
Reflexões sobre a mudança militar contemporânea inspiradas por Andrei Martyanov, o pensamento estratégico moderno e suas implicações para o Exército Brasileiro.
A mudança militar é um fenômeno recorrente na história das forças armadas, mas sua compreensão teórica permanece envolta em ambiguidades conceituais. Termos como “transformação”, “modernização” e “revolução” são frequentemente utilizados de forma intercambiável, obscurecendo as distinções fundamentais entre processos evolutivos e rupturas sistêmicas. Este artigo tem como objetivo discutir os fundamentos teóricos da mudança militar, com ênfase na Revolução em Assuntos Militares (RAM) e na modernização, a partir da obra de Andrei Martyanov e de outros autores estratégicos, incluindo fontes doutrinárias do Exército Brasileiro.
O interesse renovado por esses conceitos decorre, em grande parte, da observação de conflitos contemporâneos, especialmente da guerra entre Rússia e Ucrânia. Este conflito tem revelado uma combinação paradoxal entre guerra industrial e guerra cognitiva, com o emprego intensivo de tecnologias emergentes como drones, munições vagantes, inteligência artificial e guerra informacional. Tais elementos têm reacendido o debate sobre os limites da modernização incremental e a possibilidade de uma nova fase da RAM, marcada não apenas por inovações tecnológicas, mas por mudanças profundas na forma de conceber, organizar e empregar o poder militar.
Ao explorar os fundamentos conceituais que sustentam esses processos, buscamos oferecer uma reflexão crítica sobre os vetores que impulsionam a mudança militar no século XXI, destacando suas implicações estratégicas e doutrinárias para qualquer força armada que deseje se manter relevante em um ambiente operacional em constante transformação.
Conceitos de Mudança Militar
A mudança militar pode ser compreendida a partir de três categorias conceituais distintas: a Revolução em Assuntos Militares (RAM), a Transformação e a Modernização. Embora compartilhem elementos comuns, como a incorporação de novas tecnologias, doutrinas e estruturas, cada uma dessas categorias possui características próprias quanto à profundidade, velocidade e seletividade das mudanças. A clareza conceitual entre elas é essencial para evitar confusões terminológicas e orientar com precisão diagnósticos e planejamentos estratégicos.
A Revolução Técnico-Militar (RTM) como Origem da RAM
A compreensão ocidental da Revolução em Assuntos Militares (RAM) está profundamente influenciada por um conceito anterior e menos conhecido: a Revolução Técnico-Militar (RTM), formulada por pensadores soviéticos ainda na década de 1980. Segundo Andrei Martyanov (2019), a RAM não é uma criação original do pensamento estratégico ocidental, mas sim uma adaptação e, em certa medida, uma simplificação da RTM desenvolvida na União Soviética como resposta às transformações tecnológicas e operacionais observadas no final da Guerra Fria.
A RTM soviética já antecipava os impactos da automação, da guerra baseada em precisão, da integração de sensores e sistemas de comando e controle e da informatização do campo de batalha. Seu foco não estava apenas na tecnologia, mas na transformação sistêmica da guerra como fenômeno político, social e técnico. A RTM propunha uma reconfiguração profunda da doutrina, da estrutura organizacional e da mentalidade militar, em resposta às novas possibilidades oferecidas pela ciência e pela indústria bélica.
Após o colapso da URSS, o conceito foi absorvido e reformulado pelas doutrinas ocidentais, especialmente nos Estados Unidos, que passaram a enfatizar o papel das tecnologias emergentes como catalisadoras de uma nova forma de guerra. Martyanov critica essa apropriação, argumentando que a versão ocidental da RAM tende a supervalorizar o componente tecnológico em detrimento da doutrina e da organização, criando uma ilusão de superioridade baseada em plataformas avançadas, mas nem sempre integradas de forma eficaz ao pensamento estratégico.
Essa crítica é especialmente relevante à luz dos conflitos recentes, como o da Ucrânia, nos quais forças tecnologicamente inferiores têm conseguido impor custos elevados a adversários melhor equipados, justamente por contarem com doutrinas mais adaptadas ao ambiente operacional. A RTM, nesse sentido, oferece uma lente alternativa para compreender a mudança militar: uma revolução que não se limita à aquisição de novos meios, mas que exige uma transformação profunda da lógica de emprego da força.
Revolução em Assuntos Militares
A RAM representa uma mudança sistêmica na forma de conceber e empregar o poder militar, articulando simultaneamente avanços tecnológicos, doutrinários e organizacionais. Conforme Krepinevich (1994), uma RAM só se concretiza quando há: (1) mudança de patamar tecnológico, (2) desenvolvimento de novos sistemas, (3) introdução de inovações operacionais e (4) adaptação da organização. A articulação desses elementos confere à RAM seu caráter revolucionário, capaz de alterar profundamente a natureza da guerra.
Historicamente, a Guerra do Golfo (1991) é considerada um marco da RAM, com o uso integrado de sistemas de comando e controle, munições guiadas e operações conjuntas em tempo real. Mais recentemente, o conflito entre Rússia e Ucrânia tem revelado uma nova fase da RAM, marcada pelo emprego intensivo de drones, munições vagantes, inteligência artificial, guerra cibernética e informacional. A coexistência entre guerra industrial e guerra cognitiva redefine os limites da ação militar e reforça o caráter multidimensional da RAM.
Um exemplo histórico de RAM no contexto brasileiro pode ser identificado na participação do país na Segunda Guerra Mundial. Conforme argumentado por Krepinevich (1994), uma mudança militar só pode ser considerada revolucionária quando envolve, de forma articulada, uma mudança de patamar tecnológico, o desenvolvimento de novos sistemas, a introdução de inovações operacionais (doutrina) e a adaptação da organização.
Esses quatro elementos estiveram presentes na experiência da Força Expedicionária Brasileira (FEB), que, em um curto espaço de tempo, passou por uma transformação profunda. Houve a adoção de novos equipamentos e sistemas fornecidos pelos Estados Unidos, a assimilação de doutrinas operacionais distintas daquelas então vigentes no Exército Brasileiro, que até então se baseavam majoritariamente no modelo francês, e a reorganização estrutural da Força, que abandonou o padrão divisionário francês em favor do modelo norte-americano.
Mais do que isso, tais mudanças foram testadas em combate real, completando um ciclo de gestão do conhecimento que envolveu desde a formação até o emprego efetivo em operações. Trata-se, portanto, de um caso raro em que o Brasil vivenciou uma RAM em sua plenitude, impulsionada pela urgência do estado de guerra e pela necessidade de interoperabilidade com forças aliadas em um teatro de operações de alta intensidade.
Transformação
A transformação militar configura um processo planejado e contínuo de adaptação, que busca desenvolver novas capacidades sem necessariamente abandonar as competências anteriores. No âmbito do Exército Brasileiro, é definida como o desenvolvimento e implementação de novos conceitos e capacidades operacionais conjuntas, modificando o preparo, o emprego, as mentes, os equipamentos e as organizações para atender às demandas de um ambiente sob evolução continuada (BRASIL, 2010).
Segundo Sloan (2012), enquanto a RAM representa uma mudança rápida, radical e não controlada, a transformação abraça a concepção de processo. Davis (2010) reforça que, na transformação, tende-se a preservar aquilo que funciona, mesmo ao se estabelecer novas competências. Assim, RAM e transformação compartilham os mesmos elementos estruturantes, diferenciando-se pela velocidade e seletividade das mudanças.
Modernização
A modernização, por sua vez, representa um processo de mudança mais contido e específico. Sloan (2008) a define como um aprimoramento incremental das capacidades existentes, voltado para o aumento da eficiência e da eficácia operacional dentro de paradigmas já estabelecidos. No Exército Brasileiro, é entendida como a incorporação de técnicas, estruturas e equipamentos que melhorem o desempenho organizacional, sem alterar sua lógica fundamental (BRASIL, 2010).
A modernização se insere no campo das mudanças evolucionárias, com foco na atualização de meios e métodos para o cumprimento das missões já desempenhadas. Em contextos de ameaça persistente e recursos limitados, pode ser uma resposta estratégica eficaz, ainda que não configure uma revolução.
A Guerra na Ucrânia como Laboratório da RAM
O conflito entre Rússia e Ucrânia tem se revelado um verdadeiro laboratório da RAM, ao reunir em um mesmo teatro de operações elementos da guerra industrial e da guerra cognitiva. A coexistência entre trincheiras, artilharia de saturação e sistemas autônomos letais evidencia um paradoxo que desafia os modelos tradicionais de análise militar. Essa guerra, ao mesmo tempo em que remete à Primeira Guerra Mundial em forma, incorpora tecnologias que projetam o combate para o século XXI.
O emprego intensivo de drones, munições vagantes, inteligência artificial, guerra cibernética e informacional tem alterado profundamente a dinâmica do campo de batalha. Os Sistemas Aéreos Remotamente Pilotados (SARP), em especial os drones de pequeno porte e baixo custo, tornaram-se onipresentes, atuando tanto em missões de reconhecimento quanto em ataques de precisão. A produção artesanal de drones pela Ucrânia e a industrialização acelerada da produção russa ilustram dois modelos distintos de adaptação tecnológica. O uso de munições vagantes, como os Switchblade e Lancet, e de drones navais como o Magura, evidencia o surgimento de novas capacidades táticas com impacto estratégico.
Além da dimensão tecnológica, o conflito tem revelado importantes lições organizacionais. A Rússia, que havia abolido suas divisões e regimentos em favor de brigadas mais flexíveis, viu-se obrigada a reverter essa estrutura diante das exigências de uma guerra convencional em larga escala. O retorno ao modelo divisionário/regimental e o abandono progressivo dos Grupos Táticos de Batalhão (BTG, Battalion Tactical Group) refletem uma adaptação organizacional em tempo real, impulsionada por diagnósticos operacionais tempestivos. O BTG, embora concebido como unidade de manobra ágil e autônoma, mostrou-se excessivamente dependente de apoio de fogo e deficiente em comando e controle, comprometendo sua eficácia no terreno.
Essas adaptações sugerem que a Guerra na Ucrânia não apenas confirma os elementos estruturantes da RAM — tecnologia, sistemas, doutrina e organização — como também inaugura uma nova fase desse fenômeno. A integração entre guerra eletrônica, cibernética e informacional, aliada ao uso de inteligência artificial e sistemas autônomos, aponta para uma RAM centrada na convergência de domínios e na fusão entre capacidades físicas e cognitivas. Trata-se de uma revolução que não se limita à introdução de novos meios, mas que exige uma reconfiguração profunda da forma de pensar, planejar e executar operações militares.
Para os planejadores estratégicos, esse conflito representa uma fonte abundante de lições aprendidas, com implicações diretas para o desenvolvimento de capacidades futuras. A RAM, neste contexto, deixa de ser uma abstração teórica e se materializa como um processo em curso, cujos contornos estão sendo desenhados em tempo real no lodo das trincheiras e nas nuvens dos servidores de comando e controle.

LIVRO RECOMENDADO:
The (Real) Revolution in Military Affairs
• Andrei Martyanov (Autor)
• Edição Inglês
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Fontes Doutrinárias do Exército Brasileiro como Referência Teórica
Embora este ensaio não trate diretamente da transformação institucional do Exército Brasileiro, é possível identificar, em documentos doutrinários da Força Terrestre, elementos conceituais que dialogam com os fundamentos teóricos da mudança militar. A Portaria nº 075-EME (2010), o Sistema de Planejamento do Exército (SIPLEx) e o Conceito Operacional do Exército Brasileiro para 2040 (COEB 2040) oferecem subsídios valiosos para compreender como o EB tem internalizado, ainda que parcialmente, os princípios da RAM e da modernização.
A Portaria nº 075-EME, que institui a Diretriz para Implantação do Processo de Transformação do Exército, apresenta objetivos que se alinham aos elementos estruturantes da RAM, conforme definidos por Krepinevich (1994): mudança de patamar tecnológico, desenvolvimento de novos sistemas, introdução de inovações operacionais e adaptação da organização. A diretriz propõe conduzir o EB para uma concepção ligada à era do conhecimento, com foco na modernização dos sistemas operacionais e no desenvolvimento de capacidades compatíveis com a projeção internacional do país. No entanto, como apontado em estudos críticos, a ênfase recai predominantemente sobre os aspectos tecnológicos e sistêmicos, com menor atenção à adaptação organizacional, o que levanta dúvidas sobre a profundidade transformadora do processo.
O COEB 2040, por sua vez, representa uma tentativa recente de consolidar uma nova Doutrina Militar Terrestre, orientada por conceitos como “operações de convergência” e pela geração de Elementos de Força (Elm F) baseados nos princípios FAMESI: Flexibilidade, Adaptabilidade, Modularidade, Elasticidade, Sustentabilidade e Interoperabilidade. Esses princípios refletem tendências doutrinárias modernas, alinhadas à lógica da guerra em rede e à necessidade de estruturas operacionais mais ágeis e interoperáveis. O acrônimo FAMESI, evolução do FAMES proposto em 2013, sinaliza uma preocupação crescente com a capacidade de adaptação da força às exigências de um ambiente operacional dinâmico e multidimensional. Ainda assim, o COEB não apresenta parâmetros claros para uma reestruturação organizacional abrangente, o que limita seu potencial como vetor de transformação profunda.
Já o Sistema de Planejamento do Exército (SIPLEx), criado em 1985, constitui um marco metodológico na condução do planejamento estratégico da Força Terrestre. Sua origem remonta à conjuntura pós-Guerra das Malvinas, quando o Exército Brasileiro identificou a necessidade de sistematizar seus processos de reestruturação diante da possibilidade de conflitos convencionais em larga escala. O SIPLEx foi concebido para organizar o planejamento em três horizontes temporais — curto, médio e longo prazo —, permitindo a implementação gradual de mudanças estruturais, operacionais e doutrinárias.
A metodologia do SIPLEx orienta a formulação de planos como o Plano Estratégico do Exército (PEEx), os Projetos Estratégicos da Força e iniciativas como a Estratégia Braço Forte. Por meio de fases sucessivas e articuladas, o sistema busca garantir coerência entre diagnóstico, formulação de objetivos, definição de capacidades e previsão de recursos. Embora não configure uma RAM, o SIPLEx representa uma ferramenta eficaz para promover mudanças evolucionárias, especialmente em contextos de restrição orçamentária, estabilidade institucional e necessidade de adaptação gradual.
Sua lógica incremental e adaptativa o aproxima do conceito de modernização, conforme definido por Sloan (2008) e pelos documentos doutrinários do próprio Exército Brasileiro. Ao permitir o aprimoramento contínuo de estruturas, técnicas e equipamentos dentro de paradigmas já estabelecidos, o SIPLEx tem sido fundamental para sustentar a evolução da Força Terrestre ao longo das últimas décadas.
Discussão Teórica
A análise dos processos de mudança militar revela que a RAM, a transformação e a modernização representam dinâmicas distintas, embora interligadas. Cada uma dessas categorias possui características próprias quanto à profundidade, velocidade e seletividade das mudanças, e compreender suas diferenças é essencial para orientar diagnósticos estratégicos e decisões institucionais.
A RAM configura um fenômeno multidimensional, cuja efetividade depende da articulação simultânea entre tecnologia, doutrina e organização. Como demonstrado por Krepinevich (1994), não basta incorporar novos equipamentos ou sistemas: é necessário que esses meios estejam integrados a uma doutrina operacional inovadora e a uma estrutura organizacional compatível com os novos paradigmas de combate. A RAM implica ruptura — ela torna obsoletas competências anteriores e exige uma reconfiguração profunda da força.
A transformação, por sua vez, representa uma abordagem processual e planejada de mudança militar. Segundo a definição adotada pelo Exército Brasileiro (BRASIL, 2010), trata-se do desenvolvimento e implementação de novos conceitos e capacidades operacionais conjuntas, modificando o preparo, o emprego, as mentes, os equipamentos e as organizações. Sloan (2012) e Davis (2010) reforçam que, diferentemente da RAM, a transformação tende a preservar o que funciona, mesmo ao estabelecer novas competências. Ela compartilha os mesmos elementos estruturantes da RAM — tecnologia, sistemas, doutrina e organização — mas se distingue pela velocidade e seletividade das mudanças.
Já a modernização opera como um processo contínuo e incremental. Seu foco está no aprimoramento das capacidades existentes, dentro de modelos já consolidados. Trata-se de uma abordagem pragmática, especialmente útil em contextos de estabilidade institucional, restrições orçamentárias ou ausência de ameaças existenciais. No entanto, a modernização tende a preservar estruturas e lógicas operacionais que podem se tornar obsoletas diante de mudanças abruptas no ambiente estratégico.
Os limites de cada conceito tornam-se evidentes quando confrontados com cenários de alta intensidade e complexidade. A RAM exige coordenação institucional e capacidade de absorção tecnológica; a transformação demanda visão estratégica e planejamento de longo prazo; e a modernização, embora eficaz em manter a continuidade, pode se mostrar insuficiente diante de ameaças emergentes.
Nesse contexto, a importância de diagnósticos realistas e tempestivos torna-se evidente. A experiência do Exército Brasileiro com o Plano Diretor de 1970 e o Plano de Organização e Articulação de 1982 demonstra que mudanças estruturais bem-sucedidas foram precedidas por diagnósticos abrangentes, capazes de identificar deficiências operacionais, logísticas e organizacionais. Sem um marco zero claro — um ponto de partida bem definido — qualquer processo de mudança corre o risco de se perder em generalidades, sem parâmetros objetivos para avaliação de resultados.
A guerra na Ucrânia reforça essa necessidade. A capacidade russa de adaptar sua estrutura organizacional em tempo real, abandonando o modelo de BTG e retornando ao padrão divisionário, evidencia o papel central do diagnóstico operacional tempestivo como indutor de transformação. Mais do que reagir ao campo de batalha, trata-se de aprender com ele, e de transformar esse aprendizado em ação institucional concreta.
Assim, qualquer força armada que deseje se manter relevante no século XXI precisa dominar não apenas os conceitos de RAM, transformação e modernização, mas também a capacidade de diagnosticar sua própria estrutura com precisão e coragem. A mudança militar não é apenas uma questão de tecnologia, mas de lucidez estratégica.
Considerações Finais
A compreensão clara e crítica dos conceitos de Revolução em Assuntos Militares (RAM), transformação e modernização é indispensável para qualquer força armada que deseje se manter operacionalmente relevante em um ambiente estratégico em constante evolução. A RAM, como fenômeno multidimensional, exige a articulação simultânea entre tecnologia, doutrina e organização, e sua origem remonta à Revolução Técnico-Militar (RTM) formulada na União Soviética. Essa raiz teórica, muitas vezes ignorada nos círculos ocidentais, revela que a verdadeira revolução não está apenas na aquisição de novos meios, mas na transformação profunda da lógica de emprego da força.
A transformação, por sua vez, representa uma abordagem processual e planejada de mudança militar. Ela compartilha os elementos estruturantes da RAM, mas se distingue pela seletividade e pela preservação de competências anteriores. Trata-se de um caminho intermediário entre ruptura e continuidade, que exige visão estratégica e capacidade institucional de adaptação.
Já a modernização opera como um processo incremental, voltado para o aprimoramento das capacidades existentes dentro de modelos consolidados. Embora eficaz em manter a prontidão, a modernização pode se mostrar insuficiente diante de ameaças emergentes ou mudanças abruptas no ambiente operacional.
Nesse contexto, é essencial que as Forças Armadas brasileiras não caiam na armadilha de uma modernização meramente material, centrada na obtenção de equipamentos e sistemas, sem uma reestruturação profunda dos fatores que realmente determinam a capacidade militar. Um planejamento de uma Transformação, e mais ainda de uma RAM, não pode prescindir de medidas abrangentes em toda a cadeia representada pelo acrônimo do DOAMEPII — Doutrina, Organização, Adestramento, Material, Educação, Pessoal, Infraestrutura e Interoperabilidade. Esse olhar abrangente deve orientar qualquer esforço de transformação. Sem mudanças articuladas nesses oito pilares, qualquer avanço tecnológico corre o risco de se tornar cosmético, incapaz de gerar efeitos operacionais decisivos.
O Brasil, como ator global emergente e detentor de responsabilidades crescentes no cenário internacional, não pode se furtar ao debate sobre os rumos da mudança militar. A observação crítica de conflitos contemporâneos e a análise rigorosa das tendências doutrinárias globais devem orientar o desenvolvimento de capacidades compatíveis com os desafios do século XXI. Mais do que reagir às transformações externas, é necessário antecipá-las e, quando possível, influenciá-las.
Nesse sentido, o investimento em diagnósticos estratégicos realistas e tempestivos, em planejamento de longo prazo e em doutrina adaptativa torna-se imperativo. A mudança militar não é um fim em si, mas um meio para garantir que a força armada permaneça capaz de cumprir sua missão constitucional com eficácia, legitimidade e inteligência estratégica.
Referências
BRASIL. Exército Brasileiro. Portaria do Estado-Maior do Exército n° 075, de 10 de junho de 2010. Aprova a Diretriz para Implantação do Processo de Transformação do Exército. Brasília: EME, 2010.
BRASIL. Exército Brasileiro. Portaria do Estado-Maior do Exército n° 971, de 10 de fevereiro de 2023. Aprova o Conceito Operacional do Exército Brasileiro 2040. Brasília: EME, 2023.
DAVIS, Paul K. Military Transformation? Which Transformation, and What Lies Ahead? Santa Monica: RAND Corporation, 2010.
GOGUA, Giga. A revolution in military affairs and modern armaments in the Russia-Ukraine war of 2022–2023. Future Human Image, v. 20, p. 42–45, 2023. Disponível em: https://abrir.link/scFyF.
KREPINEVICH, Andrew F. Cavalry to computer: the pattern of military revolutions. The National Interest, nº 37, p. 30–42, 1994.
MARTYANOV, Andrei. The (Real) Revolution in Military Affairs. Atlanta: Clarity Press, 2019.
SLOAN, Elinor C. Modern Military Strategy: an introduction. New York: Routledge, 2012.
TEIXEIRA JÚNIOR, A. W. M.; GAMA NETO, R. B. O papel da tecnologia na concepção de transformação do Exército Brasileiro: caímos na armadilha da Revolução dos Assuntos Militares? In: 10º ENABED – Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos de Defesa, 2018. Disponível em: https://abrir.link/KvuGJ.








