Por Cel Cav Paulo Roberto da Silva Gomes Filho* |
No último dia 14, uma operação militar teve como alvo duas plantas petrolíferas da Arábia Saudita. Os ataques às instalações da estatal Saudi-Aramco, maior empresa de petróleo do mundo, realizados por intermédio de drones carregados com explosivos, resultaram numa diminuição da produção de petróleo em 5,7 milhões de barris por dia, o que corresponde a cerca de 50% do total produzido pela Arábia Saudita e cerca de 5% da produção mundial. Os reflexos foram imediatos: o maior aumento de preços de petróleo em níveis percentuais desde a Guerra do Golfo e o temor de uma nova guerra no Oriente Médio.
Os ataques foram imediatamente assumidos pela milícia Houthi, do Iêmen. Trata-se de um grupo insurgente Xiita, patrocinado pelo Irã, que trava, desde 2015, uma guerra civil contra o governo Iemenita, este por sua vez apoiado pela Arábia Saudita. Entretanto, o governo Saudita acusa diretamente o Irã pelo ataque.
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O episódio eleva ainda mais as tensões no Golfo Pérsico. Apesar de negar a autoria do atentado, outras ações do Irã, como a derrubada de uma aeronave remotamente pilotada norte-americana, os ataques a petroleiros sauditas e a apreensão de um petroleiro inglês no estreito de Ormuz, testam os limites de árabes e norte-americanos. Dessa forma, os iranianos adotam uma estratégia arriscada, mas certamente bem planejada.
Esta estratégia parece ser escalar a crise até o limite máximo, “esticar a corda” para obrigar seus adversários a negociarem. O Irã está sob severas restrições econômicas, impostas pelos embargos determinados pelos EUA. Estima-se que o PIB do país irá retrair 9% em 2019. Emparedados, os iranianos parecem não ver alternativa a não ser partir para a ofensiva. Tentam transmitir ao mundo a mensagem de que, se por força dos embargos eles não podem exportar seu petróleo, então eles atrapalharão ao máximo as vendas dos outros países da região. Ao provocar um aumento exponencial nos preços de petróleo e gás, causando o máximo distúrbio à economia global, calculam que obrigarão os EUA a negociar. Dessa forma esperam obter um levantamento, ao menos parcial, das sanções.
Logicamente, esse cálculo pressupõe a arriscada aposta de que os EUA e a Arábia Saudita não irão reagir militarmente. É provável que os iranianos tenham considerado que o presidente Trump não estaria disposto a arcar com os custos econômicos, políticos e sociais de uma guerra.
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Além disso, a geografia é uma grande aliada na defesa do país. O Irã é maior que o Reino Unido, França e Alemanha juntos. O país tem suas fronteiras protegidas por enormes cordilheiras: a oeste está a de Zagros, que se estende por quase 1.500 Km, desde a fronteira com a Turquia até quase alcançar o Estreito de Ormuz. Ao norte, ao longo de toda a fronteira, desde a Armênia até o Turcomenistão, e daí para o sul nos limites com o Afeganistão, estão as elevações da cordilheira Elburz. Ao sul, o Irã é banhado pelo Golfo Pérsico e controla o estratégico Estreito de Ormuz. Com essa conformação geográfica, o país invasor é obrigado a escolher entre atacar pelas montanhas ou realizar uma operação anfíbia, quando se ataca com as forças vindas pelo mar. Nenhuma das opções é muito convidativa. Tanto é assim que os últimos a invadir o território iraniano foram os mongóis, no século XIII. De lá para cá, os iraquianos ficaram presos entre a montanha e o mar, sem sucesso na guerra Irã x Iraque, entre 1980 e 1988.
Quanto aos árabes, talvez a aposta iraniana em uma reação contida seja mais arriscada. O orgulho do país foi ferido. A Arábia Saudita investiu 83 bilhões de dólares em defesa no ano passado. A título de comparação, no mesmo período, a Rússia gastou US$ 45 bi e o Irã, US$ 20 bi. Se a conta for considerada per capita, é o país que mais gasta com defesa em todo o mundo: mais de dois mil dólares por habitante. Também lidera se o ranking for organizado por percentual do Produto Interno Bruto: 8,8% do PIB. E, apesar de possuir seis Grupos de Artilharia Antiaérea equipados com as modernas baterias MIM 104 Patriot, não foi capaz de impedir que, em apenas um ataque, drones causassem a interrupção de 50% de sua produção de petróleo.
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Além do aspecto acima, de caráter mais imediato, há outro aspecto de fundo, ainda mais relevante. O Irã e a Arábia Saudita representam, respectivamente, as lideranças das duas correntes mais importantes do islamismo: o xiismo e o sunismo. E ambos os países travam uma disputa pela liderança dos povos islâmicos no Oriente Médio. O Irã xiita tenta expandir sua influência, em especial em direção ao oeste, ou seja, em direção ao mundo árabe, predominantemente sunita. No Iraque pós Saddam Hussein, atualmente governado por xiitas, esta expansão vem sendo alcançada. Passar desse ponto é inadmissível aos árabes.
Há, ainda, a questão nuclear, razão dos embargos econômicos impostos pelos EUA. Em 2015, depois de uma ampla negociação, foi firmado um acordo nuclear entre o Irã e EUA, Rússia, China, Reino Unido, França e Alemanha. Àquela época o acordo levantava os embargos então existentes e o Irã se comprometia a submeter-se a severas restrições quanto ao desenvolvimento nuclear. No ano passado, o presidente Trump retirou os EUA unilateralmente do acordo, reimpondo as sanções. Este ano, em represália, o Irã declarou-se livre para voltar a enriquecer e estocar urânio nos níveis que melhor lhe conviesse. Um Irã detentor de armamento nuclear é impensável, tanto para árabes quanto para israelenses. Nesse aspecto o Irã sabe que há uma linha que ele não pode cruzar sem provocar uma guerra sem precedentes na região.
Esse é o imbróglio que aflige o Oriente Médio. Enquanto as grandes potências globais e os países da região forem capazes de manter o atual equilíbrio precário, a guerra será evitada. Depois disso, como ensinou Clausewitz, a política continuará, mas com a utilização de outros meios – as armas.
*Paulo Roberto da Silva Gomes Filho é coronel de cavalaria formado pela Academia Militar das Agulhas Negras em 1990. Foi instrutor da ECEME. Realizou o Curso de Estudos de Defesa e Estratégia na Universidade Nacional de Defesa, em Pequim, China, entre 2015 e 2016. E-mail: paulofilho.gomes@eb.mil.br
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