Os acontecimentos no Oriente Médio poderiam visar uma derrota do Irã, enfraquecimento da Rússia e isolamento da China; se estas ideias ganharem força com Trump, podemos esperar uma perigosa escalada de tensões e uma maior deterioração do cenário internacional.
Anteriormente dissemos nestas páginas: “O objetivo americano é a hegemonia ou domínio sobre a Rússia e a China. Este é o pensamento imperial padrão: se os Estados Unidos não dominarem a Rússia e a China, então a Rússia e a China dominarão os Estados Unidos. Esta é uma mentalidade muito perigosa, porque leva a conflitos incessantes e ao risco sempre presente de uma escalada que conduza a uma guerra nuclear. Parte da motivação da América é a arrogância, a crença na superioridade americana. Parte é o medo, baseado na ignorância da Rússia e da China e em ideias muito simplistas sobre as motivações destes países. Parte é financeiro, porque a guerra é um grande negócio, com mais de um trilhão de dólares por ano em gastos militares americanos.”
Estas são declarações recentes de Jeffrey D. Sachs, professor de economia de renome mundial e diretor do Centro para o Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Columbia. Há muita especulação sobre as mudanças na situação com a chegada de Trump à presidência dos EUA.
Olhando para o futuro
Normalmente os balanços de final de ano conduzem muitas vezes a listas enjoativas de acontecimentos e previsões, na maioria das vezes erradas. Ainda assim, no final de um ano tão trágico e tumultuado como o que termina e no início de 2025, pode ser útil elaborar um balanço para tentar compreender o que o futuro nos reserva. Lembrando sempre que a previsão não consiste em adivinhar o futuro, mas sim em entender como e por que diferentes cenários podem se materializar.
O ano de 2024 começou com a operação militar extremamente violenta de Israel em Gaza, e os primeiros ataques seletivos israelenses na Síria e no Líbano, bem como ataques dos Houthis (grupo iemenita também conhecido como Ansar Allah) ao tráfego comercial no Mar Vermelho, pressagiando uma possível expansão do conflito a toda a região do Oriente Médio.
De acordo com os artigos que oferecemos semanalmente aos leitores, entretanto, após a fracassada contraofensiva das Forças Armadas ucranianas no verão de 2023, o conflito no país do Leste Europeu começou a piorar para Kiev. A Ucrânia carecia de homens e equipamentos. O Ocidente estava perdendo o desafio da produção de guerra para a Rússia.
Crise econômica
Também devido às repercussões da guerra na Ucrânia, em 2024 a Europa começou a afundar em uma crise econômica e política, em grande parte resultado das decisões desastrosas dos últimos anos: políticas de austeridade prolongadas, redefinição das cadeias de abastecimento iniciada com a crise da pandemia da covid-19, a decisão europeia de renunciar à energia barata fornecida pela Rússia (tudo isto ocultado do público europeu em geral pela Névoa da Guerra 2.0).
A realidade é evidente: os dois principais países da UE, a Alemanha e a França, começaram a cair em graves crises internas que afetaram progressivamente sua estabilidade política.
Numa vã tentativa de mudar o curso do conflito na Ucrânia, os países da OTAN adotaram medidas militares cada vez mais provocativas (embora militarmente inconclusivas), encorajando Kiev a atacar alvos em território russo e violando progressivamente as “linhas vermelhas” de Moscou.
A incursão ucraniana (ainda inexplicável) em agosto na região russa de Kursk, com provável ajuda ocidental, anunciou um outono dramático, especialmente no Oriente Médio, onde, entretanto, a campanha altamente virulenta levada a cabo por Israel em Gaza não deu quaisquer sinais de diminuição de intensidade.
O assassinato do secretário-geral do Hezbollah, Hassan Nasrallah, a invasão israelense do Líbano e a troca de mísseis entre o Irã e Israel marcaram a regionalização definitiva da crise que eclodiu em Gaza após o ataque do Hamas em 7 de outubro de 2023.
Esta regionalização levou inesperadamente à queda do regime do presidente Bashar al-Assad na Síria, desmantelando o eixo pró-Irã e abrindo caminho para uma possível redefinição do equilíbrio no Oriente Médio. Entretanto, a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos em crise suscitou fracas esperanças sobre a possibilidade de abertura de negociações com a Rússia e abriu novas questões sobre as futuras políticas dos EUA em relação à Europa, ao Oriente Médio e ao Pacífico.
A situação em Kursk hoje é decisiva. Se Kursk for recapturada e a Ucrânia se retirar, a porta estará aberta para as forças russas, agora concentradas perto de Sumy, entrarem na Ucrânia a partir do norte. Paralelamente à expansão dos ataques no Leste, a Ucrânia poderia ser dividida em duas. No Ocidente, poucos analistas apontam isso.
Paz na Europa
Outro tópico: os conflitos internos na Anglosfera ameaçam a paz na Europa, como exemplo disso vejamos o que aconteceu na Romênia. É emblemático do clima na Europa, onde uma série de figuras políticas, desde o secretário dos Negócios Estrangeiros britânico, David Lammy, à Alta Representante da UE para os Negócios Estrangeiros, Kaja Kallas, e ao secretário-geral da OTAN, Mark Rutte, para citar apenas alguns, estão trabalhando para impedir qualquer futura abertura de negociações com Moscou possivelmente promovida pelo recém-eleito Trump.
Igualmente perigosa é a proposta, apresentada pela França e outros países europeus, de enviar uma “força de manutenção da paz” europeia para a Ucrânia, fora do quadro da OTAN, assim que for alcançado um cessar-fogo no país (falamos sobre isso nesta coluna).
De acordo com as intenções, tal força deveria ser composta por pelo menos 50.000-60.000 (ou mais) homens e fortemente mecanizada, para constituir um impedimento eficaz contra um possível desejo russo de retomar as hostilidades.
Essa força não seria permanente, mas mobilizada durante o tempo necessário para permitir que Kiev se rearmasse a um nível que dissuadisse um possível ataque russo.
Guerra mundial por partes
Em nossa opinião: um cessar-fogo que implique a entrada de forças da OTAN na Ucrânia e permita o rearmamento de Kiev seria completamente inaceitável para Moscou e, portanto, rejeitado desde o início.
Voltamos à provável evolução da “guerra mundial por partes” quando o Papa Francisco diz: Não é errado pensar ou antecipar que existe uma visão bastante realista – os acontecimentos transcendentais dos últimos meses no Oriente Médio poderiam visar uma derrota do Irã, um enfraquecimento da Rússia e, em última análise, um isolamento da China, o adversário mais perigoso de Washington (é uma intenção, mas de palavra em ação…)
Sem dúvida, Teerã é atualmente visto como o elo fraco no alinhamento antiocidental e uma possível redefinição do equilíbrio do Oriente Médio como um possível “divisor de águas” na luta global pela hegemonia.
Se estas ideias ganharem força na administração Trump, que tomará posse em janeiro, podemos esperar uma perigosa escalada de tensões no Oriente Médio, um possível fracasso dos esforços de negociação na Ucrânia e uma maior deterioração do cenário internacional.
Publicado no La Prensa.