Por José Antonio Mariano*
Não deixe de ler a primeira parte desta história.
O GOEBEN DESBARATA REDE ESPIÃ
No dia 29 de outubro, o Capitão Richard Ackermann (1869- 1930), liderando um esquadrão formado pelos dois navios alemães mais o cruzador Hamidiye, parte para sua primeira missão de guerra, cabendo ao Goeben o bombardeio do grande porto de Sebastopol, e ao Breslau a destruição do porto de Novorossiysk, enquanto o cruzador turco atacaria Feodosia. Quatro torpedeiros acompanham os navios maiores: dois o Goeben e os dois restantes irão bombardear Odessa.
Às 7h00 do dia 29, os canhonaços do Goeben pegam os russos de surpresa, mas estes logo se recuperam e respondem de forma desorganizada. As peças de 150 mm do Goeben dão conta de um dos torpedeiros russos que navegam na sua direção (o HIRMS Gnevny consegue escapar). Pela primeira vez o Goeben é atingido. Um tiro de 254 mm atinge sua chaminé mas não explode.
Em Feodosia, prédios, armazéns e outras instalações são destruidas e em Novorossiysk o incêndio, que foi iniciado nos reservatórios de petróleo, espalha-se e devasta a cidade. Quatorze vapores russos são afundados. Na viagem de volta, o Goeben encontra e afunda o lança- minas russo HIRMS Pruth e captura o vapor SS Ida. Após o ataque, as declarações de guerra contra o Império Otomano foram apenas formalidades cumpridas pelas embaixadas da Rússia, França e Inglaterra.
Em terra, tropas turcas começam a se deslocar para a fronteira e o país, pobre em estradas e ferrovias, tem de movimentar homens e materiais pelo mar. O Goeben, protegendo os transportes ao longo da costa da Anatólia, entra pela primeira vez em combate contra os principais navios da frota russa. Ao tentar interceptar o comboio turco, os couraçados russos HIRMS Evstafi e HIRMS Rostislav abrem fogo contra o Goeben. Um projétil de 305 mm destrói uma das peças de 150 mm do cruzador alemão, penetra sua couraça e explode na terceira casamata.
Graças à presença de espírito de um tripulante que ouve a explosão e adivinha o que se passava em cima, o sistema de lençol d’água é acionado, e quando o fogo avança convés adentro, encontra o paiol de munição protegido pela água. O poder da explosão é tão forte que além de abrir um buraco de um metro no casco, deforma a coberta e as portas dos porões de carvão são arrancadas. Os couraçados russos também sofrem vários danos e, prudentemente, evitam perseguir o Goeben e o Breslau depois do combate.
Pelo restante do mês de novembro, o Goeben fica no estaleiro para os reparos necessários, voltando à ação somente no dia 10 de dezembro, quando bombardeia Batum, em apoio ao ataque do Exército Turco. No dia seguinte, quando ruma a Sebastopol, se detém próximo à costa da Criméia, onde “pesca” o cabo submarino russo e o corta, deixando o porto sem comunicação.
Em dezembro, os barcos continuam a operar. Dois dias antes do Natal de 1914, durante a escolta dos navios que levam carvão para o porto turco de Trebizonda, o Capitão Paul Kettner (1872-1959), comandante do Breslau, troca tiros com um couraçado inimigo e aprisiona, em seguida, o vapor russo Athos que carrega pedras para bloquear o porto turco de Zonguldak. No dia 25, o Goeben toca em uma mina russa que abre um rombo a bombordo. Os reparos se revelam problemáticos já que não existe na Turquia doca seca flutuante e nem material e ferramentas especializadas que têm de ser trazidas da Alemanha.
Mas mesmo fora de serviço no mar, o Goeben continua sendo uma dor de cabeça para os Aliados. Utilizando seu serviço de transmissão e recepção via rádio de bordo, os marujos do barco fazem um levantamento das emissoras clandestinas que existiam à volta do porto e conseguem descobrir várias delas. A rede de espionagem não é totalmente desmontada, mas sofre baixas contundentes. A implacável justiça turca prende e enforca vários espiões em praça pública. Após a razia, os postos restantes se tornam mais cautelosos, passando a emitir seus sinais em horários diferentes e a enviar mensagens curtas.
O Breslau abre 1915, saindo em patrulha com o Hamidiye em 27 de janeiro quando se depara com os cruzadores russos HIRMS Kagoul e HIRMS Pamyat Merkurya que iniciam a perseguição visando destruir a nave turca, mais lenta. O Capitão Rudolf Madlung (1874- 1936), substituto de Kettner, envia um pedido de ajuda ao Goeben, que mesmo não recuperado dos últimos danos, parte em auxílio. Espiões remanescentes da caçada alertam os russos, que rompem o contato.
Dois meses depois, a Rússia volta à carga, desta vez apoiando a incursão franco-britânica contra os fortes turcos nos Dardanelos. A reorganização feita pelos alemães faz os turcos colherem bons frutos e a frota aliada sofre perdas significativas. Mas quando as munições dos fortes estão prestes a esgotar, o Goeben, ainda mal recuperado dos reparos, parte em apoio e mais uma vez, alertada por espiões, a frota invasora desengaja.
O Goeben volta ao estaleiro e está totalmente recuperado quando uma incursão é planejada contra o porto de Nikolaiev. Seguindo o plano estabelecido, ele e seu par alemão atraem a atenção e o fogo de 6 couraçados, 2 cruzadores e 5 destróieres, enquanto o Hamidiye e o Mecidiye atacam os estaleiros, as oficinas e os galpões russos. Na ação de despistamento, os cruzadores alemães atacam e põem a pique os vapores de carga russos Wostotschnaya e Provident.
GALLIPOLI E A ARMADILHA RUSSA
Depois de mais de duas horas arrastando os russos para leste, o Goeben e o Breslau, agora sob o comando do Capitão Leberecht von Klitzing (1872-1945), desviam para o sul e aceleram deixando os maiores navios da esquadra russa – HIRMS Rotislav, HIRMS Evstafi, HIRMS Ioann Zlatoust e HIRMS Pantelimon – lentamente para trás; eles desistem da perseguição ao cair da noite.
Os destróieres, entretanto, continuam no encalço, e esperam que a noite os favoreça no ataque com torpedos que pretendem realizar. Sabem que precisam se coordenar e disparar o ataque antes das 23h00 porque quando a lua aparecer suas silhuetas se tornarão visíveis. O que os comandantes russos não imaginam é que suas comunicações são interceptadas pelo Goeben que fica sabendo da ação. À medida que os destróieres se aproximam dos cruzadores o sinal de rádio fica mais forte no Goeben.
Este recebe um rádio do Breslau e ambos combinam acender simultaneamente os holofotes sobre o inimigo. No mesmo instante, os destróieres russos disparam torpedos que passam rente a popa do Goeben. A um sinal, os cruzadores acendem seus projetores e o feixe de luz revela cinco pontos negros no horizonte. As naves russas, ofuscadas pela luz de mais de 4 mil velas dos barcos alemães, são alvos fáceis. Dois deles vão a pique e os demais fogem.
Pouco mais de um mês depois do fiasco franco-britânico nos Dardanelos (3 couraçados afundados, 3 couraçados e 2 cruzadores danificados, 700 mortos), tropas britânicas, australianas, neozelandesas e francesas desembarcam suas cinco divisões, em 25 de abril de 1915, na península de Gallipoli, com vistas a tomar Constantinopla. Em apoio aos desembarques, forças navais russas bombardeiam os fortes que guardam os estreitos turcos. No dia 27, o Goeben e o Turgut Reis se juntam ao fogo das fortificações disparando contra a frota invasora.
Balões de observação ingleses erguidos sobre os céus da região acusam a posição do Goeben e dirigem o fogo de 380 mm do couraçado HMS Queen Elizabeth. O Goeben se desloca para fugir aos tiros e repete a manobra no dia 30 quando o couraçado HMS Lord Nelson tenta atingi-lo.
Além de combater no mar, guarnições do Goeben e do Breslau, armadas com metralhadoras, são destacadas para combates nos fortes. Mais ajuda é provida com a remoção de algumas peças de 150 mm que são enviadas ao front para funcionar como artilharia de campo. Neste momento, chegam os submarinos alemães e a esquadra russa do Mar Negro sofre grandes perdas no verão de 1915.
Embora os combates em Gallipoli prossigam até 9 de janeiro do ano seguinte, é inegável que a posição dos aliados na Turquia é delicadíssima. Até então, o tributo em vidas cobrado aos alemães está bastante suportável. Mas isso mudaria em 9 de maio, um dos mais tensos e difíceis para os Souchon e seus homens. Naquela manhã, um submarino russo afundara um vapor turco carregado de carvão que saíra do porto de Zonguldak.
No mesmo dia, enquanto o Goeben, mais uma vez, protegia o transporte de tropas, o cruzador Kagoul chegou até a entrada do porto, após a partida do comboio, e lançou botes ao mar na tentativa de desembarcar uma guarnição que tinha por missão destruir as instalações em terra. Alertado pelo rádio, imediatamente o Goeben se dirige ao local, mas o russo é mais rápido e foge antes de ser avistado. Ao retornar a baia de Istinye, no Bósforo, já próximo do amanhecer, o Goeben é alertado de que toda a esquadra russa se encontra à frente do seu curso na entrada do estreito.
O Capitão Ackermann percebe então que caíra numa armadilha, num ardil muito similar ao que aplicara aos russos em março. No total, os russos destacam 17 navios. Quando o Goeben recebe o alerta na noite anterior, estava carregando seus depósitos de carvão e teve que interromper o processo, o que o deixava com a quantidade insuficiente para sustentar as manobras e perseguição típicas de um combate naval. Era a situação mais crítica vivida até então por Ackermann.
Já é 10 de maio quando o Goeben inicia a luta. Aos primeiros poderosos disparos de sua artilharia principal, os cruzadores russos buscam proteção por trás dos couraçados. A 14 quilômetros de distância, o alemão tenta atingir os couraçados, numa tentativa de fazê-los recuar até o Bósforo onde estariam ao alcance dos canhões dos fortes turco. As belonaves russas, entretanto, sustentam suas posições.
Uma saraivada do Goeben atinge o HIRMS Tri Sviatitella, que interrompe o combate e se afasta coberto de fumaça, procurando abrigo. Há 50 minutos que o Goeben combate o grosso da frota russa, tentando furar o bloqueio, quando um segundo couraçado russo, o HIRMS Ioann Zlatoust abandona sua posição depois de ser duramente atingido na ponte. O Goeben também é atingido por dois projéteis inimigos de 305 mm.
O primeiro atravessa o convés superior e explode danificando a segunda e a terceira cobertas. Enormes estilhaços destroem a cantina da tripulação e um deles se aloja na base giratória da torre da frente e a torna inoperante. O segundo projétil destrói a quarta casamata, a bombordo, e é retido na rede antitorpedos que estava enrolada. A concussão da explosão arranca uma peça de 150 mm de sua base, que cai para o lado, matando 13 homens imediatamente e ferindo outros três.
UM JOVEM CHAMADO KARL DÖNITZ
Embora mais bem armado que a maioria dos navios russos, o Goeben não tem como suportar o volume de fogo conjunto despendido pela frota inimiga. Pensando nisso, Ackermann lança mão do fator que decididamente o coloca em posição superior em relação aos russos: a velocidade. Ele vira a proa do navio para nordeste na direção de Sebastopol. A intenção inicial é atrair a esquadra russa para longe do Bósforo, depois desviar para a direita ou esquerda e voltar.
À velocidade moderada o Goeben atrai a frota russa. Os russos não intuem a manobra dos alemães e se precipitam na perseguição, sem deixar nenhuma reserva próximo à costa turca. Duas horas depois, Ackermann guina a bombordo e um estremecimento acomete o barco que parece ter batido em algo. Mais tarde, registros dão conta de que o cruzador abalroou um submarino russo que estava nas imediações – não se sabe se patrulhando a área ou perseguindo o Goeben.
De qualquer modo, valendo-se de toda potência fornecida por suas mais de 20 caldeiras, o barco alemão acelera e deixa, mais uma vez, o inimigo para trás. A chegada do Goeben ao porto de Istinye é motivo de grande júbilo popular. As pessoas, de joelhos, agradeciam a Allah por ter preservado o seu Yavuz.
Junho e julho haviam sido meses especialmente difíceis para os russos, com a perda de dois couraçados, vários destróieres, torpedeiros e submarinos. Por conta disso, Moscou restringe suas operações, aguardando a chegada de dois novos couraçados: o HIRMS Imperatritsa Maryia (23.400 toneladas, 12 canhões de 305 mm, 20 de 130 mm, 4 metralhadoras antiaéreas, 2 reparos de torpedos de 450 mm), comissionado no dia 10 de julho, e o HIRMS Imperatritsa Ekaterina Velikaya (24.600 toneladas, 12 canhões de 305 mm, 18 de 130 mm, 3 antiaéreos de 75 mm, 4 reparos de torpedos de 450 mm), que seria lançado oficialmente em 18 de outubro, mas que já estava no mar no meio do ano.
Para os alemães, julho também não foi dos melhores. O Goeben e o Breslau retomam a missão de escolta dos cargueiros turcos aos portos da Anatólia. No dia 18 de julho, o Breslau, ao acompanhar o transporte de carvão de Zonguldak para porto de Istinye, bate em uma mina. Seiscentas toneladas de água invadem seus porões, mata oito tripulantes e o coloca fora de ação por vários meses.
O Goeben toma seu lugar e em 10 de agosto, ao comboiar cinco transportes, junto com o Hamidiye e três torpedeiros, é atacado pelo submarino HIRMS Tyulen, que afunda um dos carvoeiros. No dia 11, o Tyulen volta à carga e tenta atacar o Goeben sem sucesso.
As missões de escolta de carvoeiros eram importantíssimas para manter a máquina naval turca em movimento. Além disso, continuavam as missões de escolta de navios de transporte e suprimentos.
Cumprindo essa tarefa em 3 de abril de 1916, após um longo período inativo, o Breslau, agora comandado pelo Capitão Wolfram von Knorr (1880-1940), que substituía Madlung, deve levar tropas para Trebizonda e bombardear posições russas no nordeste da Anatólia em apoio ao contra-ataque turco.
Depois de desembarcar 107 homens, 5 mil rifles e 794 caixas de munição, a embarcação se encontra com o submarino alemão U-33, do Capitão Konrad Gansser (1882-1937), e passa a atacar as forças russas. Tão logo afunda um mercante e um veleiro russos e bombardeia a região prevista, vira para oeste, seguindo a costa da Anatólia em direção ao porto. Ao amanhecer do dia 4, avista uma formação.
A grande nuvem de fumaça que os navios avistados lançam no ar não indica quais barcos são e em que direção seguem. Diminuindo a distância, von Knorr logo percebe que está prestes a se envolver num combate ao qual provavelmente não tem condições de se opor. O esquadrão russo é formado pelo couraçado Imperatritsa Ekaterina Velikaya, pelo cruzador Kagoul e três destróieres de último tipo, que tem velocidade similar aos novos couraçados.
Von Knorr já perdeu a chance de colocar uma boa distância entre ele e os navios inimigos quando não conseguiu distinguir imediatamente o perigo que se avizinhava. Ao invés, portanto, de partir a toda para o litoral turco, vira na direção norte, contra o fundo escuro da costa, e rumo às bases russas na Criméia. Com velocidade contida, mas pronto para dar o máximo quando assim fosse solicitado, a tripulação reteve a respiração ao ver os russos passarem a apenas 8 quilômetros de sua popa, seguindo em direção leste e aparentemente sem ter avistado o cruzador.
Mas então um dos destróieres vira em sua direção, seguido logo depois pelo resto do grupo russo. O Ekaterina, sem ter certeza de quem ou o que vai a frente, emite então um sinal de reconhecimento com o sinalizador. Von Knorr instrui então ao seu oficial de sinais, um promissor subtenente chamado Karl Dönitz (1891-1980), para repetir a mensagem recebida. Os russos caem na artimanha e seguem sua rota, enquanto o Breslau reduz a sua velocidade até que abre uma boa distância de mais de 16 quilômetros.
Tudo parecia transcorrer bem até que Von Knorr, numa atitude temerária, ordena a Dönitz que envie uma mensagem desejando bom regresso aos russos, ao fim da qual, o futuro e fugaz presidente da Alemanha acrescenta um palavrão. Os russos respondem com petardos de 305 mm que passam sobre o navio, que arranca a toda velocidade abrindo mais de 50 quilômetros da frota inimiga.
SOUCHON VOLTA À ALEMANHA
Como os dois principais meios de combate e proteção de comboios dos turcos, os navios alemães são exaustivamente utilizados, o que preocupa Souchon já que os novos barcos da Frota do Mar Negro da Marinha Imperial Russa se insinuam cada vez mais, buscando o combate. À medida que a degradação do material alemão ocorre, a renovação da frota russa se expande. E é com um dos novos gigantes russos que o Goeben se encontra em setembro de 1916, quando quase é atingido por um colosso de 305 mm disparado pelo couraçado Imperatritsa Maria que acaba de entrar em serviço.
A distância de 24 quilômetros entre as naves é vantajosa para o russo pois não permite o devido revide do Goeben, cujos petardos não possuem tal alcance. O Capitão Ackermann chama um bombardeiro para auxiliá-lo, mas o avião demora mais de três horas para chegar e quando chega apresenta problemas mecânicos, amerissa e precisa ser auxiliado pelo cruzador que para isso, arrisca ser atingido pelo couraçado. Após duas horas de perseguição, o couraçado russo desiste da caçada. Alguns dias mais tarde o Breslau também tem um encontro com o gigante e por pouco não é atingido, tendo que fugir a toda velocidade.
Neste período, o Breslau tem reforçada sua artilharia com a substituição de duas peças de 105 mm por outras de 150 mm, o que o torna um adversário perigoso até para os couraçados inimigos. Ao Breslau também cabe a tarefa de lançar minas à entrada do estreito de Kertch para obstruir a comunicação com o Mar de Azov. Nessas missões, os barcos alemães experimentam várias vezes o clima instável do Mar Negro. O Goeben quase foi a pique ao enfrentar uma tempestade, tendo acusado vários danos.
De qualquer modo, setembro e outubro encontram os alemães cumprindo as missões perigosas de sempre. Em 14 de novembro, o submarino HMIRS Morzh quase consegue colocar dois torpedos no costado do Goeben. Alarmado, Souchon decide que o risco para o cruzador de batalha é muito grande e suspende o sistema de comboios carvoeiros e mesmo o transporte de tropas e equipamentos.
Em seu lugar, decide que apenas navios suficientemente rápidos para fazer a viagem de Zonguldak a Constantinopla em uma única noite seriam utilizados. Destaca também um esquadrão de torpedeiros a fim de patrulhar as águas do Bósforo na tentativa de dissuadir a incursão de submarinos inimigos, que estão se tornando cada vez mais ousados.
Três anos de guerra já pesam sobre os desgastados navios alemães e sua tripulação. A 4 de fevereiro de 1917, o Goeben e o Breslau são chamados a apoiar contra-ataques turcos empreendidos diante dos significativos avanços registrados pelos Exército Russo. Sob sua coberta transportam para Trebizonda 429 soldados com artilharia de campanha, 1.000 fuzis e 300 caixas de munição.
No dia 4 de março os russos desembarcam um destacamento de 2.100 homens com artilharia e cavalos no outro lado do porto de Atina. Os turcos, pegos de surpresa, evacuam a área. Reforços são enviados em junho e desembarcam no porto de Kavata, onde os turcos conseguem penetrar cerca de 30 quilômetros nas linhas russas. Durante todas estas operações o Goeben e o Breslau apoiam as ações bombardeando posições inimigas.
Entretanto, o fim da guerra para os russos está chegando. Com a abdicação do czar Nicolau II, é uma questão de tempo para a revolução comunista ganhar força e tirar a Rússia da guerra. Mas antes que isso ocorra, o Goeben bombardeia Tuapse a 4 de julho e ataca novamente Sebastopol. Quando o Goeben volta ao Bósforo, é colocado em doca para reparos em sua hélice, ficando no estaleiro até setembro.
Também após três anos de lutas constantes em águas turcas, a 4 de setembro de 1917, o Almirante Souchon é chamado de volta à Alemanha. Desde sua partida dos portos de Jaffa e Haifa, passando por Pola, pelos portos italianos, o negaceio italiano para o fornecimento de carvão, o bombardeio dos portos argelinos, a negociação com os italianos, a fuga espetacular para os Dardanelos, deixando uma Grã-Bretanha perplexa e algo envergonhada, poucos oficiais atuaram de forma tão estratégica como ele.
Ao colocar seus navios a serviço dos turcos, manteve a Esquadra Russa em xeque no Mar Negro, impediu seu acesso ao Mediterrâneo onde sua liberdade de ação evitaria o desdobramento de forças ocidentais no Oriente Médio, com consequente fortalecimento de tropas e equipamentos na França. Ao se despedir dos seus nem sempre compreendidos aliados turcos, de seus homens e de seus valiosos navios, Souchon leva consigo as insígnias do posto de vice-almirante e a cobiçada medalha Pour le Mérite, com as quais foi galardoado em 29 de outubro de 1916.
Parte de Constantinopla para assumir o comando do 4º Esquadrão de Couraçados da Hochseeflotte (Frota de Alto Mar) composto pelos dreadnoughts SMS Friedrich der Grosse, SMS Kaiserin, SMS Prinzregent Luitpold e SMS König Albert, destacado para apoiar a Operação Albion, a invasão e ocupação do arquipélago da Estônia Ocidental, parte da Província Autônoma da Estônia, República Russa, prevista para setembro daquele ano.
A BATALHA DE IMBROS
Quando a revolução russa estoura de vez no antigo Império do czar, Lênin trata imediatamente de pôr fim à participação do país na guerra e assina um armistício com a Turquia. A interrupção das hostilidades turco-russas permite à Constantinopla retomar o acesso às minas de carvão, produto do qual estava carente e que colaborou para que os navios alemães permanecessem em seus portos até o final de 1917.
Os veteranos navios agora estão sob o comando do Vice-Almirante Hubert von Rebeur-Paschwitz (1863-1933). Ex-adido militar em Washington, em 1899, Rebeur Paschwitz logo trata de estabelecer planos, em conjunto com o Alto Comando Turco, sobre como melhor utilizar a frota para apoiar o esforço de guerra cujo foco migra do Mar Negro para o Oriente Médio.
O novo almirante pretende bloquear os transportes de tropas britânicas do General (mais tarde Marechal) Edmund Henry Hynman Allenby (1861-1936), que ataca as posições turcas na Palestina. Reuber-Paschwitz adota uma abordagem indireta e sugere um ataque ao porto grego de Salônica, distante 190 quilômetros do Bósforo, no intuito de atrair as tropas britânicas e aliviar a frente palestina. O plano ganha ainda mais importância depois que Allenby entra em Jerusalém em 11 de dezembro.
Para Reuber-Paschwitz, um ataque naval ajudaria a restabelecer o moral combativo turco. O plano concebido pelo almirante alemão inclui patrulhas aéreas e marítimas para detecção de águas minadas. Num primeiro estágio, os alvos seriam as forças de alerta e observação ao longo dos Dardanelos, na saída para o Mediterrâneo, constituída pelos esquadrões de destróieres inimigos. Findo esse estágio, os navios partiriam para o bombardeio das ilhas de Imbros, Lemnos e Tenedos.
A 18 de janeiro de 1918, os navios partem para com suas escoltas turcas. Reuber-Paschwitz está satisfeito com o plano, mas mesmo assim resolve modificar alguns detalhes a partir de um mapa capturado às tropas aliadas em Gallipoli pelos homens do General Otto Viktor Karl Liman von Sanders (1855-1929), comandante do Exército Turco em 1918, durante as campanhas do Sinai e da Palestina.
Aparentemente, o mapa indica as áreas onde estão minas marítimas lançadas durante a fracassada operação nas praias turcas. Com base nesse mapa, Reuber- Paschwitz refaz o curso de entrada das belonaves no Mediterrâneo.
Desta forma o Goeben emerge dos Dardanelos poucos minutos atrás do Breslau. São 5h10 da manhã, quando o cruzador de batalha toca em uma mina. O navio para sua marcha e examina as avarias. Um paiol contendo 65 toneladas de carvão na linha de flutuação foi inundado, porém absorveu o choque.
Apesar da avaria é dada a ordem para prosseguir com o ataque. Ao mesmo tempo, o Breslau vira para nordeste a fim de atacar os navios inimigos ancorados na baía de Kusu. Vai começar, a 20 de janeiro, a batalha de Imbros.
2º Esquadrão da Esquadra do Egeu da Royal Navy, 20 de janeiro de 1918
O 2º Esquadrão é apenas um dos sete que compunham a Esquadra do Egeu. Ainda que conte com apenas dois couraçados – o HMS Lord Nelson, nau-capitânia, e o HMS Agamemnon (ambos da classe Lord Nelson) – a frota reúne 36 navios entre cruzadores, destróieres, monitores e lança-minas, distribuídos entre o Esquadrão Principal, o 1º Esquadrão (Egeu Sul), o 2º (Dardanelos), o 3º (Salônica), o 5º Egeu Central, o 6º (Costa Búlgara) e o de Smirna. Conta ainda com destacamentos de 8 navios em Milos (Grécia), 4 em Alexandria (Egito) e 3 em Brindisi (Itália).
Cinco barcos estão em reparos e outros 14 em reequipagem em Malta, Gênova (Itália) e Gibraltar. Trata-se de uma força considerável, bastante robustecida pelo fim dos principais embates navais no Atlântico, que liberou grossa porção de belonaves britânicas para que agissem em outros fronts. No Oriente Médio, o objetivo é derrotar de vez a Turquia e para isso é necessário destruir o Goeben e o Breslau, navios que ainda incomodam sobremaneira a Royal Navy que não esquece a afronta de 1914.
E no comando da frota britânica há um oficial que não participara da caçada aos navios alemães, mas experimentou o desconforto de ficar sob a mira dos canhões dos fortes turcos – remontados, reequipados e com pessoal retreinado pelos alemães – nos Dardanelos em 1915.
O Contra- Almirante Arthur Hayes-Sadler (1865- 1952) volta a combater a Turquia três anos depois de ter tido o seu couraçado classe Canopus, o HMS Ocean, afundado por minas e petardos disparados pelos fortes turcos.
Agora, em janeiro de 1918 tem a chance de devolver o golpe de 1915, mas as coisas começam mal para os britânicos quando o Breslau surpreende o monitor HMS Raglan assestando dois projéteis de 150 mm em sua sala de máquinas, cortando sua energia e paralisando suas comunicações.
Antes que o barco britânico possa agir, outro tiro penetra a coberta e explode próximo aos sacos de pólvora. O Goeben se junta ao irmão e canhoneia o Raglan explodindo suas munições estocadas.
O monitor começa a afundar de frente, o que por consequência acaba extinguindo o incêndio, prevenindo novas explosões. Ainda assim, o barco britânico afunda levando 127 vidas.
Tão logo dá cabo do Raglan, os canhões do Breslau miram o HMS M-28 e o afundam com uma única salva. Atento aos navios inimigos, os homens do Breslau observam a chegada dos destróieres – o HMS Lizard e HMS Tigress – que logo percebem que não são páreo para as armas do barco alemão e se afastam ziguezagueando pelas águas do Egeu.
Os britânicos ainda tentam enquadrar o inimigo chamando à ação o esquadrão do RNAS – Royal Naval Air Service, baseado em Imbros, que pouco faz para ameaçar o cruzador alemão.
Continua na Parte III
*José Antonio Mariano é jornalista, psicanalista, pesquisador e historiador militar amador.
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