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Devido à carência de recursos, comandantes ucranianos muitas vezes empregam tropas de forças especiais como infantaria, desperdiçando elementos altamente treinados.
De acordo com a lei de organização militar da Ucrânia (UCRÂNIA, 1992), que sofreu uma atualização em 2024, as Forças Armadas do país possuem a seguinte organização:
- Estado-Maior das Forças Armadas da Ucrânia;
- Comando das Forças Conjuntas das Forças Armadas da Ucrânia;
- As Forças Singulares: Força Terrestre, Força Aérea e Marinha de Guerra;
- As Forças Conjuntas (organizadas de forma permanente):
- Força de Operações Especiais;
- Força de Sistemas Não-Tripulados;
- Forças de Defesa Territorial;
- Força de Logística;
- Força de Apoio (Polícia Militar, Bandas Militares, Unidades de Cerimonial e outras);
- Força Médicas;
- Tropas de Assalto Aéreo (Paraquedistas e Aeromóveis);
- Tropas de Comunicações Estratégicas e Segurança Cibernética.
As forças mais jovens são justamente a Força de Operações Especiais (FOE), criada em 2016, e a Força de Sistemas Não-Tripulados, criada em 2024.
No artigo A força de sistemas não-pilotados da Ucrânia e o exército do futuro, publicado no Velho General, já havíamos tido a oportunidade de tratar da Força de Sistemas Não-Tripulados. No presente artigo, trataremos da Força de Operações Especiais da Ucrânia, uma tropa pouco conhecida no Brasil, mas que vem sendo empregada extensivamente na Guerra Russo-Ucraniana.
Desde a invasão russa de 2022, as Forças de Operações Especiais (FOE) da Ucrânia vêm sendo empregadas em várias de suas capacidades, sejam elas convencionais, não-convencionais (irregulares) ou em apoio às operações de informação. O modelo adotado procurou seguir um padrão OTAN, mas com algumas diferenças resultantes da cultura militar soviética, que ainda influencia a doutrina ucraniana.
A FOE tem desfrutado de vários sucessos, no entanto, existem deficiências sistêmicas que reduzem sua eficácia. Procuraremos explorar os aspectos conhecidos da FOE ucraniana.
Breve histórico
A origem das FOE ucranianas, remontando ao modelo soviético, se deu a partir das tropas Spetsnaz (abreviatura de “spetsialnogo naznacheniya”, cuja tradução seria “propósito especial”). As tropas Spetsnaz eram vinculadas à Diretoria Principal de Inteligência (GUR) do Ministério da Defesa da Ucrânia e ficaram assim até quando grupos de forças especiais ucranianas passaram a ser treinados no modelo das forças de operações especiais da OTAN.
Após insucessos na Guerra do Donbass, a partir de 2014, sentiu-se a necessidade da criação de um comando das forças especiais. Isso se deu em 2016, quando as FOE passaram a constituir um ramo unificado, característica bastante marcante do modelo soviético, que prioriza o emprego conjunto desde o tempo de paz.
As FOE ficam diretamente subordinadas ao Comando das Forças de Operações Especiais da Ucrânia (UKRSOCOM), que é seu próprio comando dentro da estrutura organizacional da Forças Armadas ucranianas (MINISTÉRIO DA DEFESA DA UCRÂNIA, 2025).
Antes da reforma de 2016, as tropas de operações especiais ficavam diretamente subordinadas aos comandos militares regionais conjuntos. Além disso, a Ucrânia mantinha grupos de operações especiais dentro da Diretoria Principal de inteligência (GUR). A criação do UKRSOCOM representou uma centralização de meios para o preparo, adestramento e administração. No emprego, as FOE ucranianas são frequentemente adjudicadas aos comandantes operacionais no âmbito de um Teatro de Guerra.
Em junho de 2019, o 140º Centro de Operações Especiais da FOE ucraniana foi certificado como uma unidade de operações especiais capacitada a integrar uma Força de Operações Especiais da OTAN, sendo a primeira de um estado não membro da aliança a obter esse status (UNIAN, 2019).
Em 1º de janeiro de 2022, o efetivo da FOE aumentou em 1.000 homens (UKRAINSKA PRAVDA, 2022), com a seguinte organização:
- Comando-Geral das Forças de Operações Especiais;
- Unidades de Guerra Informacional e Psicológica;
- Unidades de Combate para Propósitos Especiais (Terra);
- Unidade de Combate para Propósitos Especiais (Fuzileiros Navais);
- Unidade de Combate para Propósitos Especiais (Aviação);
- Unidades de combate terrestre (Comandos);
- Unidades de Guerra Irregular;
- Centros de Instrução.
Doutrina
As tarefas da FOE incluem as seguintes capacidades (MINISTÉRIO DA DEFESA DA UCRÂNIA, 2025):
- Participar de ataques atrás das linhas inimigas;
- Coletar inteligência;
- Construir redes de inteligência;
- Realizar atividades de contraterrorismo;
- Procurar e evacuar reféns ou prisioneiros de guerra;
- Cooperar com forças especiais aliadas;
- Realizar operações psicológicas;
- Realizar ações de espionagem;
- Participar de operações de combate ao tráfico de drogas e armas;
- Treinar policiais e exércitos estrangeiros.
O centro de treinamento das Forças de Operações Especiais está sediado em Khmelnitsky e é lá que os recrutas candidatos passam pelo Centro de Qualificação da FOE. O curso de seleção é financiado pelos Estados Unidos, e foi desenvolvido em parceria com outros países da OTAN, particularmente a Letônia, a Lituânia e a Estônia.
A doutrina de emprego das FOE ucranianas busca se fundamentar nos modelos ocidentais desde 2015.
Suas principais missões são:
Ações diretas: Este constitui o que seria o papel mais visível do UKRSOCOM, onde as forças de Operações Especiais participam de uma ampla variedade de operações de ações contra a Rússia. Equipes da FOE são preparadas para realizar operações de infiltração, nas quais os operadores penetrarão profundamente atrás das linhas inimigas e destruirão objetivos militares ou infraestruturas inimigas. Um exemplo notável disso foi uma infiltração naval para destruir unidades de radar de defesa aérea russas na Crimeia, facilitando ataques com mísseis contra o porto de Sebastopol em agosto de 2023.
Mais recentemente, forças de operações especiais se infiltraram preliminarmente na região russa de Kursk, destruindo infraestruturas-chave e capturando unidades russas maiores antes da invasão convencional da Ucrânia em agosto de 2024.
Há relatos de que operações de ação direta também foram realizadas pela FOE ucraniana na Síria e no Sudão, combatendo tropas russas ou elementos do Grupo Wagner fora do Teatro de Guerra na Ucrânia. Em novembro de 2024, uma ação sobre tropas russas perto de Aleppo teria sido desencadeada por elementos da FOE ucraniana, apoiando rebeldes sírios (MALYASOV, 2024).
Entretanto, devido à falta de efetivos e unidades convencionais, as forças do UKRSOCOM vêm cada vez mais participando de ações convencionais contra a Rússia, lutando nas linhas de frente, como é o caso em Kursk, onde as unidades que realizaram a infiltração inicial permanecem combatendo na linha de frente até o dia de hoje, sem terem sido exfiltradas, o que seria normal. As forças de operações especiais, quando empregadas como tropa de infantaria, acabam perdendo seus conjuntos de habilidades mais amplos, tem menor apoio de fogo e acabam sofrendo baixas significativas.
Ações Não-Convencionais: O UKRSOCOM tem capacidade de treinar, incorporar e apoiar materialmente a ampla gama de células de resistência civil que permanecem no território ocupado pela Rússia. As unidades da FOE buscam explorar o potencial de inteligência dos ucranianos que vivem atrás das linhas russas para atuar com mais eficácia.
O modus operandi dessas ações é normalmente a execução de sabotagens empregando civis locais, cujos alvos são, normalmente, a infraestrutura crítica russa, incluindo as militares, figuras políticas e depósitos de material. Além disso, os elementos das FOE ucranianas, incorporados à resistência civil também realizam assassinatos de tropas e oficiais russos, bem como operações de guerra de informação para intimidar as forças de ocupação e seus colaboradores.
A capacidade do UKRSOCOM de conduzir essas operações foi significativamente melhorada por um projeto de lei de 2021 que permite o treinamento, armamento e pagamento de civis para ações de resistência contra tropas ocupantes durante a guerra.
Fora do Teatro de Operações da Ucrânia, as FOE Ucranianas atuam ao lado das forças rebeldes do Mali e da Síria para interromper os esforços russos na região. Na Síria, por exemplo, as forças ucranianas do HUR trabalharam ao lado de grupos rebeldes para atingir instalações e pessoal russos. A Ucrânia também contribuiu para os esforços médicos com grupos rebeldes sírios. No Mali, por exemplo, uma emboscada que levou à morte de 84 soldados Wagner foi possibilitada pela inteligência ucraniana e pelo treinamento de drones (LISTER et al., 2024).
Essas ações não ocorreram sem desvantagens, principalmente no caso do Mali, onde a nação rompeu laços diplomáticos com a Ucrânia em resposta à sua cooperação com grupos rebeldes.
Um dos esforços principais da FOE ucraniana em 2024 foi organizar movimentos de resistência nas áreas de Donetsk e Lughansk ocupadas pela Rússia. De acordo com a doutrina ucraniana, a organização de um movimento de resistência envolve a criação de:
- Forças de resistência;
- Equipes de elementos de resistência subterrânea;
- Forças auxiliares especializadas (apoio).
Estruturar todas essas equipes em territórios controlados pelos russos não tem sido uma tarefa simples e demanda tempo, mas já se observam alguns resultados. Por exemplo, em janeiro de 2024, o movimento de resistência organizado pela FOE na Rússia incendiou várias instalações ferroviárias, que são usadas para a logística das Forças Armadas russas.
Operações de Informação: uma contribuição fundamental para as operações de informação por parte das FOE ucranianas é a preparação e divulgação de imagens bem-sucedidas da linha de frente, realizadas massivamente por meio das redes sociais.
As imagens obtidas em câmeras nos capacetes e em drones fornecem confirmações visuais de sucessos ucranianos contra as forças russas, e com isso, contribuem para aumenta o moral da população e a percepção de sucesso das ações militares ucranianas para a opinião pública global e para as lideranças de seus aliados.
Esses grupos normalmente participam das atividades de ação direta, bem como de outras atividades da FOE. Para as operações de informação, a FOE possui a seguinte estrutura em termos de unidades, o que revela a importância dessa capacidade (MOMI, 2024):
- 16º Centro de Operações de Informação e Operações Psicológicas, com sede em Huiva, região de Zhytomyr;
- 72º Centro de Operações de Informação e Operações Psicológicas, com sede em Brovary, região de Kiev;
- 74º Centro de Operações de Informação e Operações Psicológicas, com sede em Lvov;
- 83º Centro de Operações de Informação e Operações Psicológicas, com sede em Odessa.
Lições aprendidas e interferência política
Embora haja muitos sucessos registrados no emprego das FOE ucranianas, também existem deficiências importantes. Na prática, o que se observa é que o UKRSOCOM acaba atuando de maneira muito semelhante ao que era realizada antes de 2016. Como temos visto em Kursk e em outras frentes, as forças de operações especiais adjudicadas aos comandantes convencionais acabam tendo seu emprego desvirtuado devido à falta de pessoal.
O fato é que os comandantes muitas vezes ignoram a melhor forma de empregar essas forças, em grande parte, devido à própria carência de oficiais de Estado-Maior bem formados, assim como a falta de treinamento e exercícios entre comandos. O que se observa é que o adestramento conjunto, particularmente incluindo elementos do UKRSOCOM, raramente são realizados.
Consequentemente, essas tropas altamente nobres são frequentemente empregadas como elementos de infantaria, apenas se diferenciando por utilizar táticas mais agressivas e de alta intensidade.
As estimativas de completamento das unidades da linha de frente ucranianas costumam ficar em torno de 35%, e muitas têm claros ainda maiores. Isso oferece uma explicação sobre porque os comandantes convencionais estão empregando suas equipes FOE nessas capacidades convencionais, devido à escassez de mão de obra, além de ilustrar que as SOF provavelmente também estão sofrendo altas baixas nessas funções.
As taxas de baixas (feridos graves e mortos) para as FOE ucranianas são bem mais sigilosas do que a das demais tropas ucranianas, mas se estima que elas estejam ocorrendo num ritmo cada vez mais elevado. Como as SOF já são uma força muito menor que requer muito mais tempo e recursos para treinar do que um soldado de infantaria padrão, seu uso nessa função é um uso profundamente ineficiente dessa capacidade.
O que se observa, entretanto, é que este tipo de emprego tem sido explorado intensamente pela guerra informacional russa.
Gardener et al. (2024) relatou o caso de uma matéria publicada no Financial Times (do Reino Unido) onde uma fonte ucraniana anônima “reclamou que sua unidade de forças especiais agora estava sendo forçada a lutar como infantaria regular”. O serviço de notícias estatal russo, RIA Novosti, citou o artigo como evidência de que as forças ucranianas estavam em apuros, o que não deixa de ser uma verdade. Essa mensagem foi então amplificada nas comunidades de analistas militares nas mídias sociais, que passaram a divulgar que as FOE ucranianas estavam sendo empregadas para “tapar buracos” nas fileiras do Exército ucraniano.
Mas o fato é que, à medida em que o conflito continua, a decisão ucraniana de usar as FOE como tropas de assalto terão que levar em conta não apenas os custos e riscos imediatos de tais operações, mas também as consequências de longo prazo, como a forma como serão percebidas pelos próprios soldados, pelo público e pelos observadores internacionais.
Segundo Kremzner (2025), outro problema sério verificado no emprego das FOE ucranianas tem sido a decisão pelo seu uso na Síria e na África. Buscando o objetivo político de obter vitórias na guerra informacional, o emprego das FOE seria muito mais efetivo se fosse concentrado no teatro de operações ucraniano, e certamente revela uma interferência política, provavelmente do próprio presidente Zelensky.
Referências
GARDNER, Jeff; DAVIS, Richard; LIFLYANDCHICK, Andrew; JONES, Derek. SOF Should Not Be Used as Assault Troops: Lessons from the Russo-Ukraine Conflict. Irregular Warfare Center, 3 de julho de 2024. Disponível em: https://irregularwarfarecenter.org/publications/insights/sof-should-not-be-used-as-assault-troops-lessons-from-the-russo-ukraine-war/.
KREMZNER, Robert. Why Ukraine’s Special Operations Forces Must Regroup. Small Wars Journal, 3 de fevereiro de 2025. Disponível em: https://smallwarsjournal.com/2025/02/03/why-ukraines-special-operations-forces-must-regroup/.
LISTER, Tim; SCHMITZ, Avery; TARASOVA, Darya. Dozens of Russian mercenaries killed in rebel ambush in Mali, in their worst known loss in Africa. CNN, 29 de julho de 2024. Disponível em: https://edition.cnn.com/2024/07/29/africa/russian-mercenaries-wagner-killed-mali-intl-latam/index.html.
LIVERMORE, Doug. The West must study the success of Ukraine’s Special Operations Forces. Atlantic Council, 29 de janeiro de 2025. Disponível em: https://www.atlanticcouncil.org/blogs/ukrainealert/the-west-must-study-the-success-of-ukraines-special-operations-forces/.
MALYASOV, Dylan. Russian Elite Forces Suffer Losses in Syrian Rebel Attack. Defence Blog, 27 de novembro de 2024. Disponível em: https://defence-blog.com/russian-elite-forces-suffer-losses-in-syrian-rebel-attack/.
MILITARNYI. Ukrainian Special Operations Forces Launch Campaign about Resistance in Rear. Militarnyi, 30 de agosto de 2024. Disponível em: https://mil.in.ua/en/news/ukrainian-special-operations-forces-launch-campaign-about-resistance-in-rear/.
MINISTÉRIO DA DEFESA DA UCRÂNIA. Síli Spetsial’nykh Operatsii ZS Ukraïny. [S.l.]: Ministério da Defesa da Ucrânia, 2025. Disponível em: https://sof.mil.gov.ua/.
MOMI, Rachele. Ukrainian Special Operations Forces (UASOF). Grey Dynamics, 11 de agosto de 2024. Disponível em: https://greydynamics.com/ukrainian-special-operations-forces-uasof/.
UCRÂNIA. Lei sobre as Forças Armadas da Ucrânia. 1992. Disponível em: https://zakon.rada.gov.ua/laws/show/1934-12#Text.
UKRAINSKA PRAVDA. Novo estatuto sobre o movimento de resistência entra em vigor na Ucrânia. Ukrainska Pravda, 1º de janeiro de 2022. Disponível em: https://www.pravda.com.ua/news/2022/01/1/7319212/.
UNIAN. Ukrainian Special Operations Forces Unit Passes NATO Certification, First Time in History. UNIAN, 24 de junho de 2019. Disponível em: https://www.unian.info/politics/10595037-ukrainian-spec-ops-forces-unit-passes-nato-certification-first-time-in-history.html.