Nenhum sistema de defesa é 100% eficaz, mas pode ser possível alcançar 99% com um “alerta antecipado”; isto posto, ataque do Irã foi uma retaliação ou uma demonstração?
O Irã lançou um ataque com centenas de mísseis e drones contra Israel na noite de sábado, 14 de abril, em retaliação ao ataque ao consulado do Irã em Damasco, na Síria, em 1º de abril. Este ataque, atribuído a Israel, matou pelo menos 16 pessoas, incluindo dois comandantes da Força Quds do Corpo da Guarda Revolucionária, segundo informaram os iranianos.
De acordo com os israelenses, o Irã lançou 320 projéteis, sendo 120 mísseis balísticos, 30 mísseis de cruzeiro e 170 drones, estes na verdade usados como mísseis de cruzeiro baratos (os números variam um pouco conforme a fonte consultada). Todos os projéteis usados, obviamente, tem alcance suficiente para atingir o território israelense, distante mais de mil quilômetros do Irã, atravessando o Iraque, a Síria e a Jordânia. A Figura 1 lista os modelos possivelmente empregados pelo Irã.
O drone empregado, o Shahed 136, tem velocidade máxima de 185 km/h, similar à do biplano inglês Sopwith Camel ou do triplano alemão Fokker Dr.I, ambos da Primeira Guerra Mundial. Ou seja, é bastante lento e carrega uma ogiva pequena, de cerca de 50 kg. Portanto, dada sua velocidade, estes drones devem ter sido lançados cerca de sete a oito horas antes de atingirem seus alvos. Isso certamente disparou alertas em Israel e em toda a vizinhança.
Faltando de uma a três horas para os drones atingirem seus alvos, devem ter sido lançados os mísseis de cruzeiro, que fariam um voo de uma a três horas dependendo do modelo empregado.
Completando o ataque, cinco minutos antes de os mísseis de cruzeiro atingirem seus alvos, teriam sido lançados os mísseis balísticos. Estes voam a milhares de quilômetros por hora, e levariam apenas alguns minutos para chegar a Israel. Estes mísseis deixam a atmosfera da Terra antes de mergulharem de volta, dirigindo-se a seus alvos.
O porta-voz do exército israelense, Daniel Hagari, disse que 99% dos mísseis e drones do Irã foram interceptados ou falharam, embora alguns mísseis balísticos tenham penetrado nas defesas israelenses e atingido a base aérea de Nevatim, no sul do país. Por outro lado, Teerã afirmou que metade dos mísseis lançados atingiu alvos israelenses “com sucesso”.
Enquanto Israel estuda como vai responder, Teerã já alertou que da próxima vez um contra-ataque ocorreria “em questão de segundos”. “O Irã não esperará mais 12 dias para responder”, disse o vice-ministro das Relações Exteriores iraniano, Ali Bagheri Kani, na segunda-feira.
Sistemas de defesa aérea
Israel possui um dos sistemas de defesa aérea mais sofisticados do mundo, que custou bilhões de dólares em pesquisa e desenvolvimento. O sistema é composto por várias camadas. A primeira é o famoso Iron Dome (“Domo de Ferro”), projetado para destruir mísseis rudimentares e drones como o Shahed 136. O Iron Dome é complementado por jatos da Força Aérea em patrulhas de combate buscando detectar e destruir alvos.
A segunda camada é o David’s Sling (“Funda de Davi”), um sistema análogo às baterias americanas Patriot, que visa eliminar mísseis de cruzeiro de alto nível e alguns mísseis balísticos inferiores.
A terceira e última camada é o Arrow 3 (“Flecha”), um míssil que deixa a atmosfera e viaja a velocidades altíssimas, cujo objetivo é interceptar mísseis balísticos antes que sobrevoem o território israelense.
Diferentes sistemas têm diferentes eficácias. No entanto, nenhum sistema é 100% eficaz. Essas informações são geralmente classificadas e os números divulgados são especificações contidas em material de marketing ou estimativas baseadas em observação ou cruzamento de informações que saem na mídia; não há informações oficiais a esse respeito. Em relação ao Iron Dome, é geralmente relatado que tem uma taxa de acerto na faixa dos 90%.
Os outros dois sistemas foram introduzidos mais recentemente do que o Iron Dome e não há muitos dados sobre sua eficácia. Sabe-se que o Arrow 3 obteve seu primeiro sucesso em novembro de 2023, quando derrubou um míssil disparado pelos Houthis em direção ao sul de Israel. O David’s Sling derrubou foguetes de Gaza em maio passado.
Limites das defesas antimísseis: operacionais e econômicos
As IDF sabem que suas defesas aéreas, por melhor que sejam, podem ser saturadas se um grande número de projéteis for lançado simultaneamente. Aliás, isso vale para qualquer sistema: um adversário pode reduzir a eficácia de uma defesa aérea lançando salvas de múltiplas armas. Portanto, um atacante pode sobrepujar um defensor se tiver mais mísseis de ataque do que o defensor tiver mísseis de defesa. Por outro lado, um número suficiente de mísseis de defesa pode neutralizar um atacante. Note-se que é comum lançar mais de um míssil defensivo contra um míssil atacante, para maximizar as chances de acerto; assim, de certa forma pode-se dizer que isso equivale a uma guerra de desgaste: o vencedor é o lado com mais mísseis.
O general aposentado Reem Adminaoch disse ao diário israelense Yedioth Ahronoth que Israel gastou mais de um bilhão de dólares na interceptação do ataque de sábado. Segundo ele, “O custo da defesa ontem à noite foi estimado entre 4-5 bilhões de shekels (entre 1 e 1,3 bilhões de dólares)”, acrescentando que “Um míssil Arrow usado para interceptar um míssil balístico iraniano custa 3,5 milhões de dólares, enquanto o custo de um míssil David’s Sling é de um milhão de dólares, além das surtidas de aeronaves que participaram na interceptação dos drones iranianos”, disse ele. Quanto ao Iron Dome, estima-se que cada míssil interceptador custe entre 50 e 100 mil dólares.
Yehoshua Kalisky, do Instituto de Estudos de Segurança Nacional (INSS) em Tel Aviv, disse ao The Wall Street Journal que os custos “eram enormes” e comparáveis ao que Israel gastou durante a guerra árabe-israelense de 1973.
Não se sabe quanto Teerã gastou no ataque, embora, segundo estimativas, os mísseis balísticos iranianos possam custar cerca de US$ 100 mil, e os drones sejam significativamente mais baratos – as estimativas de custo para o Shahed 136 variam entre 10 e 20 mil dólares.
Note-se, portanto, que em um ataque maciço, ainda que 100% dos mísseis e drones fossem interceptados – o que é improvável –, o custo pode se tornar astronômico para Israel, e comparativamente baixo para o Irã.
O que esperar
Antes do ataque a Israel, o uso mais significativo de mísseis balísticos pelo Irã ocorreu em 2020, depois que os EUA mataram o comandante iraniano Qasem Soleimani. O Irã lançou cerca de uma dúzia de mísseis balísticos contra duas bases militares americanas no Iraque e, embora não tenha havido mortes, dezenas de militares dos EUA sofreram lesões traumáticas. O Irã também utilizou mísseis balísticos em ataques este ano contra o Paquistão, a Síria e o Iraque.
Ali Hamie, analista militar libanês, disse ao The Washington Post que o Irã provavelmente aprendeu lições importantes sobre as defesas aéreas de Israel. “Poderia ser um ataque de teste”, disse ele, “e os iranianos conseguiram o que queriam. Passar pelas defesas aéreas não é apenas uma vitória simbólica, mas uma vitória real.”
Sabe-se que alguns mísseis atingiram uma base aérea israelense no deserto de Negev. Imagens do ataque foram transmitidas continuamente em muitas emissoras iranianas nos dias seguintes ao ataque. Israel caracterizou os danos como pequenos.
De acordo com alguns analistas, o ataque a Israel sugere que muitas das munições do Irã são de baixa qualidade. Como vimos, os militares de Israel afirmam que 99% dos mísseis e drones foram interceptados ou falharam.
Behnam Ben Taleblu, da Foundation for Defense of Democracies, que já estudou extensivamente o programa de mísseis do Irã, disse que “a exatidão e a precisão são um trabalho em progresso”. “Estas armas por si só não vencerão uma guerra para o Irã.”
Baixa qualidade ou não, é possível que o Irã utilize os mesmos tipos de munições em um ataque futuro, mas de forma diferente: com menos alertas, ou lançando uma barragem de fogo coordenada com seus aliados na região. O Hezbollah e os Houthis, por exemplo, tiveram participação mínima no ataque de sábado.
Em 2022, o general Kenneth McKenzie, do Comando Central dos EUA, afirmou que o Irã possui “mais de 3.000” mísseis balísticos, sem incluir a força de drones e mísseis de cruzeiro do país. Estima-se que o Hezbollah sozinho possua entre 40.000 e 120.000 foguetes e mísseis, sem mencionar os arsenais dos Houthis, das milícias do Iraque que apoiam o Irã e do próprio Hamas. Pensemos no volume de mísseis defensivos necessários para conter um ataque em escala realmente maciça, coordenado entre o Irã e seus proxies. Israel teria como responder?
Falando ao The Washington Post, Thomas Karako, diretor do Missile Defense Project do Center for Strategic and International Studies (CSIS), disse que “O número de munições necessárias para repelir o ataque foi enorme, caro e poderia ser difícil de replicar”.
E ele acrescentou: “Israel pode ter tido sorte e o Irã pode ter tido muito azar.”
Mudança de cálculos
De acordo com a Reuters, o ministro das Relações Exteriores iraniano, Hossein Amirabdollahian, disse que o Irã avisou, com 72 horas de antecedência, a Arábia Saudita, países do Golfo e a Turquia sobre seu plano de lançar o ataque a Israel. Obviamente essa informação foi compartilhada com os Estados Unidos e com os próprios israelenses.
Isso explica, em boa medida, os “99% de sucesso” das defesas de Israel.
Portanto, o ataque iraniano do último sábado não parece ter sido necessariamente uma retaliação, ou o Irã teria disparado mais mísseis, ou usado mísseis mais poderosos, por exemplo; e, com toda a certeza, não teria avisado sobre a operação com antecedência. A resposta do Irã, na verdade, foi uma demonstração de sua capacidade de planejar e lançar um ataque maciço contra o território israelense. Israel agora, ao organizar ações visando atingir os interesses iranianos, terá que considerar, muito cuidadosamente, que pode receber uma resposta ainda maior e mais destrutiva.