
A operação “Carbono Oculto” revelou o império bilionário do PCC e o fracasso do Estado brasileiro em conter essa máfia, que se tornou um Estado paralelo e se tornou em ameaça à soberania nacional.
Na manhã de 28 de agosto de 2025, o Brasil assistiu a uma das maiores operações contra o crime organizado de sua história. A ação, batizada de “Carbono Oculto”, mobilizou 1.400 agentes em oito estados, cumpriu 350 mandados de busca e apreensão e bloqueou cerca de R$ 1 bilhão em bens. Segundo o Financial Times (2025), somente entre 2020 e 2024, o Primeiro Comando da Capital (PCC) movimentou R$ 52 bilhões no setor de combustíveis, R$ 46 bilhões em fintechs chamadas de shadow banking e R$ 30 bilhões em fundos de investimento, além de controlar usinas de etanol, caminhões, fazendas e terminais portuários. Um verdadeiro império empresarial do crime, operando sob a fachada da “legalidade”.
Fundado em 31 de agosto de 1993, no presídio de Taubaté (SP), o PCC surgiu como uma pretensa defesa dos “direitos” dos presos. Rapidamente, no entanto, transformou-se em uma organização criminosa de proporções inéditas no Brasil. Sua brutalidade ficou evidente nos Crimes de Maio de 2006, quando a facção desencadeou ataques em São Paulo, deixando policiais e civis mortos em série. E não parou por aí: em junho de 2016, em Pedro Juan Caballero, no Paraguai, o PCC executou Jorge Rafaat Toumani, conhecido como “Rei da Fronteira”. O ataque, realizado com metralhadoras antiaéreas em plena via pública, foi noticiado pelo El País e escancarou a capacidade da facção de operar como exército paramilitar transnacional.
Hoje, o PCC é muito mais que uma facção: tornou-se um Estado paralelo, com tribunais internos, sistema de arrecadação, aparato militar e um império econômico bilionário. E isso só foi possível porque o Estado brasileiro falhou em agir preventivamente. Durante três décadas, o poder público limitou-se a respostas tardias: prisões superlotadas, ausência de inteligência financeira, investigações demoradas e um discurso oficial que chega a beirar a complacência. Exemplo disso, é a recente informação: o Ministério da Justiça informou a autoridades dos EUA que o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o Comando Vermelho não podem ser considerados máfias ou organizações terroristas, mas apenas grupos criminosos voltados ao lucro.

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Essa visão reducionista é, ao mesmo tempo, ingênua, perigosa e preocupante. Se uma organização que movimenta bilhões, infiltra-se em empresas, executa rivais com armamento pesado e controla territórios não é uma máfia, o que seria? O problema não é apenas de nomenclatura. A Constituição Federal, em seu art. 144, impõe ao Estado o dever de garantir a segurança pública. O art. 170 exige a defesa da ordem econômica contra abusos. A Lei 9.613/1998 manda punir com rigor a lavagem de dinheiro. No entanto, o que se vê é a contradição: o Estado que deveria combater, na prática alimentou a engrenagem criminosa. Um sistema de repressão tardio é ineficaz, porque quando o Estado finalmente age, o crime já se encontra institucionalizado, como no presente caso.
O resultado está diante de nós: comunidades inteiras subjugadas pelo domínio da facção; economias locais corrompidas por esquemas de lavagem de dinheiro; agentes públicos cooptados; e um patrimônio bilionário dissimulado em negócios formalmente constituídos. O Primeiro Comando da Capital deixou de ser apenas uma questão de segurança pública. Trata-se, hoje, de um problema de soberania nacional. É um câncer institucional que o Estado permitiu crescer, limitando-se a medidas paliativas que, agora se revela, foram manifestamente ineficazes. Ignorada em seus estágios iniciais, essa patologia alastrou-se para órgãos vitais da estrutura estatal. Diante da metástase, o Brasil tenta improvisar cirurgias de emergência que talvez já não bastem para conter a degradação sistêmica.
A operação “Carbono Oculto” foi necessária. Mas não deve ser comemorada como vitória. Ela é, antes de tudo, a prova do fracasso histórico do Estado brasileiro em impedir que uma facção de presídio se transformasse em máfia bilionária. O preço da negligência se mede não apenas nos bilhões bloqueados pela Justiça, mas nas milhares de vidas ceifadas, nas instituições corrompidas e no poder consolidado de uma organização que nunca deveria ter existido neste patamar.
Referências
EL PAÍS. Brasil golpea al crimen organizado con una mega operación contra su negocio energético. 28 de agosto de 2025. Disponível em: https://elpais.com/america/2025-08-28/brasil-golpea-al-crimen-organizado-con-una-megaoperacion-contra-su-negocio-energetico.html.
EL PAÍS. Matan al narcotraficante Jorge Rafaat, el rey de la frontera entre Paraguay y Brasil. 16 de junho de 2016. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2016/06/17/politica/1466198112_870703.html.
FINANCIAL TIMES. Brazil raids cartel’s alleged multibillion-dollar money laundering scheme. 28 de agosto de 2025. Disponível em: https://www.ft.com/content/950c77e9-f311-4833-b74e-aed42b14e6bf.
VERO NOTÍCIAS. Governo diz aos EUA que PCC e CV não são terroristas, mas organizações criminosas. 19 de agosto de 2025. Disponível em: https://veronoticias.com/politica/governo-diz-aos-eua-que-pcc-e-cv-nao-sao-terroristas-mas-organizacoes-criminosas/.
WIKIPÉDIA. Primeiro Comando da Capital. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Primeiro_Comando_da_Capital.








