Os EUA perceberam que sua munição depende de minerais cuja produção, processamento e distribuição são controlados pela China – e que há abundância de recursos naturais na América Latina.
A general Laura Richardson, comandante do SOUTHCOM (“Comando Sul”) do Departamento de Defesa dos EUA, disse no Fórum de Segurança de Aspen, no último dia 18 de julho, que os EUA têm estado ausentes da América Latina, enquanto a Rússia, e especialmente a China, têm explorado a crise econômica pós-covid tanto em termos militares como em projetos de desenvolvimento como a iniciativa chinesa “Cinturão e Rota”. Ela participou do painel “Opportunities and Challenges in the Western Hemisphere” (“Oportunidades e desafios no Hemisfério Ocidental”).
Richardson disse que em suas viagens pela região, conversou com diversos presidentes e líderes, mas que, apesar de todo o investimento dos EUA, isso não é visto. “Tudo o que eles veem são os guindastes chineses, os desenvolvimentos do projeto Cinturão e Rota, um projeto não de milhões, mas de bilhões de dólares.” Ela acrescentou que os presidentes da região são geralmente eleitos por períodos de quatro anos e “trabalham olhando para o cronômetro e não para o calendário”, e por isso não tem tempo para esperar pelos resultados dos processos de investimento dos EUA, que usualmente levam entre “dois e três anos”.
Ela continuou afirmando que “Se [o projeto Cinturão e Rota] é para fazer o bem no hemisfério, então sou totalmente a favor. Mas fico um pouco desconfiada quando se trata de infraestrutura crítica … nos países da região … portos de águas profundas, 5G, segurança cibernética, energia, espaço… eu me preocupo com a natureza de uso dual disso”, disse Richardson, acrescentando que “são empresas estatais de um governo comunista e estou preocupada com a possibilidade de isso passar para uma aplicação militar muito rapidamente se algo acontecer, talvez na região Indo-Pacom (Indo-Pacífico)”.
“Como estamos competindo com o ‘Team USA’ e o ‘Team Democracy’ com as propostas que vem de [outros] países? Como estamos conseguindo investimento de qualidade dos EUA e falando sobre nossas empresas americanas investindo na região? Temos muitas empresas na região. Não acho que estamos promovendo o ‘Time USA’ como deveríamos, tem que ser ser melhor. Precisamos alardear o que o investimento de qualidade dos EUA faz”, disse ela.
Segundo Richardson, os Estados Unidos precisam oferecer um “Plano Marshall” à América Latina, que ela considera estar em sua esfera de influência. Ela disse que 22 dos 31 países da região aderiram ao programa chinês (o Plano Marshall, oficialmente chamado de Programa de Recuperação Europeia, foi uma iniciativa proposta pelo secretário de Estado dos EUA George C. Marshall e foi lançado pelo presidente Harry Truman em 1948 para apoiar a reconstrução da Europa depois da 2ª Guerra Mundial. O plano forneceu 13,3 bilhões de dólares a 16 países até 1951, o equivalente a cerca de 150 bilhões em dólares atuais).
Em agosto de 2023, em um evento do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS, Center for Strategic & International Studies), a general Richardson já havia feito referência aos recursos naturais da região: “este hemisfério é muito rico em recursos naturais, elementos de terras raras. Clima – você fala da Amazônia … se perdermos a Amazônia, isso impactará o mundo, todos nós, como os pulmões do mundo … elementos de terras raras. Triângulo do lítio – 60% do lítio do mundo está nesta região. Ouro, cobre … .”
Voltando ao Fórum de Segurança de Aspen, Richardson disse que acredita que “a segurança econômica e a segurança nacional [dos EUA] andam de mãos dadas aqui neste hemisfério”. Ela também disse que há uma escassez de visitas de alto nível e de atenção à região, referindo-se ao fato de que os EUA vêm demorando anos para nomear embaixadores em diversos países – o Brasil, por exemplo, ficou um ano e meio sem embaixador após a saída de Todd Chapman –, dando a impressão de que a América Latina não é prioridade para Washington.
LIVRO RECOMENDADO:
A segunda guerra fria: Geopolítica e dimensão estratégica dos Estados Unidos
• Luiz Alberto Moniz Bandeira (Autor)
• Em português
• Kindle ou Capa comum
No entanto, a despeito da embaixadora Elizabeth Bagley estar no cargo desde janeiro de 2023, a general Laura Richardson não deixa de vir ao Brasil, ao que parece, com frequência cada vez maior. Isso coloca algumas perguntas: os militares dos EUA estão assumindo um protagonismo nas relações com a América Latina (e no que nos diz respeito, com o Brasil)? Estamos assistindo a um aumento do “olhar” militar americano em nossa região?
O simples fato de os EUA em dividirem o mundo em “regiões” com comandantes militares, numa espécie de Tratado de Tordesilhas pós-moderno, já deveria ser visto como absurdo. E quando uma figura da importância da general Laura Richardson, que comanda os interesses militares americanos em “nossa” região, mostra tanta preocupação com os recursos naturais e a “segurança econômica” da América Latina, o Brasil não deveria se preocupar?
A Casa Branca de repente notou que suas cadeias produtivas, especialmente em Defesa, dependem de Pequim. Os EUA declararam a China como sua “ameaça de ritmo”, mas aparentemente só agora se deram conta de que a fabricação de munições depende de minerais cuja produção e/ou processamento e distribuição são controlados pela China. Washington acordou de repente e percebeu que seus porta-aviões dependem de chips chineses. Esses são apenas dois exemplos da sua dependência da indústria chinesa.
Tornou-se bastante claro que as Forças Armadas dos EUA precisam repensar sua cadeia de abastecimento de minerais críticos, para mencionar apenas um aspecto dos problemas que enfrentam. Assim, é apenas natural dar-se conta de que a América Latina de forma ampla, e no que tange (ou deveria tanger) aos nossos interesses, o Brasil, com suas vastas reservas de minerais estratégicos, passam a ter importância fundamental para os americanos.
A general Laura Richardson é Master of Science in National Resource Strategy from the National Defense University’s Dwight D. Eisenhower School. O currículo do curso, que pode ser consultado no site da instituição, deixa claro seus objetivos: “… promover o desenvolvimento dos alunos como pensadores estratégicos e formuladores de políticas de segurança nacional. … estudos de segurança nacional, economia, estratégia e recursos de defesa, aquisição, base industrial global e liderança estratégica. … O currículo inclui um estudo único da indústria que requer o desenvolvimento de uma perspectiva estratégica sobre a base industrial global e dos EUA e seu papel no apoio aos requisitos de recursos da segurança nacional.” Por óbvio, a “segurança nacional” a que se refere é a americana.
É fundamental que o Brasil acorde e tome as rédeas de seu futuro. Precisamos, com urgência, de um planejamento estratégico de Estado com foco no Brasil e nos brasileiros, apartidário e desideologizado, que defina quais são nossos objetivos como nação, quais metas devem ser perseguidas, por quais meios e com que ferramentas. E é preciso que esse planejamento seja executado e reajustado tendo em mente as necessidades do país e do nosso povo, e não conforme os interesses deste ou daquele partido ou governo.
Sem isso, estamos condenados a ser uma eterna colônia – seja dos comunistas escondidos embaixo da cama da “direita”, seja dos nazifascistas que habitam os pesadelos da “esquerda”. O Brasil precisa acordar do “sonho intenso”, levantar-se do “berço esplêndido” e preparar-se para a dura realidade.