Guerra na Europa: amigos e inimigos

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O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky em encontro com estudantes ucranianos junto com o primeiro-ministro polonês durante reunião em Kiev em 22 de janeiro de 2024 (Sergei Supinsky/AFP via Getty Images).

O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky em encontro com estudantes ucranianos junto com o primeiro-ministro polonês durante reunião em Kiev em 22 de janeiro de 2024 (Sergei Supinsky/AFP via Getty Images).

“Se você aceita que um estrangeiro lhe imponha a escolha do seu inimigo e lhe diga contra quem você tem o direito ou não de lutar, você deixa de ser um povo politicamente livre e passa a ser incorporado ou subordinado a outro sistema político.”


Para o geopolítico alemão Karl Haushofer (1869-1946), a geopolítica não é de direita nem de esquerda, tem como objeto de estudo as “grandes conexões vitais do homem moderno no espaço atual” e tem como objetivo “a inserção do indivíduo em seu ambiente natural e a coordenação dos fenômenos que conectam o Estado com o espaço”.

Esta disciplina visa também, e sobretudo, dotar os responsáveis ​​pelas decisões políticas das ferramentas intelectuais necessárias a um processo eficaz de tomada de decisão e ação.

O que vemos hoje é que existe uma geopolítica chinesa, uma geopolítica russa e uma geopolítica norte-americana, mas não existe uma geopolítica europeia (ou ucraniana), uma vez que o Velho Continente está integrado ao bloco anglo-americano.

Recentemente, os ministros da Defesa da Aliança Atlântica reuniram-se em Ramstein. O investimento militar, econômico e político das potências atlânticas na guerra contra a Rússia está confirmado. A abordagem ideológica de Washington para enfrentar a concorrência estratégica com a Eurásia descentralizou o cenário de segurança global e manipulou e influenciou os mercados, complicando a gestão das atuais crises tanto no Oriente Médio como na Ucrânia.

Diante disso, Kiev não tem outra escolha senão continuar a guerra. Zelensky reforça a postura extremista do governo, com a reorganização do seu gabinete, que foi acordada com os líderes das potências atlânticas.

De acordo com o que foi observado durante estes longos anos de guerra, podemos dizer que Washington privou os estados europeus de sua soberania e de seu direito de designar seus amigos e inimigos: “Enquanto um povo existir na esfera política, ele próprio deverá fazer a distinção entre amigos e inimigos, reservando-se, contudo, para circunstâncias extremas, as quais serão seu único juiz. Esta é a essência da sua existência política. No momento em que lhe falta a capacidade ou a vontade de fazer esta distinção, deixa de existir politicamente. Se você aceita que um estrangeiro lhe imponha a escolha do seu inimigo e lhe diga contra quem você tem o direito ou não de lutar, você deixa de ser um povo politicamente livre e passa a ser incorporado ou subordinado a outro sistema político.

Se a política é a área da distinção entre amigo e inimigo (Carl Schmitt, O Conceito do Político), na geopolítica é a da aliança e do confronto entre Estados. A geopolítica aplicada é, acima de tudo, a gestão pela autoridade política do seu espaço, do espaço do seu povo. Proteger as fronteiras e manter fora delas, o mais longe possível, qualquer ameaça que qualquer estado, qualquer exército, qualquer organização hostil possa representar.

Do ponto de vista geopolítico e, como temos afirmado na nossa coluna, a atual guerra entre a Rússia e a OTAN na Ucrânia é o resultado da tensão entre as potências terrestres e marítimas. A guerra que a Rússia trava hoje é clássica, no sentido de que é travada onde há populações de língua russa nos territórios dos antigos impérios russo e soviético. Luta em sua zona natural de influência e não do outro lado do mundo. É muitas vezes comparável a uma guerra do século XIX, típica das potências terrestres, comparável à da Prússia, que lutou para reunir (parcialmente) as populações germânicas espalhadas por várias partes da Europa.

Para a nação russa, a Rússia também está travando uma guerra para proteger sua zona de influência geopolítica que os Estados Unidos estão invadindo através da OTAN.

A situação atual no campo de batalha

Até hoje, conter o avanço das forças russas em Donbass é o único objetivo estratégico que Kiev pode perseguir. A chamada paz justa é uma mistificação do Ocidente; o conflito terminará com base nas relações de poder militar, como analisamos.

Moscou pretende assumir o controle de Donetsk em 2025. A captura de Donbass pelas forças de Moscou comprometeria a defesa de todo o país e desencadearia seu colapso político.


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Guerra na Ucrânia: Análises e perspectivas. O conflito militar que está mudando a geopolítica mundial

• Rodolfo Laterza e Ricardo Cabral (Autores)
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Pokrovsk, Ugledar e Kramatorsk representam o último cinturão defensivo fortificado controlado pelas forças de Kiev na região. A crise de pessoal não permite às forças armadas ucranianas defender todos os pontos proeminentes da frente. As forças de Kiev correm o risco de perder o equilíbrio. A situação geral continua crítica.

Os diferentes interesses em jogo tornam necessário promover a continuidade das hostilidades. Atacar infraestruturas e alvos militares nas profundezas do território russo, além de não mudar o destino do conflito, expõe Kiev a fortes ataques retaliatórios contra estruturas energéticas, logísticas e militares. O resultado da guerra e a consolidação da zona de influência ocidental no antigo quadrante soviético estão sendo decididos no Donbass.

O ataque a Kursk foi a última, embora de curta duração, tentativa de mudar a situação, e criou algumas ilusões…

Em menor número e desarmados, os militares ucranianos enfrentam desânimo e deserções, nos diz a CNN (Ver: Outgunned and outnumbered, Ukraine’s military is struggling with low morale and desertion).

O Exército ucraniano reuniu quase todos os veículos blindados restantes e empurrou-os para o ataque em Kursk. O último punho blindado que tinha. É muito difícil e pouco provável que seja substituído, dado que os veículos blindados estão se tornando uma raridade; o que usarão as tropas ucranianas no leste para defender suas linhas?

O que a Ucrânia pode fazer

O que resta à Ucrânia é uma campanha partidária, uma guerra de guerrilha e atos de sabotagem terrorista contra a Rússia.

Como eu disse em meu artigo Saboteadores y partisanos em la Guerra de Ucrania, de 11 de junho de 2023: “Os drones sobre Moscou, a sabotagem das linhas de energia e abastecimento: todos estes são episódios que alimentaram muita especulação sobre o progresso da a guerra na Ucrânia. Com estas ações, o conflito também foi levado ao território russo.

Neste contexto, as declarações dos chefes de espionagem da CIA e do MI6 publicadas no Financial Times demonstram isso e, apesar dos jogos de palavras e da hipérbole, a estratégia anglo-americana está em um beco sem saída. Bill Burns e Richard Moore nem conseguem explicar quais são os objetivos de Biden, apesar de admitirem que “manter o rumo é mais vital do que nunca”. (Ver: Kursk Gambit: How Ukraine’s ambitious attack has led it to the brink of military disaster).

Burns e Moore deram a entender que as operações secretas (terroristas) de Kyrylo Budanov, chefe da inteligência militar ucraniana, são a opção que resta agora na guerra para manter a Ucrânia em ação.

É bom lembrar, como referencial teórico para esta análise, a Teoria do Partisan de Carl Schmitt, e a forma como o conflito atual pode evoluir, que nos dá algumas características deste tipo de guerra. (Para expandir, consulte Saboteadores y partisanos em la Guerra de Ucrania).

Esclarecimento final, a levar em conta em nossos pampas… Reiteramos o parágrafo do início do artigo: “Enquanto um povo existir na esfera política, ele próprio deverá fazer a distinção entre amigos e inimigos, reservando-se, contudo, para circunstâncias extremas, as quais serão seu único juiz. Esta é a essência da sua existência política. No momento em que lhe falta a capacidade ou a vontade de fazer esta distinção, deixa de existir politicamente. Se você aceita que um estrangeiro lhe imponha a escolha do seu inimigo e lhe diga contra quem você tem o direito ou não de lutar, você deixa de ser um povo politicamente livre e passa a ser incorporado ou subordinado a outro sistema político.

E como estamos em casa?


Publicado no La Prensa.

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