A Rússia Está Testando as Defesas da OTAN?

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Imagem meramente ilustrativa, gerada por inteligência artificial.

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A frequência e a natureza dos incidentes recentes com aeronaves e drones russos podem indicar uma estratégia de Moscou para testar as defesas e a unidade da OTAN.


A série de incidentes recentes envolvendo aeronaves e drones russos no espaço aéreo (ou próximo) de países membros da OTAN tem levado analistas e líderes ocidentais a concluírem que a Rússia está conduzindo uma campanha para testar as defesas aéreas e a vontade política da aliança atlântica.

Esses eventos, que para alguns constituem a mais grave crise de segurança da Europa em décadas, têm sido vistos não como meros incidentes, mas como uma estratégia calculada por parte de Moscou.

Evidências

Os incidentes são numerosos e revelam um padrão de comportamento que vai além de “erros” operacionais:

Violações do Espaço Aéreo Estoniano: Em 19 de setembro, três caças MiG-31 russos entraram no espaço aéreo estoniano por 12 minutos (tempo que pode ser considerado uma “eternidade” em termos de defesa aérea). Esses caças não tinham um plano de voo declarado e seus transponders estavam desligados (como é comum). O ministro das Relações Exteriores da Estônia, Margus Tsahkna, classificou o episódio como uma “audácia sem precedentes” e apontou que a Rússia já havia violado o espaço aéreo estoniano quatro vezes no ano, classificando os eventos como “inaceitáveis”;

Intrusões e Abates na Polônia: Entre 9 e 10 de setembro, 19 drones russos violaram o espaço aéreo polonês. Semanas antes, a Polônia já havia relatado a entrada de cerca de 20 drones russos em seu território, alguns dos quais teriam sido abatidos pelas defesas aéreas da OTAN, marcando a primeira vez que forças da aliança se envolveram diretamente no conflito após a invasão russa da Ucrânia;

Drones na Romênia: A Romênia afirmou na semana passada que seu radar detectou um drone russo em seu espaço aéreo, levando ao envio de caças para interceptá-lo;

• Voos Próximos no Mar Báltico: Em 20 de setembro, dois caças russos sobrevoaram a plataforma petrolífera Petrobaltik, no Mar Báltico, violando sua zona de segurança e voando a uma altitude de aproximadamente 150 metros. Além disso, caças da Alemanha e da Suécia decolaram para interceptar e rastrear uma aeronave de vigilância russa que voava sem identificação, também sobre o Mar Báltico.

A frequência, a natureza dessas incursões (aeronaves sem identificação, transponders desligados, voos em baixa altitude) e as declarações de diversas autoridades e analistas ocidentais convergem para uma avaliação de que a Rússia está conduzindo uma campanha “para testar as defesas aéreas e a vontade política da OTAN”.

Motivações

A ser confirmado, diversos poderiam ser os objetivos de Moscou com essas ações:

Coleta de Inteligência: A Rússia poderia estar coletando informações valiosas sobre os sistemas de alerta e as capacidades de resposta da OTAN, tanto em termos técnicos quanto operacionais;

• Avaliar a Determinação da Aliança: Moscou poderia estar verificando a prontidão e a determinação política da OTAN, explorando se há hesitação ou divisão entre seus membros sobre como responder. O objetivo seria testar a credibilidade da aliança e, se possível, semear dúvidas sobre o compromisso de defesa mútua (Artigo 5);

Dividir a OTAN: Ao provocar os países da linha de frente individualmente ou em grupos, a Rússia poderia estar procurando instigar questionamentos, do tipo “você está disposto a entrar em guerra com a Rússia em nome dos Estados Bálticos?”, visando isolar membros e enfraquecer a coesão da aliança;

Desviar Recursos e Foco: Ao criar tensões em suas fronteiras com a OTAN, a Rússia poderia estar procurando forçar os países ocidentais a redirecionarem recursos e atenção que poderiam ser destinados à Ucrânia;

• Explorar Vulnerabilidades: A Rússia poderia estar tentando expor fraquezas militares de países menores, como a Estônia (que não possui força aérea), ou vulnerabilidades geográficas estratégicas.


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Reação da OTAN

A resposta da OTAN tem sido de condenação e, em alguns casos, de interceptação imediata, mas também revela um debate interno sobre a melhor abordagem:

• Condenação Veemente: Países como a Estônia, Polônia, Romênia e o Reino Unido condenaram as ações russas nas Nações Unidas e em outros fóruns. A secretária de Relações Exteriores britânica, Yvette Cooper, declarou que as “ações imprudentes [da Rússia] colocam em risco um confronto armado direto entre a OTAN e a Rússia”, alertando que a aliança está pronta para defender seu território e espaço aéreo;

• Prontidão e Interceptação: A Itália, responsável pelo policiamento aéreo nos países bálticos, enviou caças F-35 para interceptar aeronaves russas. Os EUA, através de seu enviado à ONU, Michael Waltz, reafirmaram que defenderão “cada centímetro do território da OTAN”;

• Chamados por Ação Decisiva: O ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Andrii Sybiha, insistiu que as ameaças russas “não devem ser escoltadas, nem por 12 minutos, nem por um minuto. Elas devem ser neutralizadas”. Analistas como Moritz Brake argumentam que uma “abordagem de força” — incluindo o abate de jatos russos — seria mais segura do que a hesitação, citando o precedente da Turquia em 2015;

• Cautela e “Linha Vermelha”: No entanto, há também uma preocupação com escalada. O presidente letão Edgars Rinkēvičs observou que a Rússia está fazendo “apenas o suficiente para não cruzar a linha vermelha”. O vice-primeiro-ministro polonês, Radoslaw Sikorski, embora tenha afirmado que aeronaves que invadam o espaço polonês seriam abatidas (“vocês foram avisados”), também reconheceu a necessidade de cautela para não desencadear “uma fase muito aguda do conflito”;

• Críticas à Resposta da OTAN e à Liderança dos EUA: Críticos afirmam que a resposta da OTAN é branda, minimizando a gravidade das provocações russas como “comportamento imprudente”. Há preocupações de que a “incapacidade de resposta da OTAN” e o “silêncio ensurdecedor” da Casa Branca (especialmente a postura de Donald Trump) possam encorajar Vladimir Putin, dando-lhe um “sinal verde para continuar humilhando e dividindo a aliança”.

Posição da Rússia

Moscou nega veementemente todas as acusações e descarta as preocupações europeias:

O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, e o vice-embaixador russo na ONU, Dmitry Polyanskiy, afirmaram que as alegações são “infundadas” e visam “aumentar as tensões”, acusando as potências europeias de fazerem acusações sem provas e de participarem de um “teatro do absurdo”;

• A Rússia frequentemente argumenta que suas operações são rotineiras e que as manobras da OTAN perto de suas próprias fronteiras não recebem a mesma indignação. A visão russa é que os países bálticos, em particular, atuam como “provocadores úteis”, dramatizando cada incidente para justificar um maior envolvimento da OTAN e fortalecer sua própria posição estratégica.

Conclusão

A análise dos eventos, ocorridos em um espaço de tempo relativamente curto, indicam que a Rússia poderia realmente estar testando as defesas da OTAN. Assumindo-se que todos os eventos sejam reais (e não fruto de uma “guerra de propaganda”), os incidentes não parecem ser isolados ou acidentais, mas sugerem um padrão de comportamento que poderia indicar uma estratégia de Moscou para sondar, coletar inteligência e medir a prontidão militar e a unidade da OTAN.

Se este for o caso, isso pode indicar uma mudança de atitude por parte da Rússia, ou uma mudança de fase em uma estratégia previamente traçada. Resta saber como a OTAN vai reagir. Os eventos dos próximos dias e semanas devem ser acompanhados com atenção.

Referências

CLAYTON, Freddie. Putin is testing NATO. How will it respond? NBC News, 22 de setembro de 2025. Disponível em: https://www.nbcnews.com/world/russia/putin-testing-nato-defenses-russia-europe-drones-jets-baltics-rcna232876.

D’AUZON, Olivier. ANALYSE – L’Estonie et la Russie : Un incident aérien dans la grande dramaturgie balte. Le Diplomate.Media, 22 de setembro de 2025. Disponível em: https://lediplomate.media/2025/09/analyse-estonie-russie-incident-aerien-grande-dramaturgie-balte/olivierdauzon/monde/europe.

IRISH, John; BALMFORTH, Tom. West, Russia clash at UN after incidents in NATO air space. Reuters, 22 de setembro de 2025. Disponível em: https://www.reuters.com/world/europe/russia-actions-risk-direct-confrontation-with-nato-britain-says-2025-09-22.

LUCAS, Edward. Test: Found Wanting. Center for European Policy Analysis (CEPA), 22 de setembro de 2025. Disponível em: https://cepa.org/article/test-found-wanting.

RODIER, Alain. ANALYSE – Maintenant c’est sûr, la Russie teste les défenses de l’OTAN. Le Diplomate.Media, 20 de setembro de 2025. Disponível em: https://lediplomate.media/2025/09/analyse-maintenant-russie-teste-defenses-otan/alain-rodier/monde/russie-et-ukraine.

US think tank: Russia is testing NATO air defense. NHK World, 22 de setembro de 2025. Disponível em: https://www3.nhk.or.jp/nhkworld/en/news/20250923_02.

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