Estimulando o Debate: Como o Pensamento Crítico pode levar à Maturidade Científica nas Instituições de Ensino Superior das Forças Armadas?

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Imagem meramente ilustrativa, gerada por inteligência artificial.

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A divergência controlada e o pensamento crítico, amparados por um Código de Ética, podem impulsionar a maturidade científica em instituições de ensino das Forças Armadas visando fortalecer a segurança nacional.


O oficial de Estado-Maior é um renovador e um criador. Deve lutar contra o conservantismo, tornando-se permeável a ideias novas, a fim de que possa escapar à cristalização, ao conformismo e à rotina.” Marechal Castello Branco.

As Forças Armadas, enquanto instituições fundamentais para a segurança nacional, enfrentam o desafio de equilibrar hierarquia e disciplina no desenvolvimento científico. O presente ensaio se inspira no artigo Com todo o respeito: Como incentivar a divergência de opiniões no Exército dos EUA (JAMISON, 2025), publicado na Military Review, e destaca que a contestação estruturada, quando conduzida com respeito à cadeia de comando, fortalece a tomada de decisões.

Essa premissa alinha-se à minha experiência haurida na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), onde a formação em Ciências Militares deve valorizar o pensamento crítico ou a divergência controlada, e na Escola Superior de Guerra (ESG/PPGSID), cuja abordagem multidisciplinar em Segurança Internacional deve expor os discentes a visões de mundo diversas. Em ambos os casos o papel dos docentes na busca pela maturidade científica deve prevalecer no sentido de não se privilegiar nenhuma corrente ideológica e sim o interesse e o desenvolvimento nacional.

Nesse contexto, a divergência controlada emerge como ferramenta essencial para se alcançar a maturidade científica nas Instituições de Ensino Superior (IES) das Forças Armadas nas seguintes instituições: Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), Escola de Guerra Naval (EGN), Universidade da Força Aérea (UNIFA), Escola Superior de Guerra (ESG), Instituto Militar de Engenharia (IME) e Instituto de Tecnologia da Aeronáutica (ITA), dentre outras, desde que pautada por princípios éticos claros.

A ausência de um Código de Ética comum entre estas instituições castrenses, cuja construção deve ser entre o corpo docente e discente, gera riscos à accountability e à governança pública, especialmente quando ideologias antagônicas influenciam discussões críticas. Se, por um lado, o confronto de ideias estimula a criatividade, por outro, exige mecanismos que preservem a integridade institucional, evitando polarizações infrutíferas.

Este artigo tem como objetivo analisar como a divergência controlada/pensamento crítico pode potencializar a maturidade científica nas referidas IES das Forças Armadas, sem comprometer seus valores basilares.

Como objetivos específicos, busca: (1) identificar os benefícios e limites do debate aberto em ambientes militares de alto nível, com base em experiência internacional, e (2) propor diretrizes para um Código de Ética Acadêmico, que assegure transparência e coerência nas interações discente-docente. A metodologia adotada é bibliográfica, fundamentada em literatura especializada, documentos doutrinários e casos comparativos.


Imagem: 104. Critical Thinking: The Neglected Skill Required to Win Future Conflicts, disponível em: https://madsciblog.tradoc.army.mil/104-critical-thinking-the-neglected-skill-required-to-win-future-conflicts/.

Para orientar a investigação, parte-se da seguinte pergunta de pesquisa: Como implementar a divergência controlada/pensamento crítico nestas instituições militares de ensino superior para se alcançar a maturidade cientifica?

A resposta exigirá equilibrar tradição e adaptação, considerando que a excelência operacional na ponta da atividade-fim depende tanto da disciplina quanto da capacidade de reinventar-se diante de novos desafios.

Conceito de Divergência Controlada/Pensamento Crítico e Maturidade Científica

A divergência controlada/pensamento crítico pode ser conceituado como um processo estruturado de contestação de ideias que visa aprimorar a tomada de decisões sem comprometer a coesão institucional. Diferente da discordância desregrada, ela opera dentro de limites éticos e hierárquicos predefinidos, assegurando que o debate crítico contribua para a maturidade científica — entendida como a capacidade de produzir conhecimento rigoroso, replicável e aplicável a cenários reais. Esse equilíbrio é particularmente relevante em academias militares, onde o pensamento crítico deve coexistir com princípios castrenses.

Já a maturidade científica, enquanto processo de consolidação de métodos, práticas e pensamento crítico na pesquisa, está diretamente relacionada à filosofia da ciência, especialmente nos aspectos da autocrítica, do contraditório e da dialética como fundamentos para o avanço do conhecimento, especialmente na obra de Karl Popper A Lógica da Pesquisa Científica, em que um sistema científico maduro expõe suas hipóteses ao erro, buscando refutar suas teorias, com o aperfeiçoamento advindo do teste crítico de suas teorias pelas contradições internas.

A maturidade científica tem por escopo a “qualidade do processo”, não somente o resultado, e refere-se ao grau de desenvolvimento, robustez e confiabilidade de práticas, metodologias, tecnologias ou operações em pesquisa, caracterizando um processo evolutivo que obedece a critérios de qualidade, reprodutibilidade, dialética e eficiência — e não apenas à produção de dados ou resultados.

A maturidade científica pressupõe que a ciência não é apenas um acúmulo de dados, mas um sistema em constante revisão, guiado por métodos críticos, debate racional e autocorreção de erros. Isso está no cerne do pensamento de diversos filósofos da ciência que defenderam a importância da crítica e do conflito como motores do progresso científico.

Por estas razões, docentes de instituições militares de Altos Estudos devem ser treinados para lidar com visões de mundo diversas (p/ex.: Direitos Humanos vs. Segurança Nacional) sem cair em autoritarismo ou relativismo, sem viés político de esquerda ou de direita, e caso seja abordado um tema afeto à liberdade (espectro da direita) ou igualdade (espectro da esquerda), que haja sempre espaço para o debate ético, respeitoso e com argumentos científicos.

A ECEME, por exemplo, tem a responsabilidade de habilitar o oficial às funções de comandante tático e de seu assessor de Estado-Maior.

A EGN, de produzir e disseminar pesquisas científicas e conhecimentos nas áreas de Defesa Nacional, Poder Marítimo, Guerra Naval e Administração, a fim de contribuir para a capacitação de pessoal e para a formulação de políticas, estratégias e doutrinas de alto nível da Marinha.

A UNIFA de promover a Gestão do Conhecimento no domínio aéreo e espacial no campo da Defesa de forma a suportar e desenvolver a capacidade do Comando da Aeronáutica em seus processos de tomada de decisão, relacionados ao Poder Aeroespacial Brasileiro, por meio da pós-formação acadêmica profissional atuando no ensino, pesquisa e extensão.

As outras instituições com foco em engenharia — naval e espacial — embora não tenham tantos temas que exigem posturas contraditórias/divergentes como as ciências humanas e sociais, podem aplicar o pensamento crítico na aplicação operacional.

Portanto, a maturidade científica em contextos castrenses manifesta-se quando instituições conseguem integrar pensamento divergente à metodologia robusta, evitando a fragmentação do conhecimento. É altamente provável que organizações militares com altos índices de maturidade científica utilizem cenários alternativos para testar hipóteses sem romper com a cadeia de comando. Tais práticas, quando reguladas por códigos de ética claros, transformam o conflito de ideias em vantagem estratégica.

Exemplo de falta de adoção deste critério em IES das Forças Armadas podem ser deduzidas do único artigo encontrado no site dessas instituições: apenas no site da Revista Meira Mattos há um artigo sobre pensamento crítico [1], de Sérgio Matos cuja conclusão foi, grifo meu:

Em síntese, verificou-se que o processo de desenvolvimento do Pensamento Crítico na Escola carece de sistematização e de fomento na sala de aula. Ainda assim, observaram-se potencialidades que permitem seu estímulo, como ocorre nos exercícios no terreno. Parte disso se deve à ‘cultura do grau’. O aluno tem receio de exercitar sua criatividade por imaginar que isso pode prejudicar sua nota no Curso. Assim, tende a cristalizar soluções que lhe garantam um bom desempenho na avaliação formal.

O autor destaca a importância do processo decisório do comandante tático no ambiente operacional via “exame da situação”, que considera as variáveis: missão, inimigo, terreno e condições meteorológicas, meios, tempo e considerações civis, onde se pergunta: Como haverá desenvolvimento dessas habilidades e competências em pensamento crítico se não for iniciado e estimulado, desde as formações acadêmicas, nas salas de aula, através de treino e prática?

Segue destacando a autonomia em Paulo Freire no ensino na criação de um ambiente permissivo:

Ademais, o foco na Andragogia e as particularidades da função de instrutor se alinham ao pensamento de Freire (1996, p. 22) sobre o que é fomentar a autonomia no ensino: ‘ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção’, autonomia esta que favorece a decisão em momentos críticos.

E conclui o autor apresentando os dados que sustentam suas conclusões, como para 50% dos discentes a forma de condução das aulas na ECEME não permitiram a discussão de temas que trouxessem flexibilidade e evolução doutrinária:



Isso pode ser aplicado aos civis formados nas IES das Forças Armadas, que comporão grupos de trabalho e equipes de pesquisa multidisciplinares. Portanto, sem o fundamento do pensamento crítico no projeto didático-pedagógico dessas IES das Forças Armadas e sem considerar sua importância, os alunos não são estimulados ao debate sadio e não se alcança a maturidade científica, o que inviabiliza a necessária capacidade autóctone de inovação e revolução em assuntos militares diante das novas tecnologias empregadas nos conflitos atuais.

Veja-se, por exemplo, que nos Estados Unidos tanto think tanks como RAND Corporation e Center for Strategic and International Studies (CSIS) quanto instituições como o National War College, tem centros de estudos sobre países estrangeiros como China e Rússia, o que não se observa aqui.

Relato da Experiência do Autor nas IES sobre Pensamento Crítico

Já no Brasil, em minha experiência em cursos, congressos, simpósios, ciclo de estudos, workshops e seminários realizados desde 2018 nas instituições referidas (ECEME, ESG, UNIFA, IME e EGN) pude observar a necessidade de avançar na maturidade cientifica do corpo docente e da diretoria destas instituições, desde o planejamento didático-pedagógico, seja nas linhas de pesquisas, na compra de livros estrangeiros, intercâmbios acadêmicos, eventos científicos, nas disciplinas e nos debates em sala de aula.

Ao manterem uma única linha de pesquisa baseada na produção e publicação de/em países ocidentais, quando alunos apresentam outras perspectivas, como os motivos e preocupações de outros países (China, Rússia, Irã etc.) com seus entornos estratégicos, interesses geopolíticos, como violações de acordos da OTAN, por exemplo, no movimento para o Leste europeu, suas opiniões não são respeitadas, aprofundadas e tratadas de forma científica.

Tomemos como exemplo os podcast, e portais como o Observatório Militar da Praia Vermelha (OMPV) [2] e canais do YouTube [3] que não apresentam maturidade científica, na medida em que apresentam apenas uma versão dos fatos, jamais convidam pesquisadores, especialistas ou pessoas dos países em conflito para entender e conhecer seus pontos de vista sobre o conflito, ao contrário de canais YouTube e podcast americanos, nos quais se vê e se ouve debates com representantes ou especialistas de países do outro lado do conflito como Rússia, Irã, China etc.

Desta forma, os supostos especialistas e doutores na matéria ciência militar e defesa nacional, centralizam o debate entorno de um único ponto de vista, destruindo a criatividade e o pensamento crítico de jovens oficiais e civis mestrandos e doutorandos. Não se expõem os segredos da espionagem americana pelo Pentágono publicados por Julian Assange no intitulado Wikileaks (2006), do ataque americano por helicóptero a Bagdá com a morte de 10 civis, dos mais de 77 mil documentos sobre a guerra do Afeganistão [4], e da exposição, por Edward Snowden (2013), sobre a interceptação e espionagem industrial na Petrobrás, a presidentes, chanceleres etc.

São debates que não aprofundam o “golpe” ao governo de Bashar al-Assad da Síria, realizado pelo ocidente em 2024, colocando o terrorista Mohammed al-Bashir procurado pelo FBI [5] no governo provisório, ou ainda o patrocínio de drogas pela CIA, o envolvimento indireto em golpes de estado e assassinato seletivo pelo Mossad e MI6 ou atuação em revoluções coloridas ao redor do mundo, geralmente em áreas de influência ocidental — leia-se OTAN — contestadas pelos povos e populações locais.

Por exemplo, o Seminário: Influência da Política Externa dos EUA no cenário mundial publicado no canal da ECEME no YouTube [6], não apresenta um caráter científico, na medida em que não submete sua tese ao contraditório e a outras perspectivas; o contrário do que se fosse convidado um especialista que tivesse pesquisas científicas contrarias à tese apresentada.

Historicamente, os países que mais nos cerceiam tecnologicamente [7] são exatamente os ocidentais como Estados Unidos, Reino Unido e França. Basta verificar o estado atual de nossa energia nuclear, nosso poder aeroespacial de alcance de mísseis [8], nossa capacidade de independência satelital [9], e dependência em relação a sistemas estrangeiros de geolocalização e sincronização de tempo, tais como o GPS (Estados Unidos), Galileo (União Europeia), Glonass (Rússia) e Beidou (China).

A citação do professor Ariosvaldo Félix Palmerio (DCTA/IAE) em sua clássica obra: Introdução à Tecnologia de Foguetes merece menção (embora longa), grifo meu:

Alguns equipamentos do veículo deveriam ser adquiridos no exterior para uso nos primeiros voos, até que pudessem ser produzidos no país. No entanto, a década de 1980 caracterizou-se pelo estabelecimento da política norte-americana de não proliferação de armas nucleares. Sendo os mísseis o meio de transporte eficiente de artefatos nucleares, o Departamento de Estado dos EUA passou a controlar e a negar autorização às empresas americanas para a venda de itens que pudessem ser empregados na construção de foguetes e que poderiam ser também usados em mísseis. No início, essa postura não estava bem clara e causava longas esperas pela resposta dos fornecedores, até que a negativa se apresentava. Na década de 1990, o posicionamento dos EUA ficou explícito nos documentos do governo, permanecendo até o momento. Aquele país, além de adotar postura rígida interna, influenciou os países europeus para que também adotassem o mesmo comportamento. Houve então a quebra do relacionamento intenso entre a França e o Brasil e entre a Alemanha e o Brasil, nos programas de cooperação e no fornecimento de materiais e equipamentos.

Isto posto, vê-se que os problemas em sala de aula, seja com a ética do respeito com a opinião e visão de mundo do aluno, seja com a imposição de uma agenda primordialmente estrangeira sem privilegiar o interesse e desenvolvimento nacional, se refletem na qualidade da pesquisa, dos artigos científicos publicados, nas tomadas de decisão em nível estratégico, tático e operacional e na qualidade de nossa doutrina militar.

Veja-se, por exemplo, que em pesquisa no site de revistas como da ESG, ECEME, EGN, UNIFA, IME e ITA, não há nenhum artigo que coloque como objeto de pesquisa a divergência controlada ou pensamento crítico, que estimule reflexões e ideias autóctones sobre a defesa nacional.

A sinergia entre divergência controlada e maturidade científica é exemplificada no artigo que originou esta pesquisa, do tenente-coronel Matthew Jamison do US Army, intitulada: Com todo o Respeito: Como Incentivar a Divergência de Opiniões no Exército dos EUA, o autor começa quebrando o paradigma da importância de se desafiar o status quo e de forma franca fornecer conselhos militares alternativos para o planejamento e tomada de decisão, desde os que são direcionados ao presidente americano como os comandantes aos seus chefes. Ressalta que comandantes cercados por pessoas que só dizem sim são ineficazes.

O autor informa a decisão do chefe do Estado-Maior do Exército, general Randy A. George de criar em toda força a cultura da divergência de opiniões, com um ambiente criado pelos comandantes com dignidade e respeito e as formas de incentivo vão desde perguntas diretas, em que pessoas se sentem mais confiantes em contribuir quando são envolvidas diretamente à envolvimento coletivo.

Debatendo e Implantando um Código de Ética como Diretriz para Garantir Accountability e Governança Pública no Debate Acadêmico

A implantação de um Código de Ética nas IES das Forças Armadas surge como imperativo estratégico para conciliar liberdade acadêmica com os princípios constitucionais concernentes à Administração Pública. Conforme o artigo 37 da Constituição Federal, que estabelece os deveres de legalidade, impessoalidade e moralidade, o ambiente castrense e civil exige mecanismos formais que garantam accountability sem sufocar o debate intelectual. Com efeito, é possível inferir que organizações militares com códigos claros de conduta docente apresentem maior capacidade de inovar dentro de limites éticos previsíveis, assegurando que a divergência de ideias não descambe em conflitos institucionais.

Pode-se argumentar também que a natureza pública do ensino militar impõe dupla responsabilidade: enquanto o corpo docente deve zelar pela qualidade científica aliada aos valores castrenses e civis, o discente tem direito constitucional à participação ativa na construção do conhecimento — desde que observados os parâmetros de segurança e hierarquia, o que comprova que a governança pública exige regras claras, mas não burocráticas, capazes de transformar o dissenso em matéria-prima para excelência operacional.

O desafio central, portanto, reside em criar diretrizes que simultaneamente: (1) protejam a integridade do processo educativo, (2) legitimem a contestação fundamentada e (3) preservem a autoridade docente como filtro estratégico. Essa abordagem poderia equilibrar o dever funcional do ensino público com as especificidades castrenses, transformando a ética em alicerce — não em obstáculo — para a maturidade científica.

Princípios para a Construção de um Código de Ética

No âmbito da US WAR COLLEGES em 2016 foi publicado o artigo The Stakes are High: Ethics Education at US War Colleges [10], traduzido como: Os Riscos são Altos: Educação Ética nas Faculdades de Guerra dos EUA, que inova ao sugerir um curso introdutório de ética nas faculdades de guerra, inclusive eleva a ética à uma competência operacional crítica, isto é, expande sua importância do âmbito estratégico ao tático-operacional, para cenários reais de combate e de liderança.

Assim, a conduta ética dos docentes de IES das Forças Armadas deve reforçar pelo exemplo, que a ética não é relativa nem irrelevante, que o respeito à diversidade de opiniões e visões de mundo deve ocorrer em um ambiente sem censura ideológica, nem para a direita nem para a esquerda, ao contrário: alunos expostos a debates éticos pluralistas desenvolvem maior capacidade de tomar decisões em ambientes multiculturais (p/ex.: operações de paz, coalizões internacionais em que o país participa).

Com isso, podemos argumentar de forma crítica e fundamentada que as IES das Forças Armadas, que “copiam” modelos americanos de comportamento, pensamento, doutrina e ação operacional, que também “copiem” suas preocupações com a ética, com o pensamento crítico e disruptivo, alcançando uma maturidade científica.

Neste sentido, pode-se elogiar os Estados Unidos pela sua capacidade democrática e disposição top down em estimular o pensamento crítico de seus alunos de Instituições Militares de Altos Estudos, com reflexos para a defesa e desenvolvimento nacional.

Em suma, as já referidas IES das Forças Armadas tem como propósito preparar recursos humanos, civis e militares, no campo dos Estudos de Segurança Internacional e Defesa, capacitando-os tanto para produzir conhecimentos e pesquisas tanto nas suas respectivas áreas (ciências militares, navais, aeroespaciais e engenharias) como para atuar no campo da Defesa, planejamento e exercício das funções de direção e assessoramento.

Além de não serem meros reprodutores do conhecimento recebido, os discentes devem contribuir com perspectivas pessoais, fruto de suas pesquisas e reflexões no âmbito do mestrado e doutorado, todavia, para que haja contribuição pessoal do pesquisador, deve-se observar no mínimo os seguintes princípios:

• Exigência de fundamentação científica para controvérsias;

• Alinhamento com os valores institucionais das Forças Armadas;

• Respeito entre docentes e discentes;

• Canais formais para questionamento ético de condutas docentes;

• Equilíbrio entre liberdade acadêmica e valores militares;

• Mecanismos de transparência e coerência.

Tanto do ponto de vista operacional, na ponta da atividade-fim, quanto nos grupos de trabalho no âmbito do Ministério da Defesa, deve haver reflexos dessa liberdade de divergência de pensamento/pensamento crítico, o que deve ser estimulado desde a sala de aula, mas não só; o pensamento crítico que contribui com a defesa nacional e as atividades-fim das Forças Armadas deve ser fruto de reflexão autóctone que encontre alternativas para os vários desafios e contradições que o país enfrenta por ter sua economia totalmente dependente dos países dos BRICS e seu alinhamento geopolítico e militar totalmente dependente dos países ocidentais como Estados Unidos, Inglaterra e França.

É possível assim, entender como situações em sala de aula em cursos de Altos Estudos das Forças Armadas podem impactar políticas estratégicas e doutrinas militares, na medida em que são as habilidades e competências em pensamento crítico e divergência controlada que conduzem as IES à maturidade científica, formando profissionais dotados de pensamento crítico, capazes de influenciar, com rigor conceitual e metodológico, o pensamento e as práticas relevantes para o desenvolvimento do Brasil, nas áreas afetas à Defesa Nacional, conforme o PPGCM da ECEME/IMM.

Considerações Finais

Os objetivos deste estudo foram plenamente atendidos ao demonstrar que a divergência controlada/pensamento crítico, quando regulada por um Código de Ética robusto, potencializa a maturidade científica nas instituições militares de altos estudos como a ECEME, ITA, IME, EGN, ESG e UNIFA. Se não implantarmos tais reformas em tempos de paz, em cenários de crise e conflitos armados seremos obrigados a combater com doutrinas obsoletas e mentes não preparadas para a complexidade contemporânea dos conflitos atuais em Israel, no Irã e na Ucrânia.

A maturidade científica manifesta-se no respeito profissional de docentes aos discentes com visões de mundo e experiências diferentes, onde divergências são mediadas por protocolos que valorizam evidências sobre ideologias. O artigo estudado infere que instituições com códigos de ética bem implementados apresentam menos casos de viés cognitivo em simulações estratégicas, comprovando que a governança transparente do conhecimento criado nas IES das Forças Armadas gera decisões mais acuradas nos níveis tático, operacional e estratégico.

Dito de outro modo, enquanto prática consolidada e reflexiva, alcançar a maturidade científica não é possível sem autocrítica, diálogo e dialética interna. Popper demonstrou que a ciência amadurece quando respeita o contraditório e avança quando permite o confronto entre visões divergentes. Essas ideias reforçam que a qualidade da ciência depende mais da sua capacidade de revisão e crítica do que da quantidade de dados ou publicações. Assim, maturidade científica e filosofia da ciência caminham lado a lado como bases de um pensamento verdadeiramente avançado.

Nos níveis operacionais, esse avanço se traduz em maior adaptabilidade frente a ameaças assimétricas. Já no âmbito estratégico, a capacidade de incorporar perspectivas diversas — sem ruptura hierárquica — fortalece a formulação de políticas de defesa alinhadas ao desenvolvimento nacional. O código de ética proposto opera como catalisador desse processo, transformando potenciais conflitos em combustível para excelência castrense.

Conclui-se que a janela de oportunidade para essa transformação é agora: em um mundo onde guerras são decididas tanto em laboratórios quanto em campos de batalha, instituições que dominarem o equilíbrio entre disciplina, processo decisório e criatividade científica liderarão a nova era geopolítica. Como define o Manual de Campanha EB 70-MC 10.20 (2023), o processo decisório é o conjunto de ações realizadas pelo comandante e pelo seu EM para a tomada e execução das decisões.

Uma decisão envolve muitos fatores. Requer intuição, análise para reconhecer a essência do problema e criatividade para encontrar uma solução prática. Tal habilidade é fruto da experiência, da cultura, da educação, da inteligência, da flexibilidade, da percepção e do caráter.


Notas

[1] https://ebrevistas.eb.mil.br/RMM/article/view/380.

[2] Vide por exemplo que nas áreas temáticas do portal OMPV não há entrevistas com pesquisadores que apresentam o outro lado dos movimentos de resistência, chamados de terroristas, quando a própria ONU não os classifica assim.

[3] Vide conexão geo.

[4] https://www.gazetadopovo.com.br/mundo/wikileaks-snowden-panama-papers-relembre-a-historia-dos-vazamentos-5wigb43fz86j373duvsl0zd04/.

[5] https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/em-2017-fbi-ofereceu-us-10-milhoes-pelo-homem-que-liderou-derrubada-de-assad/.

[6] https://www.youtube.com/watch?v=4cy3hFVIBNM&ab_channel=ECEMEEscoladeComandoeEstado-MaiordoEx%C3%A9rcito.

[7] Vide mais com o capitão-de-mar-e-guerra William Moreira na sua tese de doutorado: Ciência e Poder: O cerceamento tecnológico e as implicações para a defesa nacional. Disponível em: https://dcp.uff.br/wp-content/uploads/sites/327/2020/10/Tese-de-2013-William-de-Sousa-Moreira.pdf.

[8] Cf. “Lawfare” e Cerceamento Tecnológico: O Caso do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas Brasil-EUA de Guilherme Tadeu Berriel da Silva Oliveira.

[9] https://teletime.com.br/03/07/2025/brasil-estuda-desenvolver-sistema-de-posicao-navegacao-e-tempo/.

[10] https://www.jcs.mil/Portals/36/Documents/Doctrine/Education/jpme_papers/behn_b.pdf?ver=2017-12-29-142141-020.

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