Guerra na Ucrânia: É Tempo de Reflexão

Compartilhe:
Imagem meramente ilustrativa, gerada por inteligência artificial.

Por Olivier Dujardin*

Imagem meramente ilustrativa, gerada por inteligência artificial.

A Guerra Russo-Ucraniana está levando a mudanças profundas na condução de conflitos, para muito além das concepções tradicionais; Exige reflexões sérias sobre questões concretas, que vão desde reavaliação de doutrinas e uso de equipamentos até soberania.


Todas as guerras trazem consigo sua parcela de lições. Quanto mais se arrastam, mais essas lições se multiplicam, à medida em que os conflitos evoluem com as inovações materiais e táticas dos protagonistas, que são forçados a se adaptar constantemente ao progresso do adversário.

Analisar as lições aprendidas com a guerra entre a Rússia e a Ucrânia levará, sem dúvida, anos. Poderíamos até falar de várias guerras, dadas as mudanças marcantes entre 2022 e 2025. Esta é uma característica constante de conflitos industriais longos, onde os beligerantes dispõem de meios materiais para inovar e se adaptar.

No entanto, esta guerra se destaca por sua notável ruptura com as anteriores, devido à escala das mudanças observadas. O impacto da tecnologia nas doutrinas e táticas raramente foi tão decisivo. Muitos conceitos doutrinários firmemente ancorados em nossas forças armadas em 2022 parecem agora ser seriamente questionados.

Aqui está uma lista — não exaustiva —, das principais áreas de reflexão inspiradas por esta guerra.

Robotização e Drones no Campo de Batalha

Os drones são, sem dúvida, a principal inovação tecnológica e o principal desenvolvimento tático que transformou o campo de batalha. Simultaneamente de baixo custo e alta tecnologia, são amplamente utilizados em missões de reconhecimento, ataque e mesmo abastecimento. Essa ampla adoção exige a existência de linhas de produção capazes de atender aos volumes necessários, mas também de adaptar os modelos fabricados em tempo quase real às mudanças nas necessidades operacionais.

Os drones, portanto, exigem uma reformulação fundamental do modelo de produção industrial em tempo de guerra, bem como o uso de certos equipamentos, como veículos blindados, que estão altamente expostos a essa ameaça.

Esta questão da robotização e dos drones, por si só, merece uma longa discussão [1].


[1] CERBAIR; DUJARDIN, Olivier; MANIGLIER, Lauraline. Drones et lutte anti-drones. Veja: https://www.editions-ellipses.fr/accueil/16059-drones-et-lutte-anti-drone-9782340106024.html?srsltid=AfmBOoq-LmL9eRvjYOuTbvc_aICZhHESTTSj8S-ji-zHJV3Hbo4m00jd.


Mísseis Balísticos/Hipersônicos

Muito mais difíceis de serem interceptados por sistemas de defesa aérea, esses mísseis oferecem uma probabilidade de acerto significativamente maior do que os mísseis de cruzeiro tradicionais, a um custo moderadamente mais alto. Diante de sistemas de defesa aérea densos e modernos, eles oferecem atualmente a melhor relação custo-benefício.

Combinados com drones de ataque de longo alcance e baixo custo, eles exigem uma reformulação fundamental dos atuais sistemas de defesa aérea para melhorar sua capacidade de sobrevivência e eficácia, mas também para evitar o consumo desproporcional de munição devido à diferença de custo entre a ameaça e sua interceptação.

Embora a França possua genuína expertise nesse campo, ela não foi totalmente explorada, pois a crença predominante após a Guerra Fria era de que tais armas não eram mais necessárias em um contexto em que os principais adversários eram grupos jihadistas mal equipados. Poucas pessoas se lembram de que a França lançou o míssil Hades no início da década de 1990, cujas características eram semelhantes às do russo Iskander-M. No entanto, seu propósito estritamente nuclear o condenou, justamente quando a França estava abandonando seu componente nuclear terrestre.

Importância da Infantaria

Há muito negligenciada em favor das chamadas armas “técnicas”, essa guerra altamente tecnológica nos lembra que somente a infantaria conquista e mantém território. Por mais moderno e sofisticado que seja, um exército não pode prescindir da massa de infantaria, um elemento essencial de sua capacidade de combate e resiliência. É também a infantaria que sofre a maior parte das baixas, o que inevitavelmente levanta uma questão fundamental: como conciliar a necessidade de um grande número de tropas com a dificuldade de recrutar voluntários, cientes de que serão os mais expostos, tanto às condições de vida na frente de batalha quanto às perdas humanas?

Isso, portanto, apresenta um triplo desafio: recrutar um número suficiente de voluntários, treiná-los adequadamente para que possam enfrentar a complexidade tática e técnica dos conflitos contemporâneos e fazê-lo dentro de um período de treinamento relativamente curto, a fim de compensar gradualmente as perdas registradas.

Essa questão exige uma reflexão profunda dentro das Forças Armadas para encontrar o equilíbrio certo entre a duração do treinamento, as habilidades esperadas e a atratividade de uma especialidade particularmente arriscada.

Fogo em Profundidade

Por muito tempo negligenciados pelos exércitos após a Guerra Fria, a artilharia e os lançadores múltiplos de foguetes recuperaram sua utilidade para fogo em profundidade, particularmente quando a densidade das defesas aéreas proíbe o uso de aeronaves. As bombas planadoras contornam parcialmente essa restrição, mas a necessidade de apoio de fogo permanece tal que a aviação não consegue atendê-la sozinha, especialmente porque o número de aeronaves disponíveis nos arsenais foi consideravelmente reduzido devido ao seu custo crescente.

A artilharia e os lançadores de foguetes, portanto, continuam essenciais, mas em número insuficiente em nossos arsenais, para destruir posições inimigas, centros de comando, depósitos de munição e infraestrutura logística profunda, bem como para conduzir fogo de contrabateria. Sua eficácia agora depende fortemente das capacidades de vigilância e designação de alvos, possibilitadas pelo uso generalizado de drones.

Estoques Estratégicos

Esta guerra demonstra a importância estratégica de manter grandes estoques de munição e equipamentos de reserva. Essas reservas são essenciais para dar à indústria de defesa tempo para aumentar a produção e atender às necessidades de equipamentos e munições. Russos e ucranianos conseguiram sobreviver graças aos enormes estoques herdados da URSS, situação que teria sido impossível na maioria dos países europeus, onde a maior parte foi descartada por questões contábeis.

Isso leva a uma reformulação fundamental dos volumes de equipamentos a serem encomendados. Hoje, as quantidades de produção são baseadas na lógica do estritamente necessário, ou mesmo do mínimo indispensável, sem levar em conta o desgaste ou o planejamento antecipado para compensar perdas. Isso também levanta a questão do que acontecerá com nossos equipamentos desativados, especialmente os veículos. Mesmo que sejam “obsoletos” para os padrões atuais, podem cumprir muitas missões secundárias, como a guerra na Ucrânia demonstrou. Sem dúvida, seria sensato manter um estoque estratégico de equipamentos desativados que possa ser usado em caso de um grande conflito.

Da mesma forma, seria apropriado considerar gamas de veículos mais simples, que possam ser produzidas rapidamente para atender às necessidades mais urgentes. Todas essas são áreas de pensamento que se afastam da lógica da lucratividade contábil de curto prazo que dominou as últimas três décadas.


LIVRO RECOMENDADO:

Guerra na Ucrânia: Análises e perspectivas. O conflito militar que está mudando a geopolítica mundial (2ª Edição)

• Rodolfo Laterza e R. Cabral (Autores)
• Edição em português
• Capa comum


Logística

Assunto pouco atraente, mas absolutamente fundamental, a logística foi profundamente desafiada por esta guerra. Ela apresenta um problema singular: como garantir o abastecimento quando qualquer movimento pode ocorrer sob a constante ameaça da vigilância por drones?

O fluxo logístico já era uma questão complexa: garantir o abastecimento contínuo das forças da linha de frente, gerenciar depósitos e garantir a remoção de obstáculos quando estradas, pontes e infraestrutura são danificadas ou destruídas. Somando-se a essas dificuldades, agora está o imperativo da discrição, mesmo na retaguarda. Hoje, toda a faixa entre a linha de frente e 100 a 150 quilômetros atrás provavelmente será monitorada e, portanto, exposta a ataques.

A questão é multifacetada, pois diz respeito tanto à logística do teatro de operações, no nível estratégico, quanto à logística de contato, no nível tático, ou mesmo microtático, com unidades menores e mais dispersas.

No nível estratégico, devemos priorizar veículos menores e mais numerosos para limitar o impacto da perda de um único veículo, mesmo que isso signifique mobilizar mais pessoal? Devemos considerar a robotização ou, ao contrário, fortalecer a proteção dos veículos de transporte para que se protejam contra ataques de drones e munições cluster?

No nível tático, considera-se o uso de reabastecimento totalmente assistido por drones, o uso generalizado de veículos muito leves (buggies, quadriciclos) ou, inversamente, veículos fortemente blindados, verdadeiras “tartarugas” capazes de resistir a golpes?

Todas essas são questões fundamentais que precisam ser respondidas, visto que nossas cadeias de suprimentos estão atualmente completamente despreparadas para esse tipo de guerra.

Papel da Aviação de Combate

A questão pode parecer trivial, mas, fora das primeiras semanas do conflito, uma vez instaladas e organizadas as defesas terra-ar, ambos os lados conseguiram negar ao outro o acesso ao seu próprio espaço aéreo. O apoio aéreo aproximado desapareceu, e apenas ataques remotos com mísseis ou bombas guiadas permanecem possíveis.

Mesmo durante a Operação Leão em Ascensão, a Força Aérea israelense, apesar dos esforços eficazes para suprimir as defesas terra-ar, dos ataques cibernéticos contra a infraestrutura de comando, da eliminação de vários generais e da destruição de uma Força Aérea iraniana fraca e obsoleta, favoreceu ataques à distância sempre que possível para reduzir os riscos às suas aeronaves.

Na prática, embora algumas aeronaves de combate agora se beneficiem de um certo grau de furtividade por radar, seu custo e raridade em arsenais levam seus operadores a limitarem seu uso em território inimigo defendido. Isso levanta a questão: é apropriado equipar aeronaves com recursos que as tornam tão caras que ninguém realmente ousa arriscar?

É claro que essa reflexão vai além das missões ar-solo e deve incluir também outras missões, em particular o combate ar-ar. Ela levanta uma questão mais ampla sobre o próprio formato das frotas aéreas modernas: devemos continuar a privilegiar aeronaves multifuncionais, que permitem a otimização do tamanho da frota, mas são muito caras para adquirir e manter, ou devemos retornar às aeronaves especializadas, que são mais baratas e mais adequadas a cada missão, em detrimento de uma maior diversidade de modelos?

Perigo da Excessiva Midiatização

A Guerra Russo-Ucraniana é, sem dúvida, a primeira guerra de “patrocínio”. Assim como os Jogos Vorazes descritos por Suzanne Collins, o governo ucraniano buscou constantemente o apoio de seus parceiros internacionais, tanto para financiar o Estado quanto para obter armas e munições. Essa dependência exigiu o estabelecimento de comunicações em tempo de guerra que pudessem fomentar essa assistência.

Isso resultou em intensa cobertura da mídia, em grande parte alimentada por imagens de drones, mas também no lançamento de certas operações militares espetaculares — como a operação Kursk em agosto de 2024 — que se mostraram estrategicamente contraproducentes. O Exército ucraniano comprometeu recursos humanos e materiais significativos para objetivos cujo único propósito era manter o apoio de seus patrocinadores.

Essa observação serve como um lembrete de que as operações militares devem ser guiadas por um objetivo estratégico único, claramente definido e realista — o que nunca foi realmente o caso, nem do lado ucraniano nem do lado ocidental. No entanto, sem um objetivo claro, não há estratégia; e sem estratégia, não há meios apropriados.

Necessidade de Soberania

A dependência da Ucrânia da ajuda internacional ressalta a importância vital de ter plena soberania na produção e manutenção de suas armas e munições. Qualquer dependência externa implica lidar com os interesses estratégicos de fornecedores, que não estão necessariamente alinhados com os nossos. Não é sustentável, a longo prazo, ter que obter autorização de um terceiro país para usar armas adquiridas.

Esta realidade coloca em questão o desejo real de certos países europeus de construir uma verdadeira autonomia estratégica. De fato, observamos uma forma de esquizofrenia entre declarações políticas que afirmam esta ambição e ações concretas que, pelo contrário, refletem a continuidade de uma forte dependência, particularmente do lado americano, cujas consequências concretas temos visto no terreno.

* * *

A guerra que atualmente ocorre às portas da Europa está levando a mudanças profundas na condução dos conflitos, para muito além das conceções tradicionais. Longe da retórica oportunista, exige uma reflexão séria sobre a evolução dos conflitos e sobre uma série de questões concretas e práticas, das quais abordei aqui apenas alguns exemplos.

Também sublinha o vínculo indissociável entre a sociedade e a guerra, entre os voluntários no terreno e os recursos mobilizados nos bastidores, e destaca as tensões entre a comunicação midiática e os objetivos militares reais. Esta guerra ilustra a importância de preparar as forças armadas para conflitos complexos, tecnologicamente evoluídos e altamente dependentes da logística e da indústria, mantendo ao mesmo tempo uma verdadeira autonomia estratégica frente às dependências externas.

Em última análise, isso nos força a repensar nossa relação com a guerra e suas demandas, não dentro da estrutura teórica dos manuais militares, mas dentro da realidade concreta de um campo de batalha em constante evolução.


Publicado no Le Diplomate.Media.

*Olivier Dujardin é pesquisador associado do Cf2R (Centre Français de Recherche sur le Renseignement), chefe da seção de tecnologias e armamentos e consultor independente. Ele tem mais de 20 anos de experiência em guerra eletrônica, processamento de sinais de radar e análise de sistemas de armas. Ocupou cargos operacionais em guerra eletrônica, no estudo de sistemas de radar, guerra eletrônica e análise e coleta de sinais eletromagnéticos. Ele também ocupou o cargo de especialista técnico em sistemas de coleta SIGINT.

Compartilhe:

Facebook
Twitter
Pinterest
LinkedIn

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

____________________________________________________________________________________________________________
____________________________________
________________________________________________________________________

Veja também