
O B-52 enfrenta uma dupla ameaça: vulnerabilidades cinéticas no campo de batalha moderno e a quebra futura de sua criptografia pós-quântica.
Introdução: Delineamento da Pesquisa
Acompanhando a proximidade de 17 de dezembro de 2025, quando o Brasil 1 entrará para o seleto grupo de países que operam lançamentos espaciais comerciais – data em que o foguete HANBIT-Nano será enviado ao espaço a partir do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), no Maranhão, na Operação Spaceward, liderada pela empresa sul-coreana Innospace, em coordenação com a Força Aérea Brasileira (FAB) e em parceria com a Agência Espacial Brasileira (AEB), propõe-se uma reflexão sobre o papel do uso dual da tecnologia aeroespacial e a preocupação paralela e complementar em desenvolver criptografia de comunicação pós-quântica, analisando a doutrina de emprego da Força Aeroespacial americana de aviação de longo alcance.
1 Lançamento do Brasil de foguete sul-coreano é remarcado. EBC, 21 de novembro de 2025. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/inovacao/audio/2025-11/lancamento-do-brasil-de-foguete-sul-coreano-e-remarcado.
Este artigo adota uma abordagem analítica descritiva exploratória para examinar as vulnerabilidades intrínsecas e contextuais do bombardeiro estratégico B-52H Stratofortress da Força Aérea dos EUA (USAF) no cenário de uma moderna guerra de alta intensidade, comparadas com a vulnerabilidade de quebra das comunicações criptografadas por tecnologias pós-quânticas, comprometendo a missão em todas as fases de execução.
A metodologia baseia-se na análise de dados técnicos históricos e das modernizações em curso, contrastando as capacidades da plataforma com as ameaças multidomínio contemporâneas, definidas pela Doutrina de Contenção Avançada do Pentágono e pelos conceitos Anti-Acesso/Negação de Área (A2/AD) de potências rivais.
O quadro teórico referencia a obsolescência tecnológica frente à evolução dos sistemas de defesa, utilizando como parâmetros atuais os desafios impostos por ambientes hipotéticos no Estágio de Guerra do Indo-Pacífico (USINDOPACOM) e os observados em conflitos recentes, como a guerra na Ucrânia, que demonstram a letalidade de sistemas integrados de defesa aérea e guerra eletrônica.
O objetivo é estruturar uma avaliação crítica da sustentabilidade operacional do B-52H além de 2050, identificando linhas de fratura entre sua longevidade legendária e os rigores do campo de batalha do século XXI.
Veremos que a longevidade operacional do B-52 Stratofortress, que desafia as previsões de obsolescência há mais de seis décadas, não é um mero acidente tecnológico, mas o resultado palpável de uma grande estratégia de capacitação nacional integrada e permanente. Como veremos em Góes e Araújo, em Pensando uma Grande Estratégia para as Atividades Espaciais no Brasil: A Criação de Núcleos Estratégicos, a verdadeira resiliência estratégica de uma nação não reside em plataformas isoladas, por mais impressionantes que sejam, mas na construção deliberada e contínua de um ecossistema de capacidades soberanas – um complexo entrelaçamento de doutrina, indústria, ciência, treinamento e infraestrutura que se adapta e evolui no tempo.
O bombardeiro americano é, assim, a ponta visível de um vasto iceberg que inclui logística aérea, guerra eletrônica, inteligência espacial e uma cadeia industrial de modernização. Analisar suas vulnerabilidades atuais, portanto, transcende a avaliação técnica de uma aeronave; oferece um modelo analítico crítico para compreender os sucessos e os riscos inerentes à manutenção de um sistema de defesa complexo diante de ameaças em constante mutação, iluminando os princípios de uma arquitetura estratégica que o Brasil pode mirar para seus próprios domínios críticos.
História da Aeronave
Concebido no ápice da Guerra Fria para assegurar a capacidade de retaliação nuclear global, o Boeing B-52 Stratofortress realizou seu primeiro voo em 1952 e entrou em serviço em 1955, como a espinha dorsal do Comando Aéreo Estratégico dos EUA. Sua história operacional é um testemunho de adaptação extrema: projetado originalmente para missões de bombardeio nuclear de alta altitude, sobreviveu à obsolescência planejada ao ser reinventado para bombardeio convencional de baixa altitude nos anos 1960 (evidenciado na Operação Linebacker II no Vietnã) e, posteriormente, como plataforma de lançamento de mísseis de cruzeiro. Dos 744 unidades produzidas, as 76 aeronaves da variante B-52H remanescentes, com idade média de 63 anos, carregam não apenas o legado de operações históricas como a Chrome Dome, mas também a missão de permanecerem viáveis além de 2050, um feito sem paralelo na aviação militar.
Missões operacionais principais:
Dissuasão Nuclear: Durante a Guerra Fria, realizou missões de alerta aerotransportado (Airborne Alert) 24/7, carregando armas nucleares, no âmbito da estratégia de Destruição Mútua Assegurada (MAD, Mutual Assured Destruction). Continua sendo parte da “Nuclear Triad” (tríade nuclear) dos EUA.
Bombardeio Convencional de Área: Guerra do Vietnã (Operações Rolling Thunder, Linebacker II): Lançou milhares de toneladas de bombas convencionais em alvos no Vietnã do Norte, Vietnã do Sul, Laos e Camboja.
Bombardeio de Precisão: A partir dos anos 1990, com a modernização (Pacer Plank, etc.) e integração de armas guiadas por GPS (JDAM), tornou-se uma plataforma de ataque de precisão. Isso foi maciçamente demonstrado na:
• Guerra do Golfo (1991): Lançou 40% das munições aéreas contra alvos iraquianos.
• Guerras do Afeganistão (2001-2021) e Iraque (2003-2011): Realizou missões de apoio aéreo aproximado (CAS, Close Air Support) e interdição, algo inimaginável para um bombardeiro pesado.
• Supressão de defesas aéreas (SEAD/DEAD): Capaz de lançar munições antirradiação (como a AGM-88 HARM) e mísseis de cruzeiro contra sistemas de defesa aérea.
• Patrulha e demonstração de força: Voos de presença estratégica em regiões de tensão, como a Península Coreana, Mar do Sul da China e Europa Oriental.
• Testes e desenvolvimento: Plataforma para teste de novas armas (mísseis hipersônicos, como o AGM-183A ARRW) e sensores.
Os planejadores americanos, como os da USAAF Air War Plans Division, criaram a Plano AWPD-1 (1941), que focava na destruição sistemática de setores industriais-chave, (ex.: fábricas de rolamentos, refinarias, usinas de energia) para paralisar a máquina de guerra alemã.
Isto posto, baseados na crença tecnológica, os EUA confiaram no bombardeiro pesado (B-17, B-24, B-29) equipado com sistemas de navegação e mira (como o Norden) para realizar ataques diurnos de “precisão” – ideia que a realidade da guerra (defesas aéreas, clima) forçou a adaptar para o bombardeio de área.
Porém, após a Segunda Guerra Mundial, a teoria evoluiu com a era nuclear. O bombardeiro (B-52, B-1, B-2) tornou-se, então, parte da Tríade Nuclear, completando a capacidade de ataque retaliatório maciço e dissuasão por garantia de destruição.
Daí o conceito de “Poder Aéreo Global”, no qual o bombardeiro passou a simbolizar a capacidade dos EUA de projetar poder em qualquer lugar do globo em horas, sem depender de bases no teatro de operações – uma ideia central da estratégia de “Air-Sea Battle” e, posteriormente, do “Joint All-Domain Command and Control (JADC2)”.
Ademais, tem-se que o B-52 não é mais um penetrador de defesas aéreas densas. Seu risco é real e gerenciado por uma mudança drástica de doutrina: de bombardeiro de penetração para um nó de ataque de longo alcance e lançador de arsenal em rede. Contra a China, seu valor está em poder operar a partir de bases seguras distantes (como o continente americano, em um conceito chamado “Rapid Dragon” para cargueiros) e lançar enxames de mísseis avançados que sobrecarreguem as defesas inimigas, enquanto sua própria sobrevivência depende da negação de um ataque hipersônico às suas instalações fixas.
Desafios da Engenharia de Projetos
Os engenheiros originais enfrentaram o desafio colossal de materializar uma especificação que exigia um bombardeiro intercontinental, capaz de carregar uma enorme carga bélica por mais de 8.000 milhas sem reabastecimento. A solução foi uma revolucionária asa enflechada de 185 pés de envergadura, de implantação alta, que proporcionava a eficiência aerodinâmica necessária para longos alcances. O projeto, no entanto, precisou superar problemas complexos de aeroelasticidade e flutter, exigindo uma rigorosa análise estrutural antes da era da computação avançada. O maior desafio contínuo para os engenheiros modernos é a integração de sistemas do século XXI em uma arquitetura do século XX, exigindo adaptações complexas para acomodar novas armas, radares, comunicações e contramedidas sem comprometer a integridade estrutural de uma célula cuja geometria fundamental é imutável.
Engenharia de Materiais
Na era de sua concepção, o B-52 empregou uma estrutura primária convencional de ligas de alumínio, como a série 2024 e 7075, escolhidas pela sua relação resistência-peso. A longevidade extraordinária da frota é, paradoxalmente, seu maior desafio em termos de ciência dos materiais. A USAF e a Boeing enfrentam, continuamente, a fadiga do metal após décadas de ciclos de pressurização e estresses em voo, o que exige programas contínuos de inspeção e reparo de fissuras.
A corrosão, especialmente em juntas e áreas sujeitas à umidade, é uma batalha perene. A modernização não substitui a estrutura principal, mas a adapta, soldando novos reforços e utilizando compostos mais modernos em superfícies de controle e carenagens.
A resistência dos materiais originais ao pulso eletromagnético (PEM) permanece uma vantagem única, mas a incapacidade de substituir amplamente a estrutura por compósitos avançados (como os usados no B-2 Spirit ou B-21 Raider) limita os ganhos de desempenho e furtividade.
Sistemas de Armas, Composição e Vulnerabilidades
O poder ofensivo do B-52H reside em sua versatilidade e maciça capacidade de carga, podendo transportar até 70.000 libras de armamentos em uma vasta baía interna e sob as asas. Seu arsenal moderno é centrado em armas de lançamento a distância (stand-off), incluindo o AGM-86B ALCM (nuclear), o AGM-158 JASSM (convencional, furtivo) e o futuro míssil hipersônico AGM-183A ARRW. Essa composição de “artilharia alada” é sua principal defesa, permitindo o engajamento sem a necessidade de penetrar defesas densas. No entanto, essa é também uma fonte de vulnerabilidades críticas: a aeronave deve sobreviver para lançar seus mísseis.
Sua grande assinatura de radar e infravermelha (oito motores) a torna detectável a centenas de quilômetros, tornando-a dependente de escolta e supressão de defesas aéreas (SEAD). A interface entre os sistemas de armas digitais modernos e a aviônica analógica da aeronave pode introduzir pontos únicos de falha. Em combate próximo, sua capacidade de autodefesa limita-se a um canhão de cauda M61 Vulcan de 20mm (removido em parte da frota) e pods de contramedidas eletrônicas, defesas inadequadas contra mísseis ar-ar modernos de longo alcance ou ameaças de superfície, como os mísseis S-400.
Criação da Força Espacial Americana e suas Bases de Operação
A United States Space Force (USSF) foi estabelecida em 20 de dezembro de 2019 como o sexto ramo independente das Forças Armadas dos EUA, mediante a promulgação da Lei de Autorização de Defesa Nacional para o ano fiscal de 2020. Sua criação, uma iniciativa-chave da administração Trump apoiada pelo Congresso, representou o reconhecimento histórico de que o domínio espacial é um ambiente operacional de guerra distinto e crítico para a segurança nacional, exigindo um serviço dedicado para organizar, treinar e equipar forças. Nascida a partir do Comando Espacial da Força Aérea (AFSPC), a USSF opera sob o Departamento da Força Aérea, de forma análoga ao Corpo de Fuzileiros Navais com a Marinha, e seu comandante-chefe é o Chefe de Operações Espaciais (CSO), que integra o Estado-Maior Conjunto.
Sua missão central é proteger os interesses dos EUA no espaço, garantir a liberdade de operação, e fornecer capacidades de suporte de combate decisivas para todas as demais forças, como comunicações por satélite, navegação GPS, alerta de mísseis e vigilância estratégica.
A Força Espacial opera a partir de uma rede global de bases, sendo seus principais centros de comando e controle: a Base da Força Espacial Peterson (Colorado, sede do Comando Espacial dos EUA (USSPACECOM) e do Comando de Sistemas Espaciais (SSC), a Base da Força Espacial de Vandenberg (Califórnia, principal local de lançamento espacial ocidental e centro de treinamento), a Base da Força Espacial de Patrick na Flórida, sede do Comando de Operações Espaciais (SpOC) e centro de lançamento oriental, e a Base da Força Aérea de Schriever no Colorado, centro crucial para operações de satélites e guerra eletrônica espacial.
Essas instalações formam a espinha dorsal terrestre a partir da qual a USSF monitora o ambiente espacial, conduz operações ciberespaciais e coordena lançamentos, garantindo a superioridade espacial necessária para as operações conjuntas modernas.
A Paradoxal Robustez Analógica: Vulnerabilidades em Ambientes de Guerra Eletrônica, Pós-Quântica e Cibernética Moderna
A decisão histórica de manter aviônica essencialmente analógica, inicialmente uma fortaleza contra Pulso Eletromagnético (PEM) nuclear, transforma-se em uma vulnerabilidade crítica na era da Guerra Eletrônica (EW, Electronic Warfare) avançada e da Guerra Cibernética. Enquanto plataformas como o F-35 Lightning II são concebidas com fuselagens furtivas e suítes integradas de EW (como o sistema AN/ASQ-239 Barracuda) para sensorear, evitar e atacar redes de defesa, o B-52 depende de upgrades como o radar AESA (Active Electronically Scanned Array) da Raytheon e pods externos de contramedidas eletrônicas.
Esta dependência de sistemas “colados” à plataforma cria assinaturas detectáveis e pode saturar sua limitada capacidade de processamento analógico/digital. Em um cenário de conflito contra um adversário com capacidades sofisticadas de EW, como aquelas demonstradas pela Rússia em seus sistemas Krasukha ou pela China com seus regimentos de guerra eletrônica dedicados, a habilidade do B-52 para penetrar defesas é severamente comprometida.
A suíte de comunicações e navegação, embora modernizada, permanece suscetível a ataques de tecnologia de computação e criptografia pós-quântica, capaz de processar milhões de operações, desenvolvidos para proteger a criptografia de chave pública atual, a interferências também, spoofing (como o do GPS) e possíveis explorações cibernéticas em seus novos enlaces, como o Link 16.
A modernização também não altera a colossal assinatura de radar da aeronave, tornando-a um alvo notoriamente fácil de rastrear para sistemas modernos como o S-400 Triumf russo ou o HQ-9 chinês, a menos que opere em stand-off extremo.
Ilusão do Alcance Estratégico: Sobrevivência em Ambientes A2/AD e o Limite da Tripulação
O argumento tradicional do B-52 como bombardeiro de “alcance global independente” é erodido pelos modernos ecossistemas A2/AD. Lançar mísseis de cruzeiro convencionais, como o AGM-158B JASSM-ER (de 925 km de alcance), ou os futuros ARM hipersônicos, requer que a aeronave penetre bolhas defensivas cada vez mais expansivas. Sua falta de furtividade, baixa velocidade subsônica e manobrabilidade limitada tornam-na extremamente vulnerável a caças de 5ª geração como o J-20 chinês ou o Su-57 russo, armados com mísseis ar-ar de longo alcance (ex.: PL-15).
A dependência do reabastecimento aéreo (consumindo 120 mil libras por sessão) é outro ponto crítico: os cargueiros KC-135 e KC-46 Pegasus são alvos de alta prioridade e igualmente vulneráveis, criando uma cadeia logística frágil.
A modernização dos motores para os modelos F130 (Rolls Royce) ou PW800 (Pratt & Whitney), sob o programa B-52 Commercial Engine Replacement Program (CERP), melhorará a eficiência, mas não a performance tática ou a sobrevivência. O limite operacional, como identificado historicamente, continua sendo a tripulação de cinco membros. Em missões de ataque convencional de longo alcance ou patrulha de dissuasão nuclear contínua (um eco da Operação Chrome Dome), a fadiga em cenários de alta tensão contra adversários tecnologicamente paritários é um fator incapacitante.

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B-52 Stratofortress: Boeing’s iconic bomber from 1952 to the present
• David Doyle (Autor)
• Edição Inglês
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Por que então os EUA insistem no bombardeiro como arma principal?
Flexibilidade Estratégica: Oferece opções escalonáveis – desde demonstração de força até ataque nuclear – sem mobilização de tropas terrestres.
Projeção de Poder de Baixo Custo Relativo: Comparado ao deslocamento de porta-aviões ou divisões de exército, um esquadrão de B-52 pode reatar em horas para um teatro distante e lançar uma campanha de ataque.
Integração com a “Guerra em Rede”: O bombardeiro moderno é um sistema de sistemas. Ele não opera sozinho; recebe dados de satélites, caças furtivos e drones, tornando-se um lançador inteligente e conectado.
Dissuasão Visível: Voos de patrulha de bombardeiro próximo a territórios de adversários (como a China ou Rússia) são um sinal político de compromisso e capacidade – uma aplicação direta da teoria de “coerção aérea”.
Assim, a doutrina atual, que enfatiza Agilidade de Combate e Dispersão (ACE), contrasta com a necessidade do B-52 de pistas longas e infraestrutura preposicionada, tornando suas bases no Pacífico (como Guam) alvos fixos em tempos de crise, sujeitos a ataques de mísseis balísticos e de cruzeiro.
A teoria do poder aéreo dos EUA evoluiu do bombardeio industrial de precisão ao nuclear, ao “global strike” convencional, e agora ao “arsenal planejado em rede”, pelo que pesquisamos não se observou a preocupação com a criptografia de comunicação pós-quântica por parte dos EUA, pelo menos em fontes abertas.
Logo, o bombardeiro permanece como arma principal porque sua função estratégica de projeção de poder global, dissuasão e ataque de profundidade, é central para a visão americana de segurança nacional e guerra de grande escala, mesmo que suas táticas e tecnologias tenham se transformado radicalmente.
Conclusão e Lições Estratégicas para o Brasil
A análise das vulnerabilidades do B-52 Stratofortress na guerra moderna revela um paradoxo fundamental: uma plataforma de origem analógica e com limites estruturais claros permanece operacional devido a um esforço contínuo e sistêmico de modernização adaptativa, integração de novos sistemas de armas e, sobretudo, por estar inserida em uma arquitetura estratégica maior e constantemente renovada.
A criação da Força Espacial dos EUA é o epítome desta renovação, representando a institucionalização de um domínio antes acessório como central para a projeção de poder e a proteção das próprias capacidades herdadas, como o próprio B-52. A lição não é sobre a invencibilidade de uma arma antiga, mas sobre a persistência de uma vontade estratégica que atualiza doutrinas, cria novos serviços e mantém relevantes ativos simbólicos através de investimentos focados e de longo prazo. O B-52 sobreviverá até 2050 não por seu projeto original, mas porque os EUA decidiram que um bombardeiro estratégico de longo alcance é um elemento indispensável de sua grande estratégia, custe o que custar adaptá-lo.
A incorporação da criptografia pós-quântica (PQC) torna-se um imperativo estratégico para o Brasil no contexto do uso dual do poder aeroespacial, pois a infraestrutura crítica de satélites, comunicações seguras e dados de sensoriamento – como os gerados pela Operação Spaceward e futuras constelações nacionais – será alvo prioritário de ataques cibernéticos por potências com capacidades de computação quântica, capazes de quebrar os sistemas de criptografia clássica que protegem hoje segredos de Estado, trajetórias de mísseis, imagens de inteligência e o comando de sistemas de defesa.
Sem a transição para algoritmos resistentes ao quantum, o Brasil ficaria vulnerável à exfiltração silenciosa de dados estratégicos e à desintegração de sua rede de comando e controle, anulando qualquer vantagem dissuasória conquistada com seus ativos aeroespaciais e permitindo que um adversário com superioridade quântica neutralizasse preemptivamente nossas capacidades de vigilância e resposta, mesmo antes de um conflito convencional se iniciar.
Portanto, a proteção dos dados aeroespaciais com criptografia pós-quântica não é apenas uma questão técnica, mas essencial para a proteção da comunicação contra métodos de criptografia de países desenvolvidos, e para a credibilidade da dissuasão brasileira em um cenário de competição entre grandes potências nucleares.
Baseado nessa análise e no artigo “Pensando uma Grande Estratégia para as Atividades Espaciais no Brasil” (Góes e Araújo), o Brasil pode extrair duas lições fundamentais para o desenvolvimento de seus próprios Núcleos Estratégicos:
Primeiro – Da Plataforma ao Ecossistema: A Criação de Núcleos Estratégicos de Capacidade Integrada e Permanente. Assim como o B-52 é sustentado por um ecossistema de reabastecimento aéreo, inteligência, guerra eletrônica e, agora, suporte espacial, o Brasil deve focar seus Núcleos Estratégicos não no desenvolvimento isolado de produtos (um satélite, um foguete), mas na construção de capacidades nacionais integradas e permanentes. Inspirado pelo modelo proposto no artigo, o país poderia instituir, por exemplo, um Núcleo Estratégico de Mobilidade e Lançamento Espacial, ancorado no CLA em Alcântara, mas com abrangência nacional em sua cadeia de inovação. Este núcleo teria a missão contínua – para além de governos ou projetos pontuais – de desenvolver e manter a competência soberana em acesso ao espaço, assim como a USAF mantém a competência em bombardeio estratégico. A lição do B-52 é que a persistência da capacidade, mesmo com equipamentos que evoluem lentamente, é um ativo estratégico imensurável.
Segundo – Da Reação à Antecipação: Núcleos como Instrumentos de Dissuasão Tecnológica e Adaptação Contínua. A modernização do B-52 é uma resposta antecipada a ameaças futuras (A2/AD, guerra eletrônica). O Brasil, de forma análoga, deve utilizar seus Núcleos Estratégicos como ferramentas de antecipação e dissuasão tecnológica especialmente pensando em seu entorno estratégico e proteção de infraestruturas críticas.
Um Núcleo Estratégico de Sensoriamento Remoto e Vigilância de Domínios, por exemplo, não apenas desenvolveria satélites de observação, mas criaria a doutrina e as ferramentas para monitorar continuamente a Amazônia Azul e a Amazônia Verde, o espectro eletromagnético e o espaço próximo, identificando vulnerabilidades antes que se tornem crises. Este núcleo funcionaria como um sensor estratégico permanente da nação, assim como a Força Espacial americana é o “sensor” do domínio espacial para os EUA.
A lição fina depreendida é que a criação desses Núcleos, com mandatos de longo prazo, orçamento protegido e vinculados a uma Estratégia Nacional Espacial claramente articulada (como defendido por Góes e Araújo), permitiria ao Brasil fazer a transição de um ator espacial ocasional para um ator com capacidade de adaptação contínua e presença estratégica assegurada em domínios críticos.
Referências
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WOLFGANG, Herbert. B-52 Stratofortress in Action. Carrollton, TX: Squadron/Signal Publications, 2014.









