Por Que Prolongar a Guerra na Ucrânia?

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Imagem meramente ilustrativa, gerada por inteligência artificial.

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Nem todas as guerras terminam em negociações; a Ucrânia enfrenta o colapso militar, a corrupção interna e a urgência de aceitar um acordo desfavorável antes que seja tarde demais.


Aqueles que exigem que a Ucrânia e seus aliados ocidentais determinem quais concessões serão oferecidas à Rússia para chegar a um acordo que ponha fim à guerra, frequentemente afirmam que isso terá que acontecer eventualmente, já que “as guerras sempre terminam com negociações”.

Apesar de sua constante repetição, e independentemente do resultado da Guerra Russo-Ucraniana, essa afirmação simplesmente não é verdadeira. Nem todas as guerras terminam com negociações. Algumas terminam com rendições, como foi o caso da Alemanha e do Japão em 1945, ou com mudanças de regime, como na Itália em 1943, ou com cessar-fogos, que podem exigir alguma negociação, mas deixam a disputa subjacente sem solução, como na Coreia em 1953. Mesmo com negociações sendo empreendidas para pôr fim a uma guerra, frequentemente fracassam.

Prazos Para Negociações

Como já afirmamos no Velho General, os prazos para negociar o fim de uma guerra variam enormemente ao longo da história, podendo durar meses, anos ou até décadas, como demonstrado pelos seis meses de negociações para o Tratado de Versalhes (assinado em 1919) ou pelos vários anos de negociações de paz na Colômbia (2012-2016).

Fatores como a situação militar, a vontade política, a complexidade das questões em disputa e o envolvimento de múltiplos atores são determinantes na duração dessas negociações.

Nesta ocasião, entre os fatores determinantes que influenciam a duração das negociações está a situação no campo de batalha. As negociações podem acelerar ou prolongar-se dependendo de se um dos lados está obtendo uma vitória militar, se o conflito chegou a um impasse ou se ocorreu um desgaste mútuo.

A Rússia claramente prevalece com uma abordagem operacional ofensiva, rítmica e constante, aderindo à sua doutrina de batalha profunda (não entendemos por que figuras proeminentes, tanto locais quanto internacionais, se recusam a enxergar essa realidade… ou melhor, a enxergá-la, mas manipulá-la).

Outro fator é a complexidade do conflito: esse conflito, com múltiplas facções e profundos problemas subjacentes, como questões territoriais, econômicas ou ideológicas, geralmente exige negociações longas e complexas. Como todos sabemos, a participação de um grande número de atores internacionais, de ambos os lados, influencia a duração e o resultado das negociações. Alguns exemplos históricos de durações variadas, como já mencionamos, levaram seis meses, como no caso do Tratado de Versalhes, que pôs fim à Primeira Guerra Mundial, e os conflitos e tensões em torno dele continuaram por anos.

Outro caso que levou vários anos foram as negociações para pôr fim ao conflito armado na Colômbia, que começaram em 2012, duraram mais de quatro anos e culminaram em um acordo de paz em 2016, com consequências e tensões que persistem até hoje.

Um exemplo final são as negociações para a assinatura do Acordo de Dayton. As negociações de 1995, que puseram fim à Guerra da Bósnia, duraram mais de três anos e envolveram intensas negociações. Sair desta guerra e iniciar um processo de paz é muito difícil para o lado da OTAN. A narrativa que irão promover é previsível: a Rússia tentou apagar a Ucrânia do mapa, pretendia tomar todo o país e acabou ficando com apenas cerca de 20%. Portanto, dirão que a Rússia falhou. A Rússia sofreu perdas significativas e não atingiu seus objetivos.

Na nossa opinião, essa será a versão oficial, a chamada narrativa de vitória que a UE e a OTAN irão propagar. Mas há um problema: eles só podem vender essa história se um acordo negociado for alcançado agora. Sem um acordo, não podem congelar o mapa em 20%. Se a Ucrânia rejeitar o acordo proposto, o território perdido não permanecerá em 20%. Passará para 40% ou mais. E é por isso que mesmo um acordo negociado ruim é melhor do que um colapso total.

Porque, uma vez que a frente entre em colapso, a Europa perderá toda a sua influência. Mas atenção: um colapso dará aos líderes europeus o que eles secretamente desejam: capacidade ilimitada de transformar ucranianos em carne moída por meio de guerra de guerrilha, operações de sabotagem e instabilidade a longo prazo.


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Como já afirmamos em 2023 no jornal La Prensa, em nosso artigo Sabotadores e Partisans na Guerra da Ucrânia, a ideia e os meios para prolongar o conflito ressurgiram: “Ultimamente, um novo conceito ganhou destaque para descrever o confronto entre forças regulares e insurgentes. Trata-se da chamada ‘guerra assimétrica’, na qual lados com forças vastamente diferentes se enfrentam. Esse tipo de guerra se aplica quando um dos oponentes possui um poder tão grande que seu inimigo não consegue enfrentá-lo em seu próprio terreno, e este último recorre então a táticas descritas como assimétricas. Vale a pena relembrar, como arcabouço teórico para esta análise, a Teoria do Partisan de Carl Schmitt e como o conflito atual pode evoluir. Ele nos apresenta algumas características desse tipo de guerra:

A natureza irregular da guerra de guerrilha: como Mao Tsé-Tung expressou, ‘a guerra revolucionária é nove décimos não aberta, não regular e apenas um décimo guerra militar aberta’.

O componente político de alta intensidade: ‘O caráter intensamente político do partisan deve ser mantido para que ele não seja confundido com o vil ladrão e assaltante que pensa exclusivamente em seu próprio ganho pessoal, sem quaisquer outros motivos.’ (Schmitt 1966: 25)

Mobilidade: uma terceira característica que, para Schmitt, torna difícil permanecer em um local específico. ‘Mobilidade, velocidade e mudanças abruptas de ataque e recuo — em uma palavra, mobilidade acentuada — permanecem, ainda hoje, uma característica do partisan. Os avanços tecnológicos e a motorização intensificam ainda mais a mobilidade.’ (Schmitt 1966: 27)

Profunda conexão do partisan com a terra: ele conhece o território em que opera ‘com precisão cirúrgica’, como a palma da sua mão.

Relação amigo-inimigo: Schmitt afirma: ‘O partisan moderno não espera nem graça nem justiça do inimigo. Ele virou as costas para a inimizade convencional, com suas guerras domesticadas e contidas, e entrou no reino de outra inimizade, a verdadeira, que se enreda em um ciclo de terror e contraterror até a aniquilação total.’ (Schmitt 1966: 20)

Terceiro interessado: De acordo com Schmitt, sempre há um terceiro interessado que apoia o grupo irregular e, se for um Estado, confere um certo grau de legitimidade ao grupo insurgente. ‘O terceiro interessado poderoso não apenas fornece as armas e munições necessárias, dinheiro, ajuda material e medicamentos, mas também proporciona uma espécie de reconhecimento político, necessário para o guerrilheiro que luta irregularmente, para não ser desqualificado como ladrão ou pirata e para evitar cair no apoliticismo, que neste caso é idêntico à criminalidade.’ (Schmitt 1966: 105)

Espacialidade e desenvolvimento técnico-científico: O desenvolvimento tecnológico não apenas forneceu aos combatentes e armas contemporâneas novas, eficazes e letais máquinas de guerra, mas também modifica as estruturas do espaço e seus arranjos.

Acreditamos que os aliados da Ucrânia tentarão sustentar esse tipo de guerra para prolongar o conflito.

Corrupção na Ucrânia

A corrupção dentro da Ucrânia só agrava o colapso. Todos sabiam que a Ucrânia tinha altos níveis de corrupção. Nos últimos quatro anos, a propaganda ocidental simplesmente fingiu o contrário. Agora, altos funcionários próximos a Zelensky estão fugindo com centenas de milhões. A economia está morta, completamente dependente de dinheiro estrangeiro. Recrutadores militares estão arrastando homens das ruas. A Ucrânia está desmoronando por dentro, não apenas nas linhas de frente do campo de batalha. A guerra de atrito não é mais lenta. As forças ucranianas não conseguem manter a linha. A Rússia está avançando mais rápido. Todos os dias, eles cercam tropas que devem se render ou morrer, geralmente a última opção. O pessoal está diminuindo, a munição está diminuindo, o moral está despencando. Todas as variáveis ​​mensuráveis ​​apontam em uma direção. Portanto, acreditamos que o “acordo” de amanhã será pior do que o de hoje; a medida lógica seria fazer o acordo de hoje.

Mas os líderes europeus estão comparando o mau acordo de hoje não com a pior realidade de amanhã, mas com um final imaginário de Hollywood em que a Rússia entra na OTAN e entrega seus recursos. Isso pertence à fantasia, não à política. A verdade é dura, mas necessária.

Objetivamente, acreditamos que a Ucrânia e seus aliados perderam a guerra estrategicamente, economicamente, militarmente e demograficamente. E quanto mais a Europa e o Ocidente negarem isso, pior será o colapso final.


Publicado no La Prensa.

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1 comentário

  1. Da maneira que descreve a narrativa da OTAN com relação da “vitória ucraniana” por “somente” perder um 20% do seu território, foi a descrição mais aguda e certeira que eu tenha lido até agora sobre esse assunto, e conste que eu sou de ler muito sobre geopolítica. Parabéns. Brillante artigo.

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