O conflito na Ucrânia está longe de terminar, mas nos fala de fracasso: fracasso das estratégias militares da OTAN, das sanções contra a Rússia e da indústria militar ocidental, que se mostrou incapaz de acompanhar o ritmo da produção de guerra russa.
Mais de dois anos e meio depois do início do conflito ucraniano, embora a guerra continue causando estragos, especialmente na parte oriental do país, ouvimos falar dela muito menos (veja Dissipando a Névoa da Guerra 2.0). Há uma razão: as coisas não estão correndo da forma que a maioria dos estrategistas, comentaristas e meios de comunicação ocidentais previam.
As forças russas continuam a avançar na frente do Donbass. A invasão da região russa de Kursk pela Ucrânia no verão resultou em um episódio contemporâneo de aventureirismo militar.
Mas, acima de tudo, o entusiasmo ocidental em apoiar a Ucrânia está se desvanecendo, à medida em que a Alemanha luta cada vez mais com sua crise econômica interna e os Estados Unidos estão absorvidos em uma campanha presidencial, que na terça-feira da semana passada inaugurou uma fase que terá impacto no curso do conflito.
As razões do fracasso ocidental na Ucrânia
Embora o conflito esteja longe de terminar e ainda apresente riscos de escalada dependendo das decisões tomadas pelos líderes ocidentais, ele nos fala de um fracasso.
O que falhou foram as estratégias militares da OTAN, as sanções que deveriam ter posto de joelhos uma economia russa que mostra, em vez disso, mais vitalidade do que nunca, e as indústrias militares americanas e europeias que se revelaram incapazes de acompanhar o ritmo da produção de guerra russa.
No entanto, existem algumas exceções a este quadro sombrio de desinformação. Por exemplo, o livro publicado há um ano, La derrota de Occidente (edição em espanhol), de Emmanuel Todd, historiador, sociólogo e demógrafo francês, que chegou recentemente às minhas mãos (já tinha lido, deste mesmo autor, o magnífico livro Depois do império, em que anunciava o fim da hegemonia atlantista em 2003). Depois de se tornar um sucesso de vendas, seu autor, que se define como dissidente da intelectualidade francesa, foi previsivelmente acusado de ser um simpatizante de Putin.
Em seu recente livro, Todd, ele levanta questões fundamentais sobre a crise que o Ocidente enfrenta, questões que poucos tiveram coragem de enfrentar e que são necessárias para compreender as razões do fracasso ocidental contra a Rússia. O livro foi escrito no verão de 2023, com a intenção de oferecer uma previsão: a derrota da Ucrânia. Hoje esta previsão é uma certeza, afirma Todd no prefácio escrito para a edição italiana.
Os temas centrais do volume são o colapso do Ocidente – e sobretudo dos Estados Unidos, país que o liderou durante aproximadamente um século – e a redescoberta da centralidade da Rússia.
Recordo que o Ocidente de que fala Todd é aquele referido nessas páginas e que, seguindo Augusto del Noce, definimos como o “Ocidente Opulento”.
Surpreendentemente, para aqueles que não conhecem a gênese da guerra na Ucrânia, ou para aqueles que a acompanharam apenas através dos meios de comunicação ocidentais, Todd descreve o conflito como uma “agressão promocional do Ocidente”, referindo-se à expansão da OTAN para leste, e especialmente à sua infiltração progressiva na Ucrânia depois de 2014.
Portanto, levanta três questões fundamentais: por que o Ocidente não aceita a derrota? Por que parece disposto a arriscar um confronto direto com a Rússia? Por que os líderes ocidentais descrevem a paz “como se representasse uma ameaça ainda mais séria do que um confronto termonuclear”?
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• Rodolfo Laterza e Ricardo Cabral (Autores)
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As surpresas do conflito ucraniano
O autor também descreve um possível cenário de fim de conflito (um conflito congelado?), com a expansão forçada dos objetivos militares russos na sequência da intransigência ocidental, e as incógnitas relacionadas que poderiam afetar tal quadro (em particular, o destino de Lvov e as Repúblicas Bálticas).
Segundo este autor, o conflito ucraniano, inicialmente provocado pelos Estados Unidos, e o conflito em Gaza e no Oriente Médio, demonstram, de acordo com Todd, a crescente impotência de Washington, arrastada por aliados radicalizados (Ucrânia e Israel) que na realidade deveria ter controlado – tese que se aplica mais ao caso israelense do que ao ucraniano, onde o destino do presidente Volodymyr Zelensky permanece incerto.
Para Todd, a paz nos termos russos significaria a derrota atlantista e o fim da hegemonia americana. Por isso ele diz: “Para Washington, a guerra deve continuar a manter o controle dos seus navios na Europa e no Pacífico.” Em seu livro, ele descreve a União Europeia como totalmente subjugada e a OTAN como um instrumento de escravização do velho continente.
Além disso, esclarece que a Europa enfrenta uma crise crescente derivada de sua separação da Rússia e, em particular, de sua renúncia às fontes de energia russas de baixo custo.
Ele continua: “Em três países-chave da UE (Itália, Alemanha e França), encontramos uma dinâmica crescente de pessoas confrontadas com seus governantes: portanto, as oligarquias europeias têm pouco tempo para convencer e arrastar suas populações para uma guerra total com a Rússia.”
Todd lista as surpresas que o conflito ucraniano produziu. Entre eles estão a resiliência econômica russa, a evanescência europeia, o belicismo antirrusso dos países escandinavos, a insuficiência militar da indústria bélica americana, a solidão ideológica do Ocidente (abandonada pelo Sul Global) e, como consequência de tudo isso, a iminente derrota ocidental.
Mas a maior surpresa, e o fato interessante que este autor destaca, é uma surpresa que inclui as outras elencadas até agora, não é a afirmação sobre a Rússia como um país que (com população em declínio e grande território), não é ameaça para ninguém, mas o fato de o equilíbrio do planeta estar em risco devido à crise ocidental e “mais precisamente, à crise terminal dos Estados Unidos”.
Crise do estado-nação ocidental
Segundo Todd, os Estados Unidos e a Europa sofrem diferentes formas de desintegração do estado-nação, acompanhadas pela morte do Cristianismo, particularmente em sua forma protestante, que sempre apoiou e de certa forma justificou o capitalismo.
A morte do Cristianismo, seu declínio como cultura, é reafirmado ainda pela emergência de um niilismo entendido por Todd como o impulso para destruir, em um nível físico, e para negar a própria noção de verdade e qualquer descrição razoável do mundo, em um nível conceitual. Segundo o historiador francês, comparam-se assim duas Weltanschauung (visões de mundo). De um lado, o realismo estratégico de um estado-nação como a Rússia e, de outro, a mentalidade pós-imperial ocidental, a emanação de um império em declínio que, no entanto, aspira representar o mundo inteiro, sem admitir a existência do outro. A incapacidade ocidental de conceber a diversidade do mundo.
O núcleo protestante do Ocidente emergiu assim “abrangendo suas componentes liberais e autoritárias”, sendo um de seus polos o mundo anglo-saxônico e o outro a Alemanha. A França católica, escreve Todd, “por contiguidade” conseguiu permanecer “na esfera mais desenvolvida do Ocidente, que é essencialmente protestante”.
Algo que poucos apontam e que é central para a compreensão daqueles que, entre outras coisas, ainda hoje mantêm ideias coloniais (sabemos disso muito bem por causa das Malvinas), é outro elemento-chave do protestantismo a nível social, é o seguinte: herdou da doutrina da predestinação a ideia segundo a qual “alguns são escolhidos e outros condenados, de modo que nem todos os homens são iguais”.
Todd aponta outra característica: o estado da fase final de secularização que o Ocidente vive: “os costumes e valores herdados da religião começam a enfraquecer ou a se desintegrar, para finalmente desaparecer; e é então, e só então, que aparece aquilo que estamos experienciando: um vazio religioso absoluto, no qual os indivíduos estão desprovidos de qualquer crença coletiva substituta. Um estado zero de religião.”
Para encerrar
Como dissemos em vários artigos, de Alexander Soljenitsyn a Augusto del Noce, multiplicam-se os textos cuja tese é o fim ou a derrota do Ocidente. Pensemos em A Autodestruição do Ocidente, de Eugenio Capozzi, centrado no declínio ético da nossa civilização, ou em The Terminus of the West, do jornalista americano Paul Craig Roberts, entre outros. A crise ocidental é um tema extremamente complexo, que provavelmente exigirá a contribuição de muito mais do que um único acadêmico para ser investigado e compreendido em todas as suas facetas e implicações.
Emanuel Todd tem o grande mérito de colocar o tema em debate. Um tema negado e rejeitado durante tempo demais pela hipocrisia das elites ocidentais, que traçaram uma imagem errada das razões do declínio do Ocidente. Este tópico continuará…
Até a próxima semana.
Publicado no La Prensa.