben recebe ajuda do velho couraçado Turgut Reis que lança cabos de amarração na tentativa de puxá-lo para fora do banco de areia. Enquanto a operação é realizada, tiros espoucam no ar com os canhões turcos atirando contra aviões britânicos (que atiram contra os barcos turcos e alemães) que por sua vez também são atacados por aviões alemães que vem em socorro dos seus companheiros.
No dia 24, o monitor HMS M-17 toma posição do lado oeste da península de Gallipoli, a uma distância de 17 quilômetros do Goeben e tenta atingi-lo com a ajuda de observadores aéreos. Os tiros de regulação caem a apenas 180 metros do alvo, mas logo após o terceiro tiro os canhões dos fortes respondem e o M-17 prudentemente se retira.
O Goeben está encalhado há cinco dias. No dia 25, vários navios são reunidos no intuito de puxar o navio através de cabos. Após dois dias de trabalho, inclusive com parte da areia escavada debaixo do navio, às 4h47 do dia 27 o Goeben está livre. Somente 24 horas depois, ao amanhecer do dia 28, é que os britânicos se dão conta de que o Goeben sumiu.
O submarino HMS E-14, comandado pelo Tenente Geoffrey Saxton White (1886-1918) é enviado para averiguar e chega a penetrar a ponta de Nagara onde o Goeben ficara por uma semana inteira, mas claro, não o encontra. No caminho de volta, o E-14 é afundado por uma patrulha de destróieres e tiros de canhões dos fortes.
White permanece no controle do submarino, navega ao longo da costa e evacua sua tripulação. Atingido por um projétil, afunda com seu submarino, sendo agraciado, mais tarde, com a Victory Cross, uma homenagem que dificilmente alcançaria Hayes-Sadler, que entra para o rol de almirantes exonerados e humilhados pelo Goeben junto com Milne, Troubridge e De Lapeyrère.
A batalha de Imbros não altera a situação tática no leste do Mediterrâneo, e na verdade representa um duro golpe para os Impérios Centrais, uma vez que a Turquia perde um dos seus principais navios (além de 400 homens). Os britânicos perderam 200 homens, dois monitores, um submarino, dois aviões, um vapor e diversas construções na ilha foram atingidas por tiros.
O (TRISTE) FIM DO GOEBEN
Com o fim da guerra se aproximando, as grandes batalhas do Goeben também estão no fim. Entre janeiro e abril de 1918, ele permanece atracado, com as avarias sob controle, porém sem os necessários reparos pelas mesmas razões de sempre: falta de instrumentais adequados. Em 1º de maio, atendendo a um pedido do Estado-Maior do Grupo de Exércitos Kiev, comandado pelo Marechal de Campo Hermann Emil Gottfried von Eichhorn (1848-1918) – natural de Breslau – é destacado para guardar os portos russos na Criméia, em cumprimento aos protocolos de rendição da esquadra russa.
O Almirante Mikhail Pavlovich Sablin (1869-1920), descumprindo o acordo firmado pelo tratado de Brest-Litovsk que terminava a guerra entre a Alemanha e a Rússia, lidera dois couraçados, dez destróieres e um número similar de vapores para fora do porto de Novorossiysk.
O Goeben navega até o local para desencorajar qualquer iniciativa fora do estipulado. Em 19 de junho, Sablin retorna e rende-se diante dos canhões do Goeben. A bandeira imperial alemã é hasteada nos navios e guardas armados tomam cada um deles. Em 1º de julho, o Goeben retorna a Sebastopol e no dia 6 dirige-se para Odessa. No dia 11 volta a Constantinopla para finalmente receber os pesados e mais do que necessários reparos.
Passados quatro anos da decisão de Souchon, de que seus navios não veriam a guerra passar sem fazer troar seus canhões, os do Goeben finalmente se calam. Um dos temos da rendição de 1º de novembro de 1918 prevê a entrega do Goeben com sua tripulação às autoridades britânicas, algo que os turcos não aceitam de modo algum. Com efeito, protegem e fazem transportar todos os homens do Goeben e os remanescentes do Breslau de volta à Alemanha. O orgulhoso cruzador de batalha, nunca derrotado, é ancorado nas águas rasas de uma pequena baía a poucos quilômetros de Constantinopla onde permanece até 1927.
Durante os anos 20, um compromisso para reformar o agora de vez denominado TCG Yavuz Sultan Selim como a nau-capitânia da frota turca encontra diversos contratempos, em que figuram as dificuldades da compra de uma doca flutuante da Alemanha e desvios de dinheiro do qual é acusado o então Ministro da Marinha Mehmet İhsan Bey (1877-1947), que o levam a dois anos de prisão. Somente em 1930, depois que uma companhia francesa realiza os reparos mais imediatos e moderniza alguns equipamentos é que o Goeben – agora apenas TCG Yavuz Sultan – volta a navegar.
Em 1929, a sombra do Goeben ainda paira sobre os mares Negro e Egeu. Enquanto o gigante mantivesse seus canhões operativos constituía uma séria ameaça a gregos e russos. Os primeiros, encomendam a construção de quatro novos destróieres classe Freccia, produzidos pela Cantiero Odero, de Sestri Ponente, Itália, comissionados em 1933: o RHS Psara (D96), RHS Hydra (D97), RHS Spetsai (D98) e RHS Kountouriotis (D99).
Por sua vez, a URSS fortalece sua presença no Mar Negro deslocando do Báltico para os portos do Mar Negro, o velho couraçado (1911) Sebastopol (classe Gangut) renomeado Parizhskaya Kommuna e o cruzador leve Krasnyi Krym (1928), classe Svetlana, redenominado Profintern. Os dois envelhecidos navios soviéticos ainda assim não são páreo para o modernizado e honorável TCG Yavuz, seu último e definitivo nome, que ressurge em 1936, causando grande impressão, apesar de sua idade, fazendo visita a diversos portos no Mediterrâneo.
Dois anos mais tarde ele seria o escolhido para levar o ataúde do herói nacional, Marechal e 1º Presidente da Turquia Mustafa Kemal Atatürk (1881-1938), vencedor de Gallipoli e considerado o fundador da moderna Turquia.
O venerável Yavuz permanece em alerta e operacional por toda a II Guerra. Em 1941, sua bateria antiaérea foi reforçada com quatro canhões de 88 mm, dez de 40 mm e quatro outros de 20 mm. Juntaram-se a estes, mais tarde, 22 canhões de 40 mm e 24 de 20 mm, tornando o navio capacitado a enfrentar as ameaças aéreas que tornaram patente o novo tipo de combate aeronaval que os oceanos do mundo veriam entre 1939 e 1945.
Em 5 de abril de 1946, o couraçado USS Missouri, o cruzador leve USS Providence e o destróier USS Power chegam a Istambul para devolver os restos do embaixador turco Münir Ertegün (1883-1944). O Yavuz cumprimenta os navios no Bósforo, onde ele e o Missouri trocam saudações disparando 19 canhões. Em 1948, o navio passa a ser ancorado em Gölcük, na Província de Kocaeli, mar de Mármara, leste do Bósforo. Em 20 de dezembro de 1950, o antigo Goeben é desarmado e retirado do serviço ativo. Dois anos depois, com a entrada da Turquia na OTAN, recebe o número de casco B70 permanecendo na reserva.
O governo da Alemanha Ocidental é sondado, em 1963, sobre se teria interesse na compra do velho navio que poderia ser transformado em museu. Diante da recusa, Ankara o vende para a MKE Seymen em 1971 para demolição. Ele foi rebocado para as instalações da empresa em 7 de Junho de 1973 e teve seu sucateamento concluído em fevereiro de 1976. Do grande Goeben resta uma de suas hélices fincada como monumento no centro da cidade de Gölcük; e outra em frente ao Museu Naval de Istambul.
OS ERROS DO ALMIRANTE
O mais longevo navio da história da US Navy é o USS New Jersey, um couraçado classe Iowa, que entre 1943 e 1991, em vários comissionamentos e descomissionamentos, operou por 22 anos. O Goeben se manteve ativo por 36 anos, enfrentando britânicos, neozelandeses, australianos, franceses e russos. Só no Mar Negro, o navio percorreu pouco mais de 37 mil quilômetros, drenando armas e homens dos Aliados, atormentando a vida da Marinha Russa ao singrar ousadamente seu litoral, impossibilitando Moscou de sair para as águas do Mediterrâneo, mar pelo qual escoava 90% do comércio de exportação e importação do czar.
Quando a Alemanha se lançou sobre a Bélgica e a França, em agosto de 1914, esperava que uma vitória rápida decidisse a sorte da guerra. Afinal, desdobrara seus 1.485.000 homens (27 divisões) contra 1.071.000 soldados aliados (39 divisões francesas e 6 britânicas) na Primeira Batalha do Marne, entre 7 de 12 de setembro. Com a derrota e com os reveses colecionados pelos austro-húngaros contra os russos, a Turquia começou a ser considerada como aliado bastante útil com a qual os alemães contavam para frear os ímpeto naval russo e desviar seus exércitos da frente da Galícia.
Em suas memórias, o General Ludendorff não tinha rebuços em afirmar que a entrada dos turcos na guerra permitiu que as Potências Centrais estendessem os combates por pelo menos mais dois anos, o que, segundo ele, não teria ocorrido caso a Alemanha e Áustria-Hungria tivessem de se combater sozinhas os Aliados.
O historiador Ian F.W. Beckett, professor de História Militar da Universidade de Kent, Inglaterra, autor do livro “A Grande Guerra, 1914- 1918”, rubrica a tese ao afirmar que a entrada da Turquia fez os combates chegarem ao Oriente Médio, com as consequentes campanhas de Galipoli, Sinai e Palestina, Mesopotâmia e Cáucaso.
Ao aliar-se às Potências Centrais, a Turquia compartilhou seu destino na derrota final. Isso deu aos aliados a oportunidade de esculpir o colapsado Império Otomano e criar várias nações ainda que as mesmas tivessem suas fronteiras estabelecidas a partir das capitais europeias.
Deste modo surgiram a Síria, Líbano, Arábia Saudita e Iraque. A ideia de um Estado judeu em Israel ganhou contornos de materialidade pela primeira vez. Além disso, com o estrangulamento da economia russa, as sementes da revolução germinaram e resultaram não só na saída da Rússia da guerra como no seu esfacelamento e criação da URSS. Por fim, para Beckett, se a guerra tivesse terminado em 1916, a carnificina inútil do Somme, por exemplo, teria sido evitada, poupando a vida de 434 mil alemães, 420 mil britânicos e 200 mil franceses.
O fato é que uma decisão tomada por um único oficial desencadeou toda uma série de eventos que impactaram o desenvolvimento e os resultados do pós-guerra. Os motivos que levaram Souchon a, por duas vezes, desobedecer a Berlim (suspender o bombardeio aos portos argelinos e não rumar para uma Turquia neutra), falam um pouco sobre sua capacidade de decisão, visão tática, e mesmo estratégica, visto que ele sabia o que significava colocar a Turquia na guerra. E isso é motivo de controvérsia.
Souchon foi o grande visionário político que a história quer fazer acreditar capaz de, movido por sua própria vontade e iniciativa, colocar um país inteiro em guerra? Em seu ensaio sobre o almirante alemão, Chessum desfia um rosário de senões em relação às decisões de Souchon e desenha um cenário bem crível sobre as consequências que poderiam advir dos seus atos, temerários em certo sentido.
Ele diz: “Empreender o bombardeio dos portos argelinos expôs os navios alemães a tiros de artilharia de defesa costeira. Embora as chances de que a artilharia infligisse sérios danos aos navios alemães fossem pequenas, os alemães estavam isolados, num mar recheado de navios de guerra potencialmente hostis. Se os navios alemães tivessem sido seriamente danificados, havia poucas chances de que pudessem obter reparos num porto amistoso, e sua capacidade de atingir o objetivo direcionado, ou seja, Constantinopla, seria muito comprometida.”
Em sua análise, Chessum afiança que o bombardeio dos portos argelinos atrasou a partida do esquadrão alemão para Constantinopla por muitas horas e que como consequência direta deste atraso, os alemães encontraram os dois cruzadores da Royal Navy que estavam a sua procura. O que Chessum acentua é que os reparos a que o Goeben foi submetido em Pola o tornaram capaz de escapar dos cruzadores de batalha britânicos, mas o fato é que tais cruzadores estavam com a manutenção atrasada, portanto não estavam no pleno de suas capacidades, e com a tripulação incompleta. “Foi uma fuga fortuita”, acredita o autor.
Uma história diferente poderia ter sido contada caso os navios britânicos estivessem devidamente equipados e tripulados. Ao prosseguir com o bombardeio dos portos argelinos, Souchon pode ter fornecido um impulso moral aos seus marinheiros, porém, de modo geral, a ação teve muito pouco efeito prático. “Ao prosseguir sua missão de bombardeio (em que pese as ordens de Berlim para abortá-la), Souchon não só tinha dado à Inglaterra motivação adicional para entrar na guerra contra a Alemanha, mas também arriscou seriamente comprometer sua missão principal que era chegar incólume aos portos turcos”, conclui.
O DIPLOMATA SOUCHON
Quando chega a Constantinopla, Souchon quer logo iniciar as hostilidades contra a Rússia. Nesse momento, suas habilidades políticas são colocadas à prova. Chessum afirma que o papel de Souchon, “neste ato de manipulação política”, pode ser avaliado a partir de dois fatores. O primeiro é que Souchon “agiu em grande parte por sua própria iniciativa, utilizando como justificativa uma velha ordem de onze semanas, emitidas por Berlim, sem procurar qualquer esclarecimento adicional. Em segundo lugar, apenas um membro do governo turco – Enver Pasha – estava ciente de que Souchon realizaria operações de combate contra os russos e, no entanto, é duvidoso que mesmo ele estivesse plenamente a par do conjunto das intenções de Souchon”.
A favor do almirante pode-se dizer que as comunicações naquele período eram difíceis e pouco confiáveis, mas mesmo levando isso em conta, dada a dimensão e a complexidade da tarefa que envolvia duas nações – uma em guerra – Souchon poderia ter confirmado se as ordens anteriores ainda vigiam. Militarmente, não há o que questionar na conduta de Souchon e seus homens. Durante toda a guerra contra a esquadra russa, a superioridade técnica e tática dos alemães foi indiscutível, o que é confirmado pelo fato de que o Breslau só se perdeu devido a minas dispersas pelo Egeu e em combate contra os britânicos.
Chessum resume assim a guerra travada pelos alemães em águas otomanas: “As ações de Souchon como comandante da frota turca demonstraram astúcia política e militar, e certa crueldade, meios pelos quais ele conseguiu manobrar a Turquia e a Rússia, colocando-as em estado de guerra, atingindo assim um grande objetivo estratégico para seus mestres alemães.”
Essa visão de que Souchon manipulou habilmente a situação fazendo a Turquia entrar na guerra é contestada, entretanto, por Bernd Langensiepen, editor do MNB – Marine- Nachrichtenblatt (Navy New Journal), de Oldenburg, Alemanha, publicação do Arbeitskreises Krieg zur See 1914-1918 e.V. (Grupo de Trabalho Sobre a Guerra no Mar 1914-1918).
Em resposta ao artigo de Chessum, intitulado “Uma perspectiva diferente”, publicado no mesmo site “The Great War Primary Documents Archive”, Langensiepen diz que a posição alemã em Constantinopla não era de forma alguma tão forte quanto se acredita e que Souchon, por si só, não seria capaz de insuflar ou forçar o governo otomano a entrar na guerra. “Os navios foram um belo presente para os turcos, mas os otomanos certamente não entrariam numa guerra mundial só por causa de dois cruzadores.”
Segundo Langensiepen, o governo otomano estava à procura de uma guerra na primavera 1914. “Em agosto de 1914 os otomanos aguardavam operações gregas contra os Dardanelos”, observa em seu artigo. Havia um forte movimento centrado no Ittihat ve Terakki (CUP – Committee of Union and Progress), liderado pelos “Three Pashas”, que lutava por um Império Turco Islâmico como sucessor do Império Otomano e cujo interesse estava voltado para as regiões russo-asiáticas.
Em seu livro “Halbmond und Kaiseradler: Goeben und Breslau am Bosporus, 1914-1918″ (algo como “Meia Lua e Águia Imperial, Goeben e Breslau no Bósforo, 1914-1918″), Langensiepen nota que, diante dessa perspectiva, o que os Jovens Turcos do CUP imaginavam em setembro de 1914 era que caso se mantivessem neutros na I Guerra e os Aliados ganhassem, o Bósforo ficaria ao alcance da Marinha Russa e os britânicos investiriam contra a região árabe do Império. E se as Potências Centrais saíssem vitoriosas, a situação não seria tão melhor uma vez que Berlim tinha acordos de cooperação com armênios, georgianos, ucranianos e outros povos não muito simpáticos aos turcos.
Fosse qual fosse o resultado, o fato é que o Império Otomano, devido a fragilidade de suas forças e sua instável situação política, não tinha condições de se opor a quem quer que fosse o ganhador. Sondagens feitas junto aos britânicos deixaram claro ao governo que os turcos não teriam suas reivindicações pós-guerra muito bem acolhidas. E em relação à Alemanha, parecia que esta “não tinha ou tinha pouco interesse no território otomano e que os olhos de Berlim, no leste, estavam na Rússia”. A questão para os turcos era: quem iria ganhar a guerra?
Chessum afirma que Souchon “era conhecido por seu temperamento calmo, autocontrole, alegria, versatilidade e capacidade para o trabalho duro. Devido ao seu dom de tato, juntamente com boas maneiras e conduta modesta, recebeu o apelido de ‘O Diplomata’. Raramente bebia álcool, nunca fumou, e exalava energia”. Langensiepen vai na contramão de tudo o que Chessum diz. “Ele [Souchon] foi muito mal sucedido em suas manobras políticas. Seus problemas com Ahmed Djemal Pasha, Ministro da Marinha, começaram no primeiro dia de sua chegada ao Dardanelos, o que fez o ministro verter todos os esforços para enviar Souchon de volta a Alemanha, ainda em 1914″.
Por fim, o autor, que também escreveu “The Ottoman Steam Navy 1828-1923″, demole a imagem de estadista de Souchon. Ele lembra que há um grande número de livros sobre a Turquia moderna que mostram como o Império foi à guerra, mas nem os navios e nem Souchon foram, de modo algum, fatores determinantes.
Ele nunca foi chamado “O Diplomata”, um nome dado a ele pela propaganda alemã depois de 1933. “Quando a frota turco-alemã entrou em ação, o fez com o conhecimento e ordens dos membros do CUP, portanto tudo o que os membros do Comitê afirmaram depois da guerra [de que Souchon praticamente agia por conta própria] era pura falsidade”. Além disso, houve um outro fator que contribuiu, esse sim decisivamente, para a entrada da Turquia na guerra: a remessa de uma partida de ouro equivalente a 2 milhões de libras esterlinas, que chegou a Constantinopla, vinda de Berlim, no final de outubro de 1914.
MILNE, TROUBRIDGE E DE LAPEYRÈRE
Langensiepen tem autoridade para falar do tema. Além fazer parte do board do MNB, trabalhou nos estaleiros Blohm & Voss, fala turco, tem vivido durante anos na Turquia e usou fontes inéditas, originais dos arquivos históricos turcos para escrever seus livros. Ele assevera que autores não alemães como o inglês Geoffrey Miller (autor de “Superior Force: the conspiracy behind the escape of Goeben and Breslau”) e o holandês Daniel Francis Jeroen van der Vat (autor de The Dardanelles Disaster – Winston Churchill’s greatest failure) que escreveram sobre Souchon não têm ideia do seu papel nas discussões pós-guerra na Alemanha.
“Ele foi até 1933 um dos responsáveis pelos motins de Kiel durante os dias tumultuados de outubro e novembro de 1918; somente depois da ascensão dos nazistas é que nasceu a história do ‘diplomata’, do ‘herói da Turquia’.” Essa figura de diplomata fica realmente obscurecida quando se sabe que Souchon, em sua estada na Turquia, não só era mantido a par do massacre promovido contra os armênios, como apoiava a ação. Em uma entrada em seu diário, registrada em 10 de agosto de 1915, ele escreve: “Será um alívio se [for confirmado que] ela [a Turquia] matou os últimos armênios; assim estarão se livrando dos sanguessugas antigoverno que eles são”.
Perto do fim da guerra, Souchon foi nomeado comandante da base naval de Kiel onde explodiu um motim em 3 de novembro de 1918, que disparou a revolução na Alemanha, convulsionando todo o país, provocando a abdicação do Kaiser e a fundação da República de Weimar. Souchon foi acusado de não ter agido com a devida repressão. Ocorre que, com uma semana e um dia à frente da base, ele confiou em seus assessores que avaliaram mal o volume e a intensidade do motim, e quando as coisas fugiram ao controle, simplesmente desertaram.
Assim, é provável que se Souchon tivesse disparado contra os amotinados, teria apenas agravado a situação. Wolfram Wette, em seu estudo “Gustav Noske e a Revolução em Kiel 1918″, chega a conclusão, em relação à eventual reação de Souchon, de que “era impossível e sem esperança um confronto violento com os marinheiros por causa da falta de meios próprios de poder”. Souchon foi forçado a negociar com Karl Artelt (1890-1981), líder do motim e outros representantes do conselho de soldados e liberou os marinheiros presos.
Quatro dias depois da eclosão do motim, foi demitido por Gustav Noske (1868-1946), futuro Ministro da Guerra de Weimar. O Almirante Souchon se aposentou em 1919. Em 25 de maio de 1932, ao lado do Almirante Erich Johann Albert Raeder (1876-1960), ele proferiu um discurso em honra à memória do Almirante Franz von Hipper (1863-1932), o último comandante da High Seas Fleet, no cemitério Ohlsdorf, em Hamburgo. Morreu em Bremen em 13 de janeiro de 1946.
Quanto aos seus opositores do Mediterrâneo, o Almirante Milne passou o resto da guerra com metade do salário. Isso não seria de todo um problema, mas a questão é que um posto nos moldes do Mediterrâneo ele não mais teria. A ele foi oferecido o comando dos portos de Chatham e Sheerness, no Nore, estuário do Tâmisa, em 1916, mas mesmo essa posição acabou indo para outro oficial. Pelos anos seguintes, o Almirantado enfatizou que Milne não fora o responsável pela fuga dos barcos alemães, mas significativamente anunciou sua aposentadoria, em 1919, “a seu próprio pedido.”
Em 1920, o historiador naval Sir Julian Corbett (1854-1922) reviu toda a atuação de Milne e concluiu que o caso continha “sérias imprecisões.” E talvez a mais evidente fosse a dúbia ordem emitida por Churchill quando exigiu que Milne “não entrasse em combate com os alemães caso esses apresentassem forças superiores.” A questão é que somente depois da guerra Churchill definiu as tais forças superiores. Ele se referia a Marinha Austro-Húngara que, ele achava, não tardaria a enviar seus navios para auxiliar os alemães no Mediterrâneo.
O receio de Churchill até fazia sentido. Afinal, só de grandes navios (ironclads, couraçados e cruzadores diversos) os austro-húngaros podiam reunir quase 100 navios. Mas ao não ser específico em suas ordens, Churchill permitiu que Milne as interpretasse ao sabor do que vivia no momento. Depois que Corbett contestou o caso, Milne solicitou permissão ao Almirantado para reabri-lo, o que lhe foi negado. Em 1921, escreveu “The Flight of the Goeben and Breslau”, na tentativa de limpar seu nome. Morreu em Londres, a 5 de julho de 1938.
Curiosamente, o subordinado de Milne, Almirante Troubridge, apesar de ter enfrentado um conselho de guerra, ainda viu luta na I Guerra, ao contrário do seu chefe. Pelos mesmos motivos, Troubdrige foi prevenido pelo Almirantado para que não se envolvesse em combate contra “forças superiores.” E as ordens transmitidas por Milne deixavam claro que o principal objetivo do 1º Esquadrão de Cruzadores era proteger os comboios franceses.
A partir de suas experiências na Guerra Russo-Japonesa, quando acompanhou os combates ao lado dos japoneses na Batalha de Chemulpo Bay, Coréia (9 de fevereiro de 1904), Troubridge sabia que as armas do Goeben poderiam devastar seus navios. Por isso, reluta em fustigá-lo mas por fim decide faze-lo. Neste momento seu flag captain Fawcet Wray (1873-1932) o convence a não se engajar. Em lágrimas, Troubridge ordenou que a perseguição seja abandonada, ouvindo de Wray: “Senhor, esta é a coisa mais corajosa que o senhor já fez.”
Em setembro, ele volta a Grã-Bretanha e enfrenta a corte marcial “em razão da sua incapacidade de enfrentar o inimigo”. Inocentado por falta de evidências é “plena e honrosamente absolvido.” Não recebe outro comando no mar, mas chefia a missão naval britânica na Sérvia comandando monitores fluviais e, como vice-almirante em 1916, chega à Salônica, onde auxilia a reestruturação das forças sérvias na região. Troubridge volta à Grã-Bretanha no início de 1919 e em 28 de janeiro de 1926, morre em Biarritz, na França.
Dois anos antes da morte de Troubridge, a França perdia seu único oficial envolvido na questão dos cruzadores. O Almirante Boué de Lapeyrère tivera uma carreira notável até então. Forte defensor de uma ampla reforma naval, com ênfase nos navios de grande porte, Boué de Lapeyrère era considerado o Jackie Fischer da Marinha Francesa. Até 1914, sua ficha de combate exibia uma atuação destacada na Guerra Sino-Francesa, especialmente na Batalha de Fuzhou (23-26 de agosto de 1884).
Quando foi destacado para comandar as forças navais aliadas no Mediterrâneo, imaginava-se que ocorreriam confrontos vigorosos entre as marinhas francesas e britânicas contra as frotas austro-alemãs (com a italiana ainda pendente). No entanto, essas grandes batalhas não se materializaram, e os combates permaneceram limitados a ataques de submarinos e embarcações leves da Marinha Austro-Húngara.
Assim, coube a Boué de Lapeyrère apenas a proteção das vias para o transporte marítimo aliado. Ele foi muito criticado quando os alemães conseguiram fugir para os Dardanelos, mas o que selou sua carreira foi o afundamento do cruzador blindado francês Léon Gambetta, em Santa Maria di Leuca, na Apúlia, extremo sul do salto da bota italiana, pelo Capitão Georg Johannes Ritter von Trapp (1880-1947), comandante do submarino austríaco SM-U5, na noite de 27 de abril de 1915.
O navio afundou em dez minutos, matando 684 dos 821 homens a bordo, incluindo o Contra-Almirante Victor Baptistin Sénès (1857-1915), comandante da 2ª Divisão Ligeira. Boué de Lapeyrère foi demitido em 10 de outubro de 1915, sem qualquer explicação pública. Morreu na cidade de Pau, em 17 de fevereiro de 1924.
*José Antonio Mariano é jornalista, psicanalista, pesquisador e historiador militar amador.
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REFERÊNCIAS
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Cada vez melhor esse Blog ! Parabéns ao Autor e à equipe !
Muito obrigado Comandante! O Mariano realmente escreve muito bem, vou transmitir os parabéns a ele!
Obrigado Robinson…
O mérito é todo do Albert que administra o blog e seleciona os artigos. Muita coisa boa virá por aí ainda. Há vários artigos para serem publicados. Você vai gostar, tenho certeza!
Um abraço grande
Mariano