
A nova resolução do Conselho de Segurança da ONU reacende o debate sobre segurança internacional, soberania nacional e o papel do Brasil em operações de paz; O Haiti volta ao centro da geopolítica hemisférica e, quem sabe, da memória estratégica brasileira.
A aprovação da Força Multinacional de Repressão a Gangues (GSF) pelo Conselho de Segurança da ONU, em 1º de outubro de 2025, marca mais um capítulo na longa e conturbada história das intervenções internacionais no Haiti. Com um mandato inicial de 12 meses, a GSF trabalhará em estreita coordenação com a Polícia Nacional e as Forças Armadas do Haiti. A missão terá como prioridade operações de inteligência para neutralizar facções, proteger infraestruturas críticas, apoiar o acesso humanitário e oferecer proteção a grupos vulneráveis.
A proposta, liderada por Panamá e Estados Unidos, foi aprovada por 12 votos a favor e três abstenções: China, Rússia e Paquistão. A ausência de veto por parte de potências como China e Rússia sinaliza uma rara convergência diplomática em torno da urgência da crise haitiana. Ainda assim, a composição da força permanece indefinida, e o Brasil, que outrora liderou a MINUSTAH, não confirmou participação.
Contexto Histórico e o Papel Brasileiro
A MINUSTAH, criada em 2004 após a deposição de Jean-Bertrand Aristide, foi a mais longa e complexa missão da ONU no Haiti. O Brasil assumiu o comando militar da força desde o início e enviou mais de 37 mil militares e policiais ao longo de 13 anos. A atuação brasileira foi marcada por operações de pacificação, apoio à reconstrução institucional e intensa presença humanitária, especialmente após o terremoto de 2010, que deixou mais de 200 mil mortos. Na tragédia, o Brasil perdeu 18 militares e quatro civis, incluindo a médica Zilda Arns.
O custo direto da participação brasileira na MINUSTAH ultrapassou R$ 2 bilhões, segundo estimativas do Ministério da Defesa e da ONU. Além disso, o Brasil contribuiu com US$ 55 milhões ao fundo de reconstrução do Haiti após o terremoto. Esses números refletem não apenas o esforço logístico e operacional, mas também o investimento político e diplomático feito pelo país.
Apesar dos avanços, a missão enfrentou críticas por abusos cometidos por tropas estrangeiras, dependência prolongada da presença internacional e ausência de soluções estruturais para a pobreza e a violência. O encerramento da MINUSTAH em 2017 deixou um vácuo institucional que se agravou nos anos seguintes.

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A Nova Missão e Seus Dilemas
A GSF surge como resposta à falência da missão anterior, a MSS, criada em 2023, que enfrentou sérias limitações de financiamento e capacidade operacional. A nova força, com previsão de 5.550 integrantes, promete ser mais robusta e ofensiva. No entanto, os dilemas persistem: como garantir legitimidade local? Como evitar a repetição de erros passados? E, sobretudo, como equilibrar a presença internacional com o fortalecimento da soberania haitiana? Seria uma missão policial, militar ou mista?
O Conselho de Segurança foi claro ao afirmar que a responsabilidade primária pela segurança continua sendo do governo haitiano, que precisa enfrentar a corrupção, o tráfico de armas e o recrutamento de crianças por grupos armados. A GSF deverá apoiar, e não substituir, as instituições locais.
Reflexões Estratégicas e o Dilema Brasileiro
Para o Brasil, a nova missão representa um dilema diplomático. Participar significaria retomar o protagonismo em operações de paz e reafirmar sua vocação humanitária. Por outro lado, a conjuntura interna e os custos políticos e financeiros de uma nova intervenção podem pesar contra. Além disso, há um fator geopolítico relevante: as relações com os Estados Unidos.
As rusgas recentes entre Brasília e Washington, especialmente em temas da política interna brasileira, mas também no âmbito da segurança regional, meio ambiente e governança multilateral, podem se tronar um complicador para a adesão brasileira à missão. Por outro lado, o fato de a GSF ser de interesse direto dos EUA pode abrir espaço para negociações mais amplas, envolvendo não somente a participação de um contingente brasileiro, mas aspectos de cooperação técnica, financiamento compartilhado e até acordos bilaterais em outras frentes. A diplomacia brasileira, historicamente pragmática, pode enxergar na missão uma oportunidade de reposicionamento estratégico.
Conclusão
A história das missões da ONU no Haiti é, acima de tudo, uma história de limites. Limites da força, da diplomacia, da solidariedade e da paciência internacional. O retorno da ONU ao Haiti exige mais do que tropas: exige visão estratégica, compromisso político e respeito à soberania. E exige, talvez, que o Brasil decida se ainda quer, e pode, ser protagonista nesse tabuleiro.
Referência
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. ONU aprova nova “força de supressão” no Haiti após aumentar violência de gangues. ONU News, 1º de outubro de 2025. Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2025/10/1851138.








