
A estratégia ucraniana de defesa urbana e mobilização intensiva, dependente de apoio externo maciço, busca ganhar tempo diante da pressão russa, mas carece de um horizonte estratégico claro para vitória decisiva.
A estratégia do general Oleksandr Sirsky, Comandante Supremo das Forças Armadas Ucranianas, ao concentrar esforços na defesa de áreas urbanas e procurar aumentar a mobilização por meio da convocação de mulheres e jovens na faixa de 20 anos de idade, levanta questões fundamentais sobre a viabilidade desse modelo de resistência.
Mais do que uma circunstância momentânea, trata-se de uma opção estratégica que precisa ser compreendida à luz da tradição da teoria militar e dos exemplos históricos que marcaram a arte da guerra. Soma-se a isso a dependência ucraniana de até 80 bilhões de euros em apoio externo para complementar o défice do orçamento da guerra para os anos de 2025-2026, o que evidencia que o plano não é autossuficiente e está condicionado ao fluxo contínuo de recursos internacionais.
É nesse diálogo entre teoria e prática que se pode avaliar se a estratégia de Sirsky representa uma possibilidade real de resistência ou apenas um gesto de sobrevivência política e militar. Seu objetivo imediato não é alcançar uma vitória decisiva, mas ganhar tempo diante da pressão russa e da dependência de apoio externo.
Para desenvolver esta análise, recorreremos ao pensamento de três grandes teóricos da guerra, Sun Tzu, Jomini e Clausewitz, cujas obras oferecem fundamentos distintos para compreender os limites e possibilidades da estratégia de Sirsky. Em seguida, examinaremos casos históricos de defesa urbana, como Verdun, Stalingrado e Berlim, que ilustram diferentes desfechos possíveis quando cidades se tornam o centro da resistência militar. Essa combinação entre teoria e história permitirá avaliar se a atual estratégia ucraniana pode ser considerada viável ou se trata-se apenas de uma tentativa de prolongar o conflito sem perspectiva de vitória decisiva.
Os Teóricos da Estratégia Militar
Sun Tzu, general e filósofo chinês do século V a.C., escreveu A Arte da Guerra, obra que se tornou referência universal. Para ele, a vitória deveria ser alcançada com o mínimo de combate direto, explorando inteligência, engano e flexibilidade. Sua ênfase na economia de forças e na preservação de recursos contrasta fortemente com a ideia de manter todas as cidades a qualquer custo, como propõe Sirsky. Nesse sentido, a estratégia ucraniana parece ignorar o princípio fundamental de Sun Tzu, que recomendaria evitar batalhas de desgaste que consomem homens e recursos sem oferecer vantagem estratégica.
Antoine-Henri Jomini, general suíço que serviu sob Napoleão e depois no Exército Imperial Russo, sistematizou a guerra em princípios quase matemáticos. Em sua obra Princípios da Arte da Guerra, ele destacou a importância da concentração de forças em pontos decisivos, do controle das linhas de comunicação e da logística como elemento essencial para sustentar operações prolongadas. Jomini foi um dos primeiros a reconhecer que sem logística sólida nenhuma defesa poderia se manter. A proposta de Sirsky, ao dispersar forças em múltiplas cidades, dilui o poder de combate e compromete a mobilidade. Para Jomini, isso seria uma falha grave, pois impede a concentração em pontos estratégicos e transforma a defesa em uma postura reativa, sem capacidade de manobra.
Carl von Clausewitz, oficial prussiano que também combateu pelo Exército Imperial Russo contra Napoleão, é considerado o maior teórico do fenômeno da guerra. Em Da Guerra, afirmou que a guerra é conduzida para atingir objetivos políticos, ou seja, ela não é um fim em si mesma, mas um instrumento subordinado à política. Introduziu o conceito da “trindade” formada por povo, exército e governo e chamou atenção para a “fricção”, os imprevistos que tornam a guerra imprevisível. A mobilização forçada de jovens e mulheres, como sugerida por Sirsky, pode ser vista como uma tentativa de manter a coesão da trindade, mas também revela a pressão extrema sobre a sociedade. Clausewitz reconheceria nesse esforço um gesto político desesperado para ganhar tempo, mas sem horizonte estratégico claro. A defesa absoluta de cidades lembra a lógica da guerra total, onde o sacrifício humano é usado como moeda política.

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Fundamentos da Estratégia de Sirsky
A estratégia de Sirsky se sustenta em três pilares: a defesa urbana, a mobilização intensiva e a dependência externa. Transformar cidades e vilas em bastiões defensivos significa apostar em uma guerra de atrito. Áreas urbanas oferecem resistência natural, mas o custo humano é altíssimo e a destruição compromete a própria base social que se pretende defender. A mobilização intensiva, ao incluir jovens de 20 anos e mulheres, amplia o contingente disponível, mas também revela o esgotamento da reserva tradicional e pode gerar desgaste social. Por fim, a dependência de financiamento europeu massivo, estimado entre 60 a 80 bilhões de euros, mostra que o plano não é autossuficiente, mas condicionado ao apoio externo. Sem esse apoio, a estratégia se torna inviável; com ele, apenas prolonga o conflito sem garantir vitória.
Paralelos Históricos
A análise de combates semelhantes na história militar ajuda a compreender os limites e possibilidades da defesa urbana.
Verdun (1916): A Batalha de Verdun, na Primeira Guerra Mundial, foi marcada pela defesa obstinada francesa contra o ataque alemão. O lema “Eles não passarão” simbolizou a determinação de resistir. Verdun tornou-se um ícone da resistência nacional, mas o custo humano foi devastador, com cerca de 700 mil baixas entre mortos e feridos. A lição de Verdun é que a defesa pode ganhar tempo e preservar a moral nacional, mas a um preço altíssimo, que compromete a capacidade ofensiva futura.
Stalingrado (1942–43): Na Segunda Guerra Mundial, Stalingrado tornou-se símbolo da resistência soviética contra a Alemanha nazista. A luta urbana foi brutal, com combates casa a casa, mas a defesa foi sustentada pela logística soviética e culminou em uma contraofensiva que cercou e destruiu o 6º Exército alemão. Diferente de Verdun, Stalingrado não apenas resistiu, mas virou o curso da guerra. A lição é que a defesa urbana pode ser eficaz quando integrada a uma estratégia maior, capaz de transformar resistência em vitória ofensiva.
Berlim (1945): Nos últimos meses da Segunda Guerra Mundial, Berlim foi defendida de forma desesperada pelo Exército alemão e pela população civil, já sem perspectiva de vitória. A defesa apenas prolongou o inevitável colapso diante da ofensiva soviética. Berlim mostra o limite extremo da defesa urbana: quando não há horizonte estratégico, a resistência se torna apenas um sacrifício humano sem resultados práticos, marcado pela destruição da própria sociedade que se pretendia proteger.
Considerações Finais
À luz dos exemplos históricos e dos clássicos da teoria militar, a estratégia de Sirsky revela mais uma tentativa de sobrevivência do que de vitória. Ela busca prolongar o conflito para ganhar tempo político e apoio externo, mas militarmente implica em perdas excessivas e desgaste progressivo. Sem apoio robusto e contínuo, o plano se torna insustentável. Trata-se, portanto, de uma estratégia de resistência, e não de conquista de objetivos políticos relevantes. O resultado provável seria um prolongamento da guerra, com custos humanos e sociais elevados, sem garantia de vitória a longo prazo.
Se interpretarmos a estratégia de Sirsky à luz dos três grandes teóricos da guerra, poderemos avaliar seus resultados esperados. Clausewitz lembraria que a guerra deve sempre se orientar por objetivos políticos e, nesse caso, “ganhar tempo” é um objetivo legítimo, mas limitado, que não conduz a uma decisão estratégica e expõe o Estado ao desgaste prolongado. Sun Tzu, por sua vez, advertiria que prolongar combates de desgaste em áreas urbanas contraria o princípio da economia de forças e da vitória obtida com o mínimo de enfrentamento direto, revelando uma escolha que sacrifica recursos sem oferecer vantagem clara. Jomini destacaria que a dispersão das forças em múltiplas cidades compromete a concentração em pontos decisivos e enfraquece a logística, transformando a defesa em uma postura reativa.
As lições dos casos históricos somente reforçam essas limitações. Verdun mostrou que a defesa obstinada pode preservar a moral nacional, mas a um custo humano devastador que compromete a capacidade ofensiva futura. Stalingrado demonstrou que a defesa urbana pode ser eficaz quando integrada a uma estratégia maior, capaz de transformar resistência em vitória ofensiva, mas depende de logística sólida e de condições externas favoráveis. Berlim, por fim, evidenciou o limite extremo da defesa urbana, quando a resistência se torna apenas sacrifício humano sem resultados práticos.
Feita análise teórica e histórica, podemos concluir que a estratégia de Sirsky se insere no campo das guerras de contenção, em que a resistência urbana e a mobilização ampliada funcionam como instrumentos para aguardar mudanças externas favoráveis, mas sem oferecer, por si só, uma perspectiva de vitória decisiva.
O problema real é que essas mudanças externas favoráveis parecem cada vez mais improváveis, consideradas as tendências atuais.








