Por Hélio Higuchi* |
Numa rápida visita às Ilhas Falklands, reminiscências de uma não tão longínqua guerra.
Já se passaram 34 anos1 desde a Guerra das Falklands (Malvinas), mas tanto para os argentinos como para os britânicos, a memória do conflito permanece viva. Do lado argentino, enquanto insistem em tratativas diplomáticas e motes patrióticos, quem visita Ushuaia, a cidade mais austral da América do Sul, depara-se com um grande mural com os dizeres “Ushuaia – Capital das Malvinas”. Na entrada de seu movimentado porto um outdoor diz:
“Proibido atracar navios piratas ingleses”!!!
Existe apenas um voo comercial com frequência semanal ligando o arquipélago ao continente sul-americano pelo Chile via Punta Arenas e três voos semanais ligando-o a Europa, encarecendo e dificultando o abastecimento apesar de separados por apenas 500 km de distancia da costa argentina.
Com uma população de menos de três mil habitantes (chamados de “kelpers”), em sua grande maioria concentrados na minúscula capital Port Stanley, vive principalmente da exportação de lã, pescado, reparos de navios e turismo. Devido a baixa frequência de aviões comerciais, são poucos os turistas que vêm por via aérea. O único hotel de Port Stanley curiosamente se chama “Malvina House Hotel” e os kelpers se apressam em esclarecer que a fundadora do hotel se chamava Malvina!
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Entretanto, durante o verão as ilhas são frequentadas por cruzeiros de turismo. Quando estes navios lá chegam, desembarcando seus passageiros e parte da tripulação, a população das Falklands literalmente duplica. A pacata Port Stanley que nos dias normais é um típico vilarejo britânico se torna efervescente com o vai e vem de ônibus, vans e veículos 4×4 para levar os turistas a conhecer reservas naturais de pinguins e fazendas de ovelhas. Lojas de souvenires e pubs ficam lotados, em nada lembrando o outono de 1982, quando tropas argentinas invadiram a cidade. Mesmo assim, uma das principais atrações é um monumento em homenagem aos mortos nesta guerra. Ao lado do monumento, um busto da primeira ministra Margareth Thatcher, a grande heroína responsável pela retomada das ilhas.
O turista quando entra numa loja de souvenires, além dos itens usuais, encontra também inúmeras publicações sobre a guerra, desde livros técnicos até memórias de veteranos ingleses.
É possível visitar alguns sítios onde ocorreram combates nas Falklands, mas não é um tipo de passeio muito divulgado aos turistas. Além da pouca procura, o acesso a estes lugares é dificultado pela precariedade das poucas estradas existentes e picadas abertas sobre um solo vulcânico fofo e cheio de rochas que somente veículos 4×4 conseguem transpor. Além disso ainda permanecem grandes áreas de campos minados, que matam ovelhas e ferem os habitantes mesmo nos dias de hoje. Segundo os moradores somente 40% das áreas foram liberadas através de varreduras. A dificuldade na realização da tarefa em parte é devida ao despreparo das tropas argentinas que encarregaram inexperientes conscritos para plantar as minas. Além da falta de precisão dos mapas dos campos minados, muitos foram enterrados de forma inadequada dificultando o serviço de varredura. Atualmente o governo britânico tem contratado uma empresa do Zimbabwe, especializada na atividade, que atua somente no verão quando o clima das ilhas é favorável.
GALERIA DE FOTOS DA VIAGEM DE HÉLIO HIGUCHI ÀS ILHAS
Não é preciso ir muito longe da capital para encontrar os primeiros indícios da guerra, como por exemplo em Wireless Ridge, Moody Brook e Moody Valley, palcos das mais acirradas batalhas às vésperas da reconquista de Port Stanley onde tanto os ingleses como, desta vez, também os argentinos combateram com tropas regulares. É possível também chegar perto de Mount Kent, onde os argentinos instalaram sua artilharia para conter as tropas e a aviação britânica. Hoje o Mount Kent, devido a sua localização estratégica, conta com uma das principais estações de radar do arquipélago.
Assista ao Vídeo 861 do CANAL ARTE DA GUERRA: |
O solo das Falklands é macio, fácil de atolar e repleto de formações rochosas resultado de duas glaciações. A total inexistência de árvores nativas nas ilhas e ventos gélidos mesmo durante o verão, nos dá uma compreensão das dificuldades que as tropas argentinas tiveram para cavar trincheiras para enfrentar os britânicos.
Perto do sopé de Mount Kent é possível visualizar destroços de dois helicópteros argentinos, um Boeing Vertol Chinook e um Puma, além de restos de trincheiras argentinas feito de pequenas rochas, entretanto não recomendam que nos aproximemos muito.
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Quem for visitar o cemitério de Port Stanley encontrará túmulos de tropas argentinas, todos eles lá enterrados como soldados desconhecidos. Na verdade os conscritos argentinos sequer portavam placa de identificação (dogtags), não sendo possível portanto o reconhecimento.
Se para a Argentina é um velho objetivo conquistar as Ilhas Falklands, para os britânicos manter este distante arquipélago é uma tarefa custosa. Nada menos do que 120£ milhões por ano são gastos para manter uma guarnição militar, uma esquadrilha com quatro Eurofighter Typhoon, um barco-patrulha, o HMS Clyde (P257) além de dois submarinos nucleares na região. Pode-se ouvir com frequência um par de Typhoon rasgando os céus do arquipélago, voando mais baixo do que regularmente fazem no Reino Unido, pois lá sofrem restrições para este tipo de voo. Ao perguntar aos kelpers se o barulho não incomoda os animais, eles respondem orgulhosos que este é “o som da liberdade”!!!
1 Este texto foi escrito em 2016 e publicado originalmente na revista Tecnologia & Defesa.
*Hélio Higuchi é graduado em Arquitetura e Urbanismo pela USP, pós-graduado em Administração e Marketing pela FAE Business School e apaixonado por História Militar especialmente da América Latina. Pesquisador meticuloso, é autor de “A Serviço do Generalíssimo”, sobre a atuação de pilotos brasileiros na República Dominicana e “M4 Sherman no Brasil”, este em coautoria com Paulo Bastos. Esta parceria resultou também no recente lançamento de “Cuba Tanques & AFV 1942-2019”, trabalho que o levou a Cuba para pesquisa e coleta de material. Hélio já publicou em diversos veículos especializados e é colaborador do Canal Arte da Guerra e Tecnologia & Defesa.
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Ótimas, a ilha é bem bonitinha. Existem vários livros interessantes sobre a Guerra das Falklands. O melhor livro sobre as forças argentinas foi publicado pela Osprey em 1992, Argentine Forces in the Falklands.
Existe também a trilogia Battle for the Falklands, separando as campanhas aéreas, navais e terrestres; além de um mais genérico da série Campaign lidando com a campanha terrestre, The Falklands 1982 (2012).
Um pouco mais técnico é o livro de capa dura (basicamente uma enciclopédia) chamado “Falklands War Operations Manual: April to June 1982”, da Haynes.
O autor do livro “Logistics in the Falklands War: A Case Study in Expeditionary Warfare”, Major General Kenneth L. Privratsky, tem um seminário no Youtube com o título “Falklands 1982: Challenges in Expeditionary Warfare”.
E sobre o Hélio Higuchi, ele também é um co-autor do livro “O Stuart no Brasil”.